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Juiz afronta direito das mulheres e de reparação do Estado nos crimes cometidos durante a ditadura militar

March 12, 2017 14:32 , par Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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Do ALERTA SOCIAL

Ao rejeitar a denúncia contra o torturador confesso Antônio Waneir Pinheiro Lima, o “camarão”, o juiz federal escreveu uma página triste na nossa história.

etienneromeuPor Isabel Leite e Fernanda Sarkis

No primeiro 8 de março, DIA INTERNACIONAL DA MULHER, pós golpe, uma decisão do juiz federal ALCIR LUIZ LOPES COELHO da cidade de Petrópolis (RJ) passou quase despercebida, entretanto ela representa uma bomba no direito das mulheres, na luta contra a cultura do estupro e nos esforços para a reparação do Estado nos crimes cometidos durante a ditadura militar.

Ao rejeitar a denúncia contra o torturador confesso Antônio Waneir Pinheiro Lima, o “camarão”, o juiz federal escreveu uma página triste na nossa história. Isto porque marca um movimento reverso aos últimos 35 anos, que vinham em direção ao esclarecimento dos fatos e, mesmo tímida, de responsabilização dos que cometeram crimes contra a humanidade, como é o caso do crime de tortura.

Em sua decisão o juiz federal diz que “O direito adquirido à extinção da punibilidade em razão da prescrição e a proibição de retroatividade de normas de caráter penal também são direitos humanos. A violação dessa norma também ofende a dignidade humana.”

Como se o juiz entendesse que o estupro de Inês, dentro da Casa da Morte de Petrópolis (RJ), em um contexto de cárcere privado e de tortura (sendo a tortura um crime contra a humanidade, portanto imprescritível) ferisse menos a dignidade humana que a suposta prescrição do crime. Ele coloca a retroatividade de caráter penal no mesmo patamar que a tortura em termos de violação de direitos humanos.

O Dr. ALCIR LUIZ LOPES COELHO, com sua decisão, viola os direitos das mulheres, viola a convenção internacional de direitos humanos e simbolicamente diminui a luta das minorias e das vítimas do terrorismo de Estado.

Diz ainda a decisão do juiz federal que “Reportagens – não importa a quantidade – não constituem documentos. Entrevistas não constituem documentos. Deduções não constituem documentos. Sentenças proferidas por tribunais de organismos estrangeiros não constituem documentos. Petições e decisões judiciais proferidas em âmbito de medidas cautelares não constituem documentos. Note-se que as declarações de Inês Etiene constantes de termo lavrado na sede da OAB/RJ (cópia de fls. 384/387), foram prestadas em 05/09/1979. Ou seja, OITO ANOS após o tempo do crime segundo a denúncia” e uma semana após sair da cadeia. Ou seja, a primeira coisa que Inês fez ao ser solta foi denunciar os horrores que viveu nas mãos dos agentes do Estado brasileiro.

Para piorar sua decisão, o magistrado evoca uma condenação sofrida por Inês, em um TRIBUNAL DE EXCEÇÃO, para desqualificá-la como indivíduo, mulher e portanto denunciante.

De acordo com a certidão de fls. 69/70, Inês Etienne Romeu foi condenada pelo Superior Tribunal Militar à pena de prisão perpétua pelo crime do art. 28, § único do Decreto Lei no 898/69, reduzindo a pena para 30 anos, na forma do artigo 51, do Decreto Lei no 898/69…Dessa forma, por essas certidões, resta provado que Inês Etienne Romeu foi condenada pela Justiça Militar, por sentenças transitadas em julgado, pela prática dos crimes de sequestro seguido de morte (art. 28 § único do Decreto Lei no 898/69) e de associação a agrupamento que, sob orientação de governo estrangeiro ou organização internacional, exerce atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional. (art. 14 do Decreto Lei no 898/69).

Do ponto de vista simbólico é preciso entender quem foi Inês e o que ela significou na luta pela democracia, pelo direito das mulheres e para a reparação dos crimes cometidos pelo estado brasileiro contra seus cidadãos.

A decisão judicial desfavorável a Inês Etienne é simbólica e sintomática sobre momento em que estamos vivendo. Se por um lado desconsidera a figura da guerrilheira como símbolo de resistência e lugar de memória sobre o período da ditadura, por outro se insere em um debate mais amplo de corte de direitos femininos.

No dia 3 de março assistimos à proposição de um projeto na Câmara reduz pena por estupro de vulnerável pelo deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG). Ele propõe diminuir de 1/6 a 2/3 a pena para o “crime de estupro de vulnerável quando o ato não envolver penetração ou sexo oral” e nos últimos dias também temos observado como a reforma da Previdência tira direito das mulheres de se aposentarem antes: “As professoras, que pela regra atual podem pedir a aposentadoria aos 50 anos de idade e 25 de contribuição, terão que trabalhar até 15 anos mais para receber o benefício do INSS, caso seja aprovada a idade mínima de aposentadoria de 65 anos, igual para homens e mulheres, servidores públicos e privados”.

Para além destes fatos, assistimos à construção grotesca da imagem de uma primeira dama “recatada e do lar”, assistencialista e relegada à sombra do marido, em clara oposição à Presidenta e suas ministras tidas como “masculinizadas” e de “temperamento forte”. Esta dicotomia de mulher frágil X masculinizada é anacrônica como o discurso de Michel Temer no dia internacional da mulher, em que ele reduziu a participação feminina a cuidar da casa, criar filhos e ir ao supermercado.

Deste modo, é sempre necessário afirmar: este golpe não é tão somente contra a classe trabalhadora e contra os mais pobres. Ele é misógino e machista.


INÊS ETIENNE ROMEU

“Se eu morrer, como as forças de segurança do governo insistem em insinuar, quero esclarecer alguns fatos que aconteceram comigo desde 05/05/1971, quando fui presa por agentes governamentais. No cativeiro, me torturaram física e mentalmente até o dia em que me entregaram para minha família. Na prisão tentei o suicídio para escapar das perversidades de meus carcereiros e para fugir das ameaças de morte lenta e de violência contra meus parentes (…) Encaminhei a várias pessoas um longo e circunstanciado depoimento sobre os dias de meu cativeiro, casos que me contaram e onde identifico meus carcereiros. Se eu morrer, estas pessoas divulgarão o depoimento no país e no exterior (…) Se eu morrer, peço-lhe que requeira a autópsia, pois podem falsear a “causa mortis”. Se eu morrer, quero que todas as circunstâncias da minha morte sejam esclarecidas, ainda que demande tempo, trabalho e sacrifício, menos em minha memória, mais em nome da honra do país em que nasci” (Carta de Inês Etienne Romeu para a Ordem dos Advogados do Brasil. Data: 03.10.1971).

O trecho acima foi retirado de uma carta escrita por Inês Etienne Romeu, em 1971, após sua saída da “Casa da Morte”, em Petrópolis, centro clandestino de tortura que veio a público somente após as denúncias feitas pela a guerrilheira, ainda durante a ditadura. Inês Romeu foi a única sobrevivente deste local, por onde passou, também, Carlos Alberto Soares de Freitas, dentre cerca de vinte pessoas. Os 96 dias de torturas, estupros e humilhações a marcaram para sempre. “Estava destroçada, doente, reduzida a um verme, obedecia como uma autômata”, relatou na mesma carta. Durante o seu sequestro, tentou suicidar-se outras três vezes. Conseguiu sair ao fingir que aceitava tornar-se informante de seus captores. Somente em novembro de 1971, a justiça oficializou sua detenção e a condenou à prisão perpétua. Foi a última presa política do regime militar a ser libertada, com a lei da anistia de 1979.

Inês Etienne Romeu nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 22 de agosto de 1942 e morreu em Niterói em 27 de abril de 2015. Caçula de cinco irmãos, na adolescência mudou-se para Belo Horizonte a fim de completar seus estudos. Trabalhou como bancária no Banco do Estado de Minas Gerais (BEMGE), ao mesmo tempo em que cursava Sociologia e Política, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ficou matriculada entre os anos de 1961 a 1963. Posteriormente, no ano de 1965, matriculou-se no curso de História da mesma Universidade, sendo obrigada a trancar a matrícula no ano de 1967, em razão de sua militância e ida para a clandestinidade.

Face a estes acontecimentos e no contexto da agudização da repressão política, materializada, durante o ano de 1967, em prisões e exílios de companheiros de militância política, sobretudo após 1969, com fim do grupo Comandos de Libertação Nacional, ao qual Inês Romeu esteve vinculada, foi compelida a viver na clandestinidade, deixando para trás laços de família, amizade, estudos e profissão, bem como sua identidade civil.

Ela foi presa em 5 de maio de 1971, na cidade de São Paulo, por agentes comandados pelo delegado Sérgio Fleury, sem ordem judicial. Foi levada para o Rio de Janeiro, onde ficou detida em uma delegacia de polícia em Cascadura. Em razão de seu estado de saúde e de uma tentativa de suicídio em decorrência da tortura sofrida, foi encaminhada ao Hospital Carlos Chagas e, em seguida, internada no Hospital Central do Exército. No dia 8 de maio, foi conduzida, de carro, para a “Casa da Morte”, em Petrópolis, local onde enfrentou todos os tipos de tortura e onde permaneceu incomunicável por mais de três meses, até 11 de agosto de 1971. A sua prisão somente foi oficializada em 7 de novembro desse ano, e ela permaneceu em unidade penitenciária regular até 29 de agosto de 1979. Desde então, dedicou-se a localizar a casa onde tinha sido presa e o médico Amílcar Lobo, que auxiliava os militares no local, durante as sessões de tortura.

Em 1980, obteve a transferência de sua matricula da UFMG para a Universidade Federal do Ceará, tendo ambas instituições reconhecido seu direito de anistiada política para concluir o curso interrompido em 1967. Em 1981 diplomou-se em licenciatura plena em História. Na década de 1980, foi diretora do Arquivo Público do Estado de São Paulo, tendo sido criado, em sua gestão, o Sindicato dos Arquivistas do Estado de São Paulo e dados os primeiros passos para sua implantação. Na área de arquivos foi também, nas décadas de 1980 e 1990, diretora do Núcleo Regional de São Paulo da Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB).

Em 2003, foi vítima de um acidente ainda não esclarecido. A polícia qualificou como acidente doméstico, mas um relatório médico indicava “traumatismo craniano devido a muitos golpes”. Inês ficou sem falar e se locomover com facilidade e sem memória sobre o ocorrido. Em 2009 recebeu o prêmio dos Direitos Humanos do Brasil, na categoria de Direito à Memória e à Verdade. Em março de 2014, depôs perante a Comissão da Verdade e ajudou na identificação de vários integrantes da casa de Petrópolis. Morreu aos 72 anos, vítima de infarto, em sua casa.

Inês Etienne sempre presente!


Isabel Leite é doutora em história. Atualmente pesquisa sobre a biografia política de Inês. 
Fernanda Sarkis é documentarista e jornalista.


Source : https://luizmuller.com/2017/03/12/juiz-afronta-direito-das-mulheres-e-de-reparacao-do-estado-nos-crimes-cometidos-durante-a-ditadura-militar/

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