Requião apresentará texto final do projeto contra abuso de autoridade na quarta, 19 de abril
17 de Abril de 2017, 17:34Na quarta-feira, Requião apresenta texto final do projeto contra abuso de autoridade.
Aqui, a redação integral da proposta.
Nesta quarta-feira (19), na Comissão de Constituição e Justiça, o senador Roberto Requião apresenta a versão definitiva de seu relatório ao Projeto de Lei que “define taxativamente os crimes de abuso de autoridade”. No relatório final, Requião acolhe inúmeras sugestões de senadores, juízes, promotores e do procurador-geral Rodrigo Janot. Foram quase seis meses de debate, desde que a proposta foi incluída na ordem do dia do Senado, em novembro do ano passado.
A seguir, o relatório final do senador Roberto Requião.
Minuta
PARECER Nº , DE 2017
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre os Projetos de Lei do Senado nº 280, de 2016, do Senador Renan Calheiros, e nº 85, de 2017, do Senador Randolfe Rodrigues, que definem os crimes de abuso de autoridade e dão outras providências.
RELATOR: Senador ROBERTO REQUIÃO
I – RELATÓRIO
I.1 – Do PLS nº 280, de 2016
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 280, de 2016, define taxativamente os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, em sentido amplo, abarcando servidores públicos e pessoas a eles equiparadas, além de membros do Ministério Público e dos Poderes Judiciário e Legislativo de todas as esferas da Administração Pública – federal, estadual, distrital e municipal.
Nos termos da proposição, os crimes de abuso de autoridade serão processados mediante ação pública condicionada à representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça, admitida a ação privada se o Ministério Público não apresentar a denúncia no prazo de quinze dias, contado do recebimento do inquérito ou da representação do ofendido. A ação penal será pública incondicionada, todavia, no caso de pluralidade de vítimas ou se houver risco à vida, à integridade física ou à situação funcional do ofendido que queira exercer o direito de representação.
O PLS nº 280, de 2016, estabelece, como efeito da condenação, a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juízo criminal fixar o valor mínimo de reparação, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. No caso de reincidência, a condenação tem como efeito, ainda, a perda do cargo, mandato ou função pública, independentemente da pena aplicada.
Além da pena, o crime de abuso de autoridade tem repercussão nos âmbitos cível e administrativo, nos termos do projeto. De acordo com o art. 7º, a responsabilidade civil e administrativa independe da penal, não se podendo questionar sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando essas questões se acharem decididas no juízo criminal. Entretanto, pela interpretação do art. 8º da proposição, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito exclui as responsabilidades civil e administrativa.
Consoante disposição do art. 39 do PLS nº 280, de 2016, o rito do processo por crime definido no PLS é o do processo comum, previsto no Código de Processo Penal (CPP).
O projeto de lei promove também diversas alterações na legislação vigente.
No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), acrescenta artigo para estabelecer que, no caso dos crimes previstos naquele estatuto, praticados com abuso de autoridade, a perda do cargo, função ou mandato eletivo, prevista no art. 92, I, do Código Penal (CP), somente incidirá no caso de reincidência, mas independerá, neste caso, da pena aplicada ao reincidente.
Na Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, altera a redação do art. 10, que tipifica o crime de interceptação telefônica, de fluxo de comunicação informática e telemática, ou escuta ambiental, sem autorização judicial, para (i) modificar a pena privativa de liberdade cominada, de reclusão de 2 a 4 anos para detenção de 1 a 4 anos; (ii) acrescentar tipos penais equiparados, para o agente que promove quebra de sigilo bancário, de dados, fiscal, telefônico ou financeiro sem autorização judicial ou fora das hipóteses em que a lei permitir, ou que dá publicidade, antes de instaurada a ação penal, a relatórios, documentos ou papéis obtidos como resultado de interceptação telefônica, de fluxo comunicação informática e telemática, de escuta ambiental, de quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico ou financeiro regularmente autorizados; (iii) sujeitar o agente ao regime de sanções previstas em legislação específica, no caso de o crime ter sido praticado com abuso de autoridade.
Na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a prisão temporária, promove alteração do art. 2º, para prever que o mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária bem como o dia em que o preso deverá ser libertado. Decorrido o prazo, o preso deverá ser posto em liberdade pelo agente responsável pela custódia, independentemente de ordem judicial, salvo se prorrogada a prisão temporária ou decretada a prisão preventiva. Estabelece, ainda, que na contagem do prazo deve ser computado o dia do cumprimento do mandado.
No mais, o PLS nº 280, de 2016, revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, que regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, além dos seguintes dispositivos do CP: § 2º do art. 150 (violação de domicílio cometido por funcionário público com abuso de poder); § 1º do art. 316 (excesso de exação) e arts. 322 (violência arbitrária) e 350 (exercício arbitrário ou abuso de poder), porque contemplados, com ajustes, no texto da proposição.
Na justificação, o autor argumenta que a Lei nº 4.898, de 1965, que atualmente regula a matéria, está defasada, carecendo de atualização para melhor proteger efetivamente os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal, no que diz respeito à sua violação ou mitigação por meio de ato praticado com abuso de autoridade.
I.2 – Das Emendas ao PLS nº 280, de 2016
Foram apresentadas as seguintes emendas.
A Emenda nº 01-CECR, do Senador Romero Jucá, de caráter substitutivo, promove importantes modificações no PLS. No parágrafo único do art. 4º, exige, para a perda do cargo, mandato ou função, a reincidência na prática de crime por abuso de autoridade, e não a mera reincidência em qualquer tipo de crime. No art. 21, enquanto o PLS se refere a invasão de casa alheia, o Substitutivo alude a imóvel alheio, conceito obviamente bem mais abrangente do que o de casa. No art. 22, o Substitutivo exclui do tipo penal o atingimento de terceiros nas interceptações telefônicas. No mais, mantém a essência do PLS, apenas aprimorando sua redação e técnica legislativa.
A Emenda nº 02-CECR, do Senador Fernando Collor, modifica a redação do art. 36 do PLS, para ampliar o espectro da prevaricação nele descrita, de modo que configure crime a conduta de “deixar de determinar a instauração de procedimento investigatório para apurar a prática de infração penal ou de improbidade administrativa quando dela tiver conhecimento e competência para fazê-lo”, não mais se restringindo aos crimes previstos no próprio PLS.
A Emenda nº 03-PLEN, do Senador Randolfe Rodrigues e outros, de caráter substitutivo, mantém, na essência, o texto do PLS, mas aprimora pontualmente diversos dispositivos.
A Emenda nº 04-PLEN, do Senador Ricardo Ferraço, é no sentido de estabelecer ressalva para evitar o crime de hermenêutica. Assim propõe que dispositivo prevendo que “não o configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas”.
A Emenda nº 05-PLEN, também do Senador Ricardo Ferraço, suprime o art. 30 do PLS, que tipifica a conduta de “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, com abuso de autoridade”, ao argumento de que não se pode criminalizar interpretação jurídica.
A Emenda nº 06-PLEN, do Senador Telmário Mota, é no sentido de incluir, no art. 8º do PLS, parágrafo único prevendo que “a mera divergência de entendimento ou de interpretação entre membros do Ministério Público e juízes, ou entre estes e outros órgãos jurisdicionais, não constitui abuso de autoridade”. Também aqui a justificação diz respeito à impossibilidade de crime de hermenêutica.
As Emendas nº 07 e 08-PLEN, do Senador Ricardo Ferraço têm o mesmo teor que as já apresentadas pelo Parlamentar, designadas por Emendas nº 04 e 05-PLEN, diferenciando-se daquelas por incidirem sobre o Substitutivo que agora apresento, cujo teor foi divulgado com antecedência.
A Emenda nº 09-PLEN, do Senador Ricardo Ferraço, propõe-se a suprimir o inciso III do art. 13 do Substitutivo, relativo ao constrangimento de preso para produção de provas contra si ou contra terceiros.
Por sua vez, a Emenda nº 10-PLEN, do mesmo Parlamentar, é no sentido de suprimir o art. 10 do Substitutivo, que versa sobre a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo.
A Emenda nº 11-PLEN, também do Senador Ricardo Ferraço, é no sentido de estabelecer que os crimes de abuso de autoridade cometidos por magistrados e por membros do Ministério Público serão de iniciativa, respectivamente, do Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.
As Emendas nº 12-PLEN a 25-PLEN foram apresentadas pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira.
A Emenda nº 12-PLEN é no mesmo sentido da Emenda nº 04-PLEN, proposta pelo Senador Ricardo Ferraço.
A Emenda nº 13-PLEN propõe-se a aperfeiçoar o caput do art. 5º do PLS, para ressaltar que as penas restritivas de direito têm caráter substitutivo em relação às privativas de liberdade.
A Emenda nº 14-PLEN retira do parágrafo único do art. 6º do PLS a menção ao Conselho Nacional de Justiça e ao Conselho nacional do Ministério Público, posto que o próprio dispositivo já prevê que a representação do ofendido será encaminhada à autoridade competente, com vistas à apuração de falta funcional.
A Emenda nº 15-PLEN pretende alterar a redação do art. 9º do PLS, que ficaria da seguinte forma:
“Art. 9º Decretar prisão preventiva, busca e apreensão de menor ou outra medida de privação da liberdade, fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade judiciária que, sem justa causa, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;
III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus.”
Ressalta o autor que a expressão “prazo razoável”, constante do Substitutivo, é demasiadamente subjetiva.
A Emenda nº 16-PLEN altera a redação do art. 10 do PLS, para dispor que constitui crime “decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação de comparecimento ao juízo”, argumentando que a expressão “manifestamente descabida”, constante da redação do Substitutivo, é extremamente subjetiva.
A Emenda nº 17-PLEN substitui, no inciso IV do parágrafo único do art. 12 do Substitutivo, a expressão “sem motivo justo e excepcionalíssimo” por “injustificadamente”. Argumenta o autor que a expressão “excepcionalíssimo” é muito subjetiva.
A Emenda nº 18-PLEN propõe a supressão do art. 15 do Substitutivo, que incrimina a conduta de não comunicação ao preso dos seus direitos ao silêncio e à assistência jurídica. Argumenta o autor que a conduta é desprovida de perigo social.
Do mesmo argumento se serve a Emenda nº 19-PLEN, que pugna pela supressão do art. 16 do Substitutivo, que criminaliza a conduta de não identificação e de falsa identificação do agente de segurança pública ao preso.
A Emenda nº 20-PLEN é no sentido de suprimir, no art. 27 do Substitutivo, a expressão “ou fazer uso de provas de cuja origem ilícita se tenha conhecimento”, ao argumento de que a ilegalidade da prova pode ser discutida com base na doutrina e na jurisprudência.
A Emenda nº 21-PLEN propõe a supressão do art. 45 do Substitutivo, que prevê a criminalização de condutas que violem a prerrogativa profissional do advogado, alegando que a proposta deslocará o equilíbrio processual para longe do intuito de Justiça criminal, promovendo um embate entre patronos e órgãos responsáveis pela persecução penal.
A Emenda nº 22-PLEN propõe, no art. 23 do Substitutivo, a supressão da expressão “moral”, por entender que a redação carece de objetividade. Trata-se do dispositivo que tipifica como abuso de autoridade a pratica de violência física ou moral, sendo punido com detenção e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
A Emenda nº 23-PLEN é no sentido de suprimir o parágrafo único do art. 33 do Substitutivo, que versa sobre a criminalização do decreto imotivado ou ilegal de sigilo nos autos. Alega o autor que o conjuntivo “ou” da redação legal acaba por permitir situações tais que, se o sigilo não tiver ostensiva previsão legal, ainda assim poderá ser decretado, bastando, para tanto, “motivação expressa”.
A Emenda nº 24-PLEN insere na redação do art. 36 o elemento normativo “sem justa causa”, para que se configure o crime de deixar de instaurar procedimento investigatório, diante da prática de infração penal ou administrativa.
A Emenda nº 25-PLEN propõe a supressão do art. 39 do Substitutivo, que criminaliza o pedido de vista de processo com intuito procrastinatório, ante a dificuldade de se provar a intenção do agente e de diferenciar a conduta do pedido de vista legítimo.
A Emenda nº 26-PLEN, do Senador Randolfe Rodrigues, de caráter substitutivo, é idêntica à Emenda nº 3-PLEN do mesmo Parlamentar.
A Emenda nº 27-CCJ, do Senador Ricardo Ferraço, é no sentido de suprimir o art. 31 do Substitutivo, que incrimina a persecução criminal como forma de abuso de autoridade, por ter redação vaga e imprecisa.
A Emenda nº 28-CCJ, do Senador Lasier Martins, inspirada na proposta apresentada pelo Procurador-Geral da República, reformula o art. 1º do Substitutivo, conferindo-lhe redação praticamente idêntica à do PLS nº 85, de 2017, para evitar o crime de hermenêutica.
As Emendas 29-CCJ a 34-CCJ foram apresentadas pelo Senador Romero Jucá.
A Emenda nº 29-CCJ altera os arts. 1º e 2º do PLS nº 280, de 2016. No art. 2º, prevê um rol mais amplo dos sujeitos ativos do crime do que o previsto na redação original do PLS. No art. 1º, por sua vez, insere os seguintes parágrafos:
§ 1º Não há crime quando o sujeito ativo pratica o fato em conformidade com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores ou do Tribunal de Segunda Instância ao qual estiver vinculado funcionalmente ou ao qual esteja submetido à jurisdição no caso concreto.
§ 2º Se o fato é praticado no estrito cumprimento de ordem não manifestamente ilegal, só é punível o autor da ordem.
A Emenda nº 30-CCJ altera a redação do art. 4º do PLS nº 280, de 2016, que versa sobre os efeitos da condenação, valendo destacar o seguinte parágrafo, que remete ao valor mínimo da indenização fixada na sentença penal condenatória:
§ 1º O valor a que se refere o inciso I do caput será debitado à conta da unidade orçamentária do órgão ao qual estava vinculada a autoridade autora ao tempo do crime, observado o disposto no art. 100 da Constituição da República.
A Emenda nº 31-CCJ é no sentido de incluir no projeto duas condutas, ambas punidas com reclusão, de dois a quatro anos, e multa: uma, relacionada com a divulgação de segredo de justiça; outra, para punir o retardamento na investigação ou a não instauração desse procedimento nos casos de violação de segredo de justiça.
A Emenda nº 32-CCJ propõe inserir no projeto dispositivo para incriminar a conduta de prorrogar a investigação sem justificativa, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado, cominando pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
A Emenda nº 33-CCJ é no sentido de alterar o art. 10 do Código de Processo Penal, estabelecendo prazos peremptórios para a conclusão dos inquéritos policiais e para o oferecimento da denúncia ou pedido de arquivamento do inquérito, sendo que o descumprimento injustificado desses prazos sujeita o responsável às sanções cominadas aos crimes de abuso de autoridade.
A Emenda nº 34-CCJ é idêntica à Emenda nº 31-CCJ.
As Emendas nº 35-CCJ a 39-CCJ foram apresentadas pelo Senador Ricardo Ferraço.
A Emenda nº 35-CCJ modifica o inciso II do art. 4º do Substitutivo, para prever, como efeito da condenação, “a perda do cargo, do mandato ou da função pública e a inabilitação para o exercício de função pública pelo período de um a cinco anos, no caso de reincidência em crime de abuso de autoridade”.
A Emenda nº 36-CCJ confere ao caput do art. 10 do Substitutivo a seguinte redação:
“Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado em desacordo com as normas processuais vigentes sobre a matéria.”
A Emenda nº 37-CCJ retira, da redação do caput art. 13 do Substitutivo, a expressão “ou redução de sua capacidade de resistência”, ao argumento de que se poderia, de alguma forma, implicar a nulidade da colaboração, conhecida como “delação premiada”.
A Emenda nº 38-CCJ propõe a supressão do art. 39 do Substitutivo, ao argumento de que a conduta nele descrita, consistente no peido de vista com intuito procrastinatório, já estaria contemplada no art. 319 do Código Penal, que descreve o crime prevaricação.
A Emenda nº 39-CCJ é no sentido de alterar o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, na forma do art. 43 do Substitutivo, para que a seguinte redação, ficando suprimida a expressão “ou com abuso de poder”, vista na parte final do dispositivo:
“Parágrafo único. Incide nas mesmas penas a autoridade judicial que determina a execução de conduta descrita no caput, com objetivo não autorizado em lei.”
As Emendas nº 40-CCJ a 43-CCJ são de autoria da Senadora Simone Tebet.
A Emenda nº 40-CCJ é no sentido de substituir, no art. 22, parte final, do Substitutivo, a conjunção aditiva “e” por “ou”, de modo que conste “sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei”, como forma de permitir que fiscais tributários tenham acesso aos livros contábeis dos estabelecimentos, para o cumprimento de seu dever legal, na forma da legislação tributária.
A Emenda nº 41-CCJ propõe nova redação para o art. 26 do Substitutivo, para deixar claro que o crime somente ocorre quando se faz uso da prova tendo conhecimento prévio da sua ilicitude. Com a redação proposta, fica claro que o agente deve ter conhecimento da ilicitude da prova no ato mesmo da sua utilização.
A Emenda nº 42-CCJ é no sentido de ressalvar, no art. 28 do Substitutivo, as investigações preliminares e as sindicâncias administrativas. Alega a autora que o Fisco recebe muitas denúncias contra contribuintes e que, em defesa do erário, somente pode descartá-las após fazer uma investigação preliminar. Observa também que a sindicância administrativa e as investigações preliminares no âmbito criminal, que antecedem respectivamente o processo administrativo e inquérito policial, são promovidas para uma averiguação prévia e sumária, sem a qual não há como saber se é o caso ou não de se instaurar o processo ou o inquérito.
Finalmente, a Emenda nº 43-CCJ reformula a redação do art. 33 do Substitutivo, para que o caput fique da seguinte forma:
“Art. 33. Negar ao interessado, seu defensor ou a qualquer advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvadas as peças relativas a diligências em curso ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
……………………………………………………”
A justificação consta o seguinte:
“Esta emenda atende ao alerta feito pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), no sentido de que o dispositivo deve ressalvar também as peças que indiquem a realização de diligências futuras, para que seus resultados não sejam frustrados.
Aproveito também para incorporar sugestões formuladas na audiência pública ocorrida no dia 04/04/2017. A primeira diz respeito à supressão da expressão “sem justa causa”, sugerida pela representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Drª Ana Cláudia Monteiro. Prevalecendo os princípios constitucionais da publicidade e da ampla defesa e do contraditório, a justa causa para negar acesso aos autos já está prevista no próprio tipo, qual seja, evitar a frustração de diligências em curso e futuras.
De sua parte, a Sra. Lucieni Pereira da Silva, Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, observou que nos processos levados a efeito nos tribunais de contas não exigem a presença de defensor ou advogado, podendo o próprio interessado promover sua defesa.
Por fim, o Dr. Fábio Tofic Simantob, Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, alertou que o acesso aos autos deve ser garantido a qualquer profissional da advocacia, que muitas vezes iniciam seu trabalho ainda sem estarem munidos de procuração formal, cuja juntada pode ser requerida posteriormente. Ademais, até terem certeza do objeto de futuro contrato de honorários, ou para conhecer a dificuldade que deverão enfrentar, deve-se garantir, também por essa razão, que os advogados tenham acesso a qualquer processo.
Aliás, de acordo com o art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), é direito do advogado ‘examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos’.”
Es emendas apresentadas pela Senadora Simone Tebet atendem parcialmente os pleitos da Unafisco.
I.3 – Do Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016
Tive a oportunidade de relatar o PLS nº 280, de 2016, antes da superveniente apresentação do PLS nº 85, de 2017.
Analisei a proposição, bem como as 21 Emendas que haviam sido até então apresentadas. Além disso, colhi sugestões de diversas categorias e colaboradores, especialmente as decorrentes das audiências públicas realizadas em 2016 no Plenário do Senado Federal, com a presença de magistrados da estatura do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes e do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro.
Ao cabo dessa análise, apresentei um texto substitutivo, que foi lido nesta Comissão e é do conhecimento de todos.
Não obstante a ampla publicidade que foi dada ao texto, vale lembrar que o Substitutivo continha dispositivo para afastar o chamado “crime de hermenêutica”. Com efeito, o parágrafo único do art. 1º estabelecia que
“Não constitui crime de abuso de autoridade o ato amparado em interpretação, precedente ou jurisprudência divergentes, bem assim o praticado de acordo com avaliação aceitável e razoável de fatos e circunstâncias determinantes, desde que, em qualquer caso, não contrarie a literalidade desta Lei.”
I.4 – Do PLS nº 85, de 2017
Por sua vez, o PLS nº 85, de 2017, também tipifica taxativamente os crimes de abuso de autoridade, tal qual o Substitutivo, estabelece ressalva para evitar o “crime de hermenêutica”.
Nesse sentido, prescreve que não configura abuso de autoridade (i) a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada; (ii) o exercício regular das funções, pelos “agentes políticos” a que se refere, assegurada a independência funcional; (iii) o cumprimento regular de dever do ofício.
O PLS nº 85, de 2017, relaciona como sujeito ativo do crime de abuso de autoridade os agentes listados no seu art. 2º, fazendo a separação entre agentes políticos e demais servidores, a teor do que consta no incido II do parágrafo único do art. 1º.
No que tange à legitimação, o projeto prevê que os crimes de abuso de autoridade são de ação pública incondicionada, admitida a ação penal privada subsidiária da pública nos termos do Código de Processo Penal.
O PLS nº 85, de 2017, estabelece, como efeito da condenação, (i) a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juízo criminal fixar o valor mínimo de reparação, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (ii) a perda do cargo, mandato ou função pública, desde decidida motivadamente na sentença, quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano; (iii) inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
No mais, em comparação com o Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016, o projeto do Senador Randolfe não prevê como crime as seguintes condutas:
a) decretar condução coercitiva sem prévia intimação para comparecimento voluntário (art. 10 do Substitutivo);
b) fotografar ou filmar preso sem seu consentimento (art. 14 do Substitutivo);
c) produzir provas por meios ilícitos (art. 26 do Substitutivo);
d) divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir (art. 29 do Substitutivo);
e) decretar indisponibilidade de bens em valor que extrapole exacerbadamente o dano (art. 38 do substitutivo);
f) requerer vista de processo com o intuito de procrastinar seu julgamento (art. 39 do substitutivo);
g) realizar interceptação telefônica ou escuta ambiental ilegal ou quebrar segredo de justiça (art. 42 do substitutivo);
Ademais o PLS nº 85, de 2016, só admite o crime de abuso de autoridade no caso de prisão quando há “intenção deliberada de constranger” o réu ou investigado (art. 9º do PLS).
Outra diferença consiste na previsão do crime de uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação (art. 35 do PLS nº 85, de 2017), figura que não está contemplada no PLS nº 280, de 2016.
Na justificação, o autor faz sucinta descrição do projeto, cabendo destacar o seguinte trecho:
“O anteprojeto não proíbe a divulgação da investigação, permitindo que o seu encarregado preste contas do que foi feito e porque o foi, como mecanismo de indispensável transparência. Contudo, na divulgação de uma investigação pública, quem a conduz não deve fazer acusações ou adiantar conclusões sobre a culpa do suspeito, porquanto o quebra-cabeças ainda não foi montado, não se sabe qual a imagem vai aparecer ao final e é grande o risco de se cometer injustiças e leviandades e causar prejuízos, não só ao indivíduo, mas também ao interesse público.
Por outro lado, o anteprojeto procurou evitar a tipificação da hermenêutica. Isso porque, não se confunde com abuso de autoridade a aplicação da lei pelo agente público e a avaliação de fatos e provas, no exercício de sua independência funcional, com as quais não se concorde ou não se conforme, desde que as faça de modo fundamentado.
A divergência na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e das provas deve ser resolvida com os recursos processuais cabíveis, não com a criminalização da hermenêutica ou com atentado às garantias constitucionais próprias dos agentes políticos, que são cláusulas pétreas e pilares do Estado Democrático de Direito.
Evitou-se engessar o juiz ou o membro do Ministério Público, desamarrando-o da necessidade de adotar interpretação de acordo com a jurisprudência atual, ainda que minoritária. Optou-se por manter a permissão para inovar. A capacidade de inovar é que evitou que ainda hoje estivéssemos aplicando os mesmos conceitos e soluções jurídicas do século XIX. As garantias e os direitos que foram reconhecidos pelos tribunais ao longo das últimas décadas, e que tiveram seu início em decisões inéditas, desbravadoras ou pioneiras de juízes de primeiro grau, não existiriam se lhes fosse castrada a possibilidade de inovar.
Também evitou-se colocar camisa de força na autoridade, obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de interpretação da lei. A interpretação gramatical é apenas um dos métodos internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou mais festejada. Ao seu lado temos, ainda, a interpretação lógica, a interpretação sistemática, a interpretação histórica, a interpretação sociológica, a interpretação teleológica e a interpretação axiológica. Ao lado da interpretação literal, temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às exceções à norma) e a interpretação extensiva.
Se houvéssemos adotado norma penal que punisse qualquer outra interpretação da lei que não a literal, a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei, modalidade de controle difuso, por exemplo, estaria vedada. Voltaríamos aos tempos em que juízes eram condenados por abuso de autoridade por recusarem-se a aplicar uma lei ofensiva à Constituição, com a desvantagem de não termos mais Rui Barbosa para defendê-los, como fizera outrora.”
O PLS nº 85, de 2017, segundo o próprio autor, reflete integralmente a proposta de projeto formulada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.
I.5 – Das audiências públicas e das sugestões recebidas
Além da audiência pública realizada em 2016, já mencionada linhas atrás, houve mais duas audiências, que foram realizadas nos dias 03 e 04 de abril deste ano, em que foram debatidos diversos pontos do Substitutivo, bem como foram oferecidas diversas sugestões de aperfeiçoamento do seu texto.
Registro também que recebi em meu gabinete notas técnicas com sugestões elaboradas pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Unafisco) e pelo Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil (Sindifisco).
II – ANÁLISE
II.1 – Dos aspectos formais
Não observo nas proposições quaisquer vícios de inconstitucionalidade ou de juridicidade, tampouco óbices de natureza regimental. Os projetos versam sobre direito penal, matéria cuja competência legislativa é atribuída à União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, sendo legítima, neste caso, a iniciativa parlamentar, consoante dispõe o art. 61 da Carta Política.
II.2 – Da oportunidade e da conveniência
Convém registrar que os projetos têm pertinência com um dos objetivos do II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO, qual seja, o de buscar o “aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combinadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana”, bem como com um dos compromissos a que estão obrigados os signatários do referido pacto, no sentido de “incrementar medidas tendentes a assegurar maior efetividade ao reconhecimento dos direitos”.
Esse Pacto Republicano, vale frisar, foi firmado pelos Chefes dos Poderes da União em 13 de abril de 2009. A matéria do PLS, portanto, não representa nenhuma novidade, até porque, como bem registra a justificação, suas disposições refletem a convergência alcançada após ricas discussões e debates no âmbito do Comitê Interinstitucional de Gestão do mencionado Pacto Republicano, composto por representantes de Poder, inclusive do Judiciário.
Ainda no que tange à oportunidade, registro que o texto do PLS nº 280, de 2016, é idêntico ao de um projeto de lei apresentado na Câmara dos Deputados em novembro de 2009 pelo Deputado Raul Jungman.
Essa evidência afasta por si só as equivocadas ilações de que se tem a intenção de obstruir investigações em curso. Do mesmo modo, também afasta a suspeita de que aquele projeto teria sido formulado como resposta à prisão de um banqueiro, porque esse fato ocorreu em julho de 2008, tendo o projeto sido apresentado na Câmara dos Deputados somente em novembro de 2009, muito tempo depois, portanto. Na verdade, e vale a pena repisar este ponto, aquele projeto decorreu naturalmente do II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO, que foi subscrito pelos Chefes dos Poderes da União em 13 de abril de 2009.
No que tange à conveniência, cabe observar que, substancialmente, tanto o PLS nº 280, de 2016, quanto o nº 85, de 2017, estabelecem taxativamente diversos tipos penais, sem falar nas figuras equiparadas, descrevendo precisamente cada uma das condutas incriminadas, o que representa nítida vantagem em relação à vaga e imprecisa definição prevista no art. 3º Lei nº 4.898, de 1965.
Sob esse aspecto, então, os projetos conferem certeza e segurança jurídica ao sistema legal penal, o que não se verifica no texto da lei vigente.
Com efeito, o art. 3º da Lei nº 4.898, de 1965, estabelece que constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Fica evidente que, por apresentar um rol exemplificativo, sem descrição precisa de condutas, o art. 3º dessa Lei não define crimes, posto que evidente e indiscutível o desatendimento ao princípio da legalidade em matéria penal. Apenas no art. 4º, a Lei nº 4.898, de 1965, define crimes, mas o faz somente em relação a nove condutas.
Da minha perspectiva, então, os projetos são convenientes, porque ampliam as espécies de crime de abuso de autoridade, para alcançar condutas francamente reprováveis, mas que não estão tipificadas no ordenamento jurídico.
II.3 – Do conceito de abuso de autoridade
Como bem descreve a justificação do PLS nº 85, de 2017,
“Ocorre abuso de autoridade quando o agente público exerce o poder que lhe foi conferido com excesso de poder (o agente atua além de sua competência legal) ou com desvio de finalidade (atua com o objetivo distinto daquele para o qual foi conferido). É sempre ato doloso, portanto.”
Veja-se, então, que, na linha do que entende o Procurador-Geral da República, o abuso de autoridade tem relação com utilização excessiva do poder e com o desvio de finalidade.
Sem prejuízo do conceito trazido por essa douta e autorizada fonte, busquei também na jurisprudência o conceito para o abuso de autoridade, cabendo transcrever, quanto a isso, os seguintes excertos:
“O elemento subjetivo exigido pelo tipo penal previsto para o crime de abuso de autoridade é o dolo consistente na vontade de abusar do poder que detém em nome do Estado, agindo de maneira a exceder os poderes que lhe foram conferidos pela legislação.” (TJDFT, 3ª Turma Criminal, Apelação Criminal 20111010016982 DF 0001673-46.2011.8.07.0010, Rel. Des. Nilsoni de Freitas, DJ 14/05/2015).
“… nos crimes de abuso de autoridade, o dolo do tipo deve ser apreciado com cuidado, merecendo punição somente as hipóteses em que se constata que o agente agiu com o propósito de vingança, perseguição ou capricho e não no interesse da defesa social.” (TRF-4ª Região, Quarta Seção, Exceção da Verdade 37269 PR 2002.04.01.037269-3, Rel. Des. Fábio Bittencourt da Rosa, DJ 05/03/2003).
Também me socorri de ensinamentos doutrinários:
“O elemento subjetivo é o dolo. Não há abuso de autoridade culposo. É necessário observar ainda que não basta o dolo de praticar a conduta típica de abuso, sendo necessário ainda a finalidade específica de abusar, ou seja, o propósito deliberado de agir abusivamente, o que nos chamamos de elemento subjetivo do injusto penal.
Em outras palavras, o dolo deve incluir também a consciência da autoridade de que esteja praticando o abuso.
Daí que, se a autoridade, na justa intenção de cumprir seu dever e proteger o interesse público, acaba se excedendo, haverá ilegalidade do ato da autoridade, mas não haverá crime de abuso de autoridade, em face da ausência da intenção específica de abusar.
Atente-se que é muito tênue a linha que divide a discricionariedade da arbitrariedade e não se tem como configurar se a conduta configura ou não abuso de autoridade. Se a autoridade agiu com a intenção específica de abusar, é abuso; se não agiu, não resta configurado o crime.”
Em resumo, o abuso de autoridade ocorre quando o agente extrapola os limites do poder que detém em nome do Estado, para prejudicar outrem, para beneficiar a si próprio ou terceiro, ou até mesmo por mera satisfação pessoal.
II.4 – Da necessidade de evitar o “crime de hermenêutica”
Em face do conceito de abuso de autoridade, tratado no item precedente, é óbvio que o mero uso equivocado do poder não configura o tipo penal. É preciso que esteja presente o elemento subjetivo, consistente no dolo específico de prejudicar, beneficiar ou satisfazer-se.
Daí a necessidade de fazer constar da lei dispositivo que resguarde os agentes públicos contra uma possível criminalização da divergência de interpretação.
II.4.1 – Do parágrafo único do art. 1º do Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016
Evitar o crime de hermenêutica foi a minha primeira preocupação após a apresentação do PLS nº 280, de 2016.
Tomando-se o exemplo da decretação de prisão fora das hipóteses legais (art. 9º do PLS nº 280, de 2016), haveria, no limite, um crime consumado para cada habeas corpus concedido, de modo restaria punido o juiz apenas porque o tribunal entendeu não estarem reunidos os pressupostos para a prisão anteriormente decretada.
Ocorre que o que se quer é punir o abuso e não o erro.
Foi com essa preocupação que formulei a redação do parágrafo único do art. 1º do Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016:
“Não constitui crime de abuso de autoridade o ato amparado em interpretação, precedente ou jurisprudência divergentes, bem assim o praticado de acordo com avaliação aceitável e razoável de fatos e circunstâncias determinantes, desde que, em qualquer caso, não contrarie a literalidade desta Lei”
Vejam bem: DESTA LEI. E Lei com letra maiúscula, para que ficasse claro que não se referia ao conjunto das leis brasileiras, inclusive seus regulamentos. Não está escrito “literalidade da lei”, mas DESTA Lei.
E ao remeter à literalidade da própria lei de abuso de autoridade, tomei o cuidado de inserir nos diversos tipos elementos normativos como “manifestamente descabido” ou “sem justa causa”, expressões que representam verdadeira salvaguarda para a autoridade. Procurei, com isso, evitar a punição das condutas que gravitam em torno do tênue limite da legalidade, para criminalizar apenas aquelas que escancaradamente sejam ilegais.
Infelizmente, talvez contaminados por notícias equivocadas, a maioria dos ilustres convidados a participar das audiências públicas, não compreenderam ou não fizeram a correta interpretação do dispositivo.
Até mesmo o douto Procurador-Geral da República fez constar da justificação da sua proposta de projeto um desagravo ao que seria uma imposição de interpretação literal do direito brasileiro. Então eu pergunto: onde está dito que o juiz está obrigado a se limitar à interpretação literal?
Tivesse o chefe do Parquet Federal interpretado corretamente o dispositivo, teria se poupado de inserir, na justificação, as desnecessárias lições sobre as modalidades de interpretação.
II.4.2 – Do parágrafo único do art. 1º do PLS nº 85, de 2017
Para evitar o crime de hermenêutica, o PLS nº 85, de 2017, propõe a seguinte redação no parágrafo único do seu art. 1º:
“Parágrafo único. Não configura abuso de autoridade:
I – a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada;
II – o exercício regular das funções, pelos agentes políticos referidos nos incisos I a V do art. 2º, assegurada a independência funcional;
III – o cumprimento regular de dever do ofício.”
Analiso primeiramente o inciso I. A expressão “desde que fundamentada” não nos parece bem colocada. Como está redigido, o dispositivo permite que uma autoridade deliberadamente cometa o abuso de autoridade, bastando, para escapar da tipicidade, apenas fundamentar seu ato. Vale dizer, esse dispositivo acaba por permitir que as autoridades pratiquem crimes de abuso quando bem quiserem, sem qualquer punição, desde que fundamentem suas decisões.
O inciso II, por sua vez, parece-me inconsistente. Ele ressalva o exercício regular das funções pelos “agentes políticos” elencados nos incisos I a V do art. 2º, deixando de fora os servidores apontados no inciso VI. É de se perguntar então: no exercício regular de suas funções apenas os “agentes políticos” não cometem abuso de autoridade? E no caso dos servidores? Poderiam eles sofrer punição ainda que no exercício regular das suas funções?
No mais, tanto esse inciso II quanto o inciso III são dispensáveis ante o que dispõe o art. 23 do Código Penal, sabidamente aplicável às leis penais extravagantes:
“Exclusão de ilicitude
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
………………………………………………………..
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
Por essas razões, tenho dificuldade em acatar a redação proposta no parágrafo único do art. 1º do PLS nº 85, de 2017.
II.4.3 – Da redação proposta nesta oportunidade pelo Relator
Como relatei nos itens precedentes, a fórmula prevista no Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016, não foi compreendida, o que indica que sua redação deve ser alterada, ao passo que a disposta no PLS nº 85, de 2017, vai no sentido contrário ao espírito da própria lei, que é o de inibir o cometimento do abuso de autoridade.
Diante dessa realidade, formulei no novo substitutivo, que nesta oportunidade apresento, a seguinte redação, inspirada principalmente na primeira parte do inciso I do parágrafo único do art. 1º do PLS nº 85, de 2017:
“§ 1º As condutas descritas nesta lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal.
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade.”
É relevante destacar que, consultado por este Relator, o Juiz Sérgio Moro aquiesceu com a redação ora proposta.
Penso que esta fórmula evita o chamado crime de hermenêutica, porque para a configuração do abuso de autoridade, no caso, não basta a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, sendo necessário que esteja presente o elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo de prejudicar, beneficiar ou satisfazer-se pessoalmente.
Espero, com isso, colocar um ponto final nesse debate, afastando de uma vez por todas as injustas ilações de que se tinha a intenção de punir magistrados e promotores.
II.5 – Dos sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade
No que tange ao sujeito ativo do crime, o PLS nº 85, de 2017, traz conceito da doutrina para distinguir “agentes políticos” dos “servidores comuns”. Não me parece razoável inserir na lei essa dicotomia, como se um grupo fosse formado por nobres e o outro por plebeus.
E essa distinção fica evidente no inciso II do parágrafo único do art. 1º, em que o PLS nº 85, de 2017, estabelece ressalva para o exercício regular das funções apenas para os “agentes políticos”, introduzindo, desse modo, um privilégio inaceitável. E o que é pior: privilégio em caso de aplicação de lei penal incriminadora, o que chega a ser abominável.
Enfim, trata-se de uma segregação descabida, até porque todos os agentes públicos, no caso de abuso de autoridade, devem responder igualmente pelas condutas praticadas, e não pela estatura ou relevância do seu cargo ou da carreira que integram. Pouco importa se o agente é Senador, magistrado ou soldado.
Portanto, neste ponto, mantenho a redação prevista no Substitutivo ao PLS nº 280, de 2017, que foi inspirada na Lei de Improbidade Administrativa, e que, vale notar, não sofreu nenhuma crítica durante os debates havidos nas sucessivas audiências públicas.
II.6 – Da inexistência de incompatibilidade com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional
Durante as audiências públicas, chegou-se a alegar que alguns os crimes tipificados no Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016, que tinham o magistrado como agente, implicaria incompatibilidade com as disposições da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).
Os que se posicionaram nesse sentido sustentaram que haveria conflito com o art. 41 da LOMAN, que estabelece que, “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.
Entretanto, não há que se cogitar de conflito nenhum.
Somente a estapafúrdia interpretação no sentido de que os magistrados estariam autorizados a praticar condutas abusivas ao amparo da LOMAN levaria ao vislumbre do conflito entre as leis, que efetivamente não existe.
Ora, não há como se interpretar que a LOMAN pudesse dar guarida ao cometimento de abuso de poder por parte de magistrados, até porque nenhuma lei tolera abuso de poder. O direito brasileiro não tolera o abuso de poder.
Todos os que exercem poder em nome do Estado devem fazê-lo dentro da legalidade. Se, no exercício desse poder se excedem e cometem crime de abuso, devem ser punidos, inclusive os magistrados.
As disposições da LOMAN e da futura Lei de Abuso de Autoridade terão coexistência harmônica: o magistrado não será punido pelas suas decisões, mas responderá caso cometa crime de abuso de autoridade, como qualquer outro agente público que pratique uma conduta típica.
II.7 – Da ação penal
Relativamente ao procedimento, não vislumbro vantagem em estabelecer, como faz o PLS nº 280, de 2016, que a ação penal para o processo dos crimes de abuso de autoridade seja condicionada a representação ou a requisição do Ministro da Justiça. A propósito, vale notar que a “representação” a que alude a vigente Lei de Abuso de Autoridade não é condição de procedibilidade, mas mera comunicação ou notitia criminis. Trata-se, simplesmente, de o ofendido reportar o ocorrido com vistas à apuração do fato.
Nesse sentido, ensina Daniel Ferreira de Lira,
“os crimes de abuso de autoridade são de ação penal pública incondicionada. A representação mencionada no art. 12 não é aquela condição de procedibilidade do Código de Processo Penal, e sim apenas o direito de petição contra o abuso de poder previsto no art. 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição”.
Portanto, no sistema da lei em vigor, a ação é pública incondicionada. A “representação” a que alude a Lei nº 4.898, de 1965, somente no nome se assemelha à representação prevista no Código de Processo Penal, assim considerada na acepção jurídica do termo.
Como se sabe, a representação deve servir para evitar a segunda vitimização do ofendido, como, por exemplo, no crime de perigo de contágio venéreo (art. 130 do CP). Exigir a representação como condição de procedibilidade para o processo dos crimes de abuso de autoridade, além de ser um despropósito, pode fazer com que muitos delitos dessa natureza deixem de ser processados.
Em vista disso, convém estabelecer que a ação, no caso, será pública incondicionada. Esse entendimento, aliás, acolhe sugestão contida na Nota Técnica PGR/SRI Nº 086/2016, da Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República.
Nesse sentido, tanto o PLS nº 85, de 2017, bem assim o Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016, preveem que os crimes de abuso de autoridade sejam processados mediante ação penal pública incondicionada.
Não obstante, sensibilizou-me a sugestão formulada pelo Dr. Fábio Tofic Simantob, Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, durante a audiência pública havida no dia 04/04/2017, no sentido de possibilitar a legitimação concorrente do ofendido, como forma de dar maior efetividade à lei.
Com efeito, a legitimação do ofendido em concurso com a do Ministério Público labora no sentido da concretude das normas penais incriminadoras dispostas nesse projeto, justificando-se tal medida em razão das reduzidas penas nelas previstas, o que implica também prazo prescricional mais curto.
II.8 – Dos efeitos da condenação
Dois dos efeitos da condenação são comuns ao Substitutivo e ao PLS nº 85, de 2017:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
II – a perda do cargo, do mandato ou da função pública.
A diferença aparece na forma de aplicação da perda do cargo, mandato ou função pública. Enquanto o PLS nº 85, de 2017, prevê que essa sanção deverá ser decidida motivadamente na sentença, quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, o Substitutivo prescreve que a perda do cargo, do mandato ou da função somente ocorrerá em caso de reincidência em crime de abuso de autoridade e deverá ser declarada, motivadamente, na sentença, independentemente da pena aplicada.
Ou seja, os dois textos exigem a expressa motivação na sentença. A diferença é que o Substitutivo exige, além disso, a reincidência específica, enquanto o PLS nº 85, de 2017, exige, também além da expressa motivação, que a pena privativa de liberdade seja de, no mínimo, um ano.
A meu sentir, a proposta do PLS nº 85, de 2017, é mais rigorosa, tendo em conta que as penas que o próprio projeto estabelece têm limite superior majoritariamente igual ou superior a dois anos de privação da liberdade. Com efeito, dos 26 crimes definidos nesse projeto, apenas cinco têm pena máxima inferior a dois anos de detenção.
Diante disso, penso que a fórmula proposta pelo PLS nº 85, de 2017, pode resultar em punição demasiadamente severa, sendo preferível que a perda do cargo, mandato ou função pública somente seja possível no caso de reincidência específica, devendo, de qualquer modo, ser declarada motivadamente na sentença. Obviamente, sendo de pouca severidade a pena aplicada por ocasião da reincidência, o sentenciante, tendo em conta o princípio da razoabilidade, não declarará a perda do cargo, mandato ou função pública.
Por essa razão, mantenho, neste ponto, a redação do Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016.
Outra diferença entre as proposições é que o PLS nº 85, de 2017, prevê nova modalidade de efeito da condenação, consistente na inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos, proposta que acolho no novo substitutivo, que nesta oportunidade apresentamos, mas que também submetemos à exigência de ser declarada motivadamente na sentença, sendo aplicável apenas no caso de reincidência específica.
Ainda em relação aos efeitos da sentença, o PLS nº 85, de 2017, estabelece que, para a fixação do valor mínimo de indenização, o juiz observará o contraditório e a ampla defesa, bem como a existência de prévio requerimento a respeito. Em relação a essa disposição, considero válida a previsão de requerimento de fixação do valor mínimo de indenização, sendo dispensável frisar que essa somente se dará com observância da defesa e do contraditório.
Sendo o crime processado mediante ação penal pública, a despeito da legitimidade concorrente que se propõe no substitutivo apresentado nesta oportunidade, o ofendido pode preferir buscar a indenização diretamente no juízo cível, dispensando o pronunciamento do juiz do crime quanto ao valor mínimo da indenização.
No mais, dispensável falar, neste ponto, sobre a óbvia necessidade de observância do direito de ampla defesa e do contraditório, até porque inerentes a qualquer processo judicial ou administrativo.
II.9 – Dispositivos do texto original do PLS nº 280, de 2016, que foram suprimidos
Reproduzindo o que já consta do relatório anterior, destaco que, em relação ao formato do original do PLS nº 280, de 2016, suprimi os dispositivos relacionados à quebra de sigilo bancário e fiscal, à omissão de socorro, ao excesso de exação e ao favorecimento real porque já suficientemente regulados na legislação vigente, na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e no Código Penal, arts. 135, 316, 325 e 349.
Suprimi também o tipo relacionado com a coação de preso para obtenção de favor ou vantagem sexual. Apesar de sua semelhança com o crime de assédio sexual, previsto no art. 216-A do Código Penal, fomos alertados pelo Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República no sentido de que, devido à hipossuficiência do preso, tal conduta configura mesmo o crime de estupro, ainda que na modalidade tentada.
Com relação ao dispositivo relativo interceptação telefônica ilegal, considero mais conveniente promover a modificação diretamente no art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que, aliás, comina pena bem mais severa do que a pretendida no PLS.
Após a realização da audiência pública havida em 04/04/2017, fiquei convencido da necessidade de suprimir também o art. 23 do PLS nº 280, de 2016, que havia sido mantido no Substitutivo, tendo em vista que o crime de tortura está suficientemente delineado e reprovado nos termos da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997.
II.10 – Análise das Emendas
Com relação Emenda nº 01-CECR, considero procedentes as alterações relativas aos arts. 4º, 21 e 22 do PLS.
Aproveito, do mesmo modo, a modificação proposta pela Emenda nº 02-CECR, que aperfeiçoa a redação do tipo descrito no art. 36 do projeto.
Com relação à Emenda nº 03-PLEN, de caráter substitutivo, observo que praticamente todas as suas disposições estão contempladas, com ajustes, no Substitutivo que apresentamos, cabendo destacar o parágrafo único do art. 6º, o § 2º do art. 25, o art. 26, o art. 34 e o caput do art. 37.
No que tange às Emendas nº 04, 06, 07 e 12-PLEN, no sentido de evitar o crime de hermenêutica, observo já estão contempladas no Substitutivo que apresento nesta oportunidade.
Rejeito as Emendas nº 05 e 08-PLEN, até porque, com a inclusão do parágrafo único no art. 1º, fizemos a ressalva para evitar a criminalização da divergência de interpretação.
Rejeito as Emendas nº 09 e 10-PLEN, porque as condutas que pretendem suprimir configuram evidentes abuso de autoridade, não se podendo confundi-las com crime de hermenêutica, aliás já ressalvado nos termos do parágrafo único do art 1º do Substitutivo.
Rejeito também a Emenda nº 11-PLEN, porque, na prática, subtrai a competência de iniciativa legislativa dos membros do Parlamento em matéria penal, o que configura evidente ofensa à Constituição Federal.
Acolho as Emendas nº 13 e 14-PLEN, que estão contempladas no Substitutivo que apresentamos.
Rejeito as Emendas nº 15, 16 e 17-PLEN. Essas se fundam no argumento de que a redação do Substitutivo contém expressões demasiadamente subjetivas. Observo, todavia, que as próprias emendas também trazem expressões carregadas de subjetivismo. Afinal o que se entende por “justa causa” ou “injustificadamente”? Não seriam essas expressões passíveis de interpretação? Aliás, não é com base na ausência de “justa causa” que muitos habeas corpus são concedidos para trancamento de ação penal em curso, a despeito de o juiz de primeiro grau ter vislumbrado a existência desse requisito?
De outra parte admitimos que expressões como “razoável” trazem certo grau de subjetividade ao texto legal, mas é bom que assim seja, pois de outro modo poderíamos prescindir mesmo da atividade jurisdicional. Onde não cabe interpretação, até as máquinas podem sentenciar.
Registro, ademais, que todo nosso ordenamento jurídico, inclusive o sistema penal, é orientado pelo princípio da razoabilidade, conceito que está na base do senso comum teórico do jurista e que, por isso mesmo, não lhe é estranho, tampouco lhe causa dificuldade a interpretação de textos legais expressamente orientados segundo esse princípio.
E o mais importante: esses elementos normativos constam da descrição dos tipos penais para evitar a punição de condutas praticadas em uma “zona cinzenta”, na região limítrofe da legalidade, para que sejam punidas apenas as condutas manifestamente ilegais. Ou seja, aquelas em que a situação de desconformidade com a lei seja mesmo escancarada, que fique evidente aos olhos de qualquer um.
Acolho a Emenda 18-PLEN, que suprime o tipo relativo à falta de comunicação ao preso sobre os direitos de ficar em silêncio e de ser assistido juridicamente. Tendo em conta que ninguém pode ser processado e julgado sem defesa técnica, entendo que essa irregularidade não tem relevância penal, nem grave repercussão no destino do indiciado ou acusado.
Rejeito as Emendas nº 19 e 21-PLEN, porque, do nosso ponto de vista os arts. 16 e 45 do Substitutivo definem condutas que claramente caracterizam abuso de poder por parte da autoridade pública.
Se o preso tem o direito legal de ser informado sobre seu silencio, sobre a possibilidade de assistência judiciária e, ainda, da identificação do agente que executou a prisão, parece-nos fora de dúvida que a falta dolosa de qualquer dessas informações caracteriza o abuso de autoridade.
Rejeito também a Emenda nº 20. Observamos que a divergência de interpretação e de avaliação de atos já está ressalvada no parágrafo único do art. 1º, de modo que não procede a preocupação, neste ponto, do autor da referida emenda. Ademais, parece-me óbvio que o tipo penal alude à utilização de prova sabidamente ilícita, o que constitui, inequivocamente, abuso de autoridade.
Tenho por prejudicada a Emenda nº 22-PLEN, tendo em conta que o novo substitutivo, apresentado nesta oportunidade, não aproveita o art. 23 do Substitutivo anterior, sobre o qual incide a modificação sugerida pela emenda.
Acolho a Emenda nº 23-PLEN, no sentido de suprimir o parágrafo único do art. 33 do Substitutivo, que versa sobre a criminalização do decreto imotivado ou ilegal de sigilo nos autos. Com efeito, a mera decretação de sigilo não é dotada de potencial ofensivo, que somente se verifica quando é denegado o acesso aos autos.
A Emenda nº 24-PLEN, que insere na redação do art. 36 o elemento normativo “sem justa causa”, para que se configure o crime de deixar de instaurar procedimento investigatório, diante da prática de infração penal ou administrativa, é meritória. Entretanto, observo que a conduta descrita no dispositivo configura o crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal, que se perfaz com a presença do dolo genérico, não sendo exigido, como no crime de abuso de autoridade, o dolo específico. Em vista disso, o novo substitutivo não aproveita o art. 36 do Substitutivo anterior, restando, por isso, prejudicada a Emenda nº 24-PLEN.
A Emenda nº 25-PLEN propõe a supressão do art. 39 do Substitutivo, que criminaliza o pedido de vista de processo com intuito procrastinatório, ante a dificuldade de se provar a intenção do agente e de diferenciar a conduta do pedido de vista legítimo. Considero procedentes os argumentos do autor da emenda. Observo, ademais, que o simples pedido de vista não tem potencial ofensivo suficiente para a criminalização da conduta. O que configura abuso de autoridade, no caso, é a demora na análise do processo sob vista. Em virtude disso, reformulei a redação desse tipo penal, que passa a punir a conduta de “demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento”. Desse modo, temos por prejudicada a Emenda nº 25-PLEN.
A Emenda nº 26-PLEN, do Senador Randolfe Rodrigues, de caráter substitutivo, é idêntica à Emenda nº 3-PLEN do mesmo Parlamentar, já analisada anteriormente.
Rejeito a Emenda nº 27-CCJ, do Senador Ricardo Ferraço, que pretende suprimir o art. 31 do Substitutivo, relativo à tipificação da persecução criminal como forma de abuso de autoridade. Contudo, para evitar uma tipificação aberta, com redundância, aprimorei o dispositivo, adotando integralmente a redação do PLS nº 85, de 2017, que reflete a proposta do Procurador-Geral da República, de modo que o tipo passa a ter a seguinte descrição: “dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada ou contra quem o sabe inocente”.
Rejeito, pelos motivos expostos no item II.4.2 deste relatório, a Emenda nº 28-CCJ, do Senador Lasier Martins, que reproduz a do PLS nº 85, de 2017, relativa ao afastamento do crime de hermenêutica.
Rejeito a Emenda nº 29-CCJ, por considerar que a redação dos arts. 1º e 2º, tanto do Substitutivo anterior como do novo substitutivo, são mais adequadas e eficazes do que a sugerida pela emenda.
Rejeito a Emenda nº 30-CCJ, porque no caso de abuso de autoridade a indenização é devida pelo agente, sendo que eventual responsabilidade objetiva do Estado é matéria que deve ser discutida na esfera cível.
Rejeito as Emendas nos 31 e 34-CCJ, posto que os tipos nelas propostos já estão contemplados na legislação vigente, na forma de violação de sigilo funcional e prevaricação, respectivamente arts. 325 e 319 do Código Penal.
Tenho por prejudicada a Emenda nº 32-CCJ, que incidia sobre o texto original do PLS nº 280, de 2016, enquanto o Substitutivo, no parágrafo único do art. 32, já incluía a conduta proposta pela emenda.
Rejeito a Emenda nº 33-CCJ, por entender que as modificações propostas são estranhas ao objeto das proposições ora analisadas. Além disso, é ineficaz a mera menção de que o descumprimento injustificado dos prazos do inquérito sujeita o responsável às sanções cominadas aos crimes de abuso de autoridade. Com efeito, o princípio da legalidade em matéria penal exige que a conduta praticada coincida com a descrita na norma penal incriminadora.
A Emenda nº 35-CCJ modifica o inciso II do art. 4º do Substitutivo, para prever, como efeito da condenação, “a perda do cargo, do mandato ou da função pública e a inabilitação para o exercício de função pública pelo período de um a cinco anos, no caso de reincidência em crime de abuso de autoridade”.
Rejeito a Emenda nº 36-CCJ, por considerar preferível a redação do caput do art. 10, na forma como consta do Substitutivo.
Rejeito a Emenda nº 37-CCJ, por não vislumbrar os reflexos imaginados sobre o instituto da colaboração em razão de o caput art. 13 do Substitutivo conter a expressão “ou redução de sua capacidade de resistência”.
Rejeito a Emenda nº 38-CCJ, que propõe a supressão do art. 39 do Substitutivo, ao argumento de que a conduta nele descrita, consistente no peido de vista com intuito procrastinatório, já estaria contemplada no art. 319 do Código Penal, que descreve o crime prevaricação. É que a prevaricação relaciona-se com a não adoção ou retardamento de ato de ofício, categoria na qual não se inclui o pedido de vista. De todo modo, esse dispositivo terá sua redação reformulada, consoante antecipei ao analisar a Emenda nº 25-PLEN.
Acolho a Emenda nº 39-CCJ para suprimir a expressão “ou com abuso de poder”, vista na parte final do parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.296, de 1996, na forma do art. 43 do Substitutivo.
Acolho, por fim, as Emendas nº 40-CCJ a 43-CCJ, de autoria da Senadora Simone Tebet, porque definitivamente aprimoram o texto da proposição e, entre outros pontos positivos, promovem ressalvas imprescindíveis para a atuação dos fiscais tributários.
II.11 – Da alteração de outros dispositivos do Substitutivo anteriormente apresentado
Além das modificações mencionadas nos itens precedentes, reformulei a redação de alguns tipos penais, em decorrência do que ouvi durante a audiência pública do dia 04/04/2017. As alterações promovidas no novo substitutivo, em relação ao Substitutivo anterior, são as seguintes (a numeração dos dispositivos remete ao Substitutivo anterior):
a) no art. 14, inseri a especial finalidade a que se destina a conduta delituosa, de modo que a fotografia ou filmagem do preso, acusado ou vítima será punida se houver o intuito de exposição ao vexame;
b) no art. 20, fiz modificação para que seja garantida a entrevista do preso com seu advogado de forma pessoal e reservada;
c) suprimi o art. 23 do PLS nº 280, de 2016, que havia sido mantido no Substitutivo, tendo em vista que o crime de tortura está suficientemente delineado e reprovado nos termos da Lei nº 9.455, de 1997;
d) no art. 28, inseri parágrafo único para ressalvar que não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada;
e) no art. 31, adotei integralmente a redação sugerida no caput do art. 26 do PLS nº 85, de 2017; além disso, modifiquei a pena, de reclusão de um a cinco anos para de detenção de um a quatro anos, além de multa, para guardar proporcionalidade com os demais tipos definidos no projeto;
f) suprimi o art. 36, por entender que a conduta descrita no dispositivo configura o crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal, que se perfaz com a presença do dolo genérico, não sendo exigido, como no crime de abuso de autoridade, o dolo específico;
g) no art. 37, inseri a expressão “sem justa causa”, para bem caracterizar a conduta delituosa de impedir ou dificultar a reunião pacífica de pessoas;
h) no art. 38, reformulei a descrição do tipo, para que o crime se concretize apenas se o juiz se negar, após requerimento da parte, a corrigir a medida de constrição que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida;
i) no art. 39, reformulei a descrição da conduta, para incriminar não o mero pedido de vista, mas a demora injustificada no exame do processo de que se pediu vista.
III – VOTO
Embora o PLS nº 280, de 2016, seja anterior ao PLS nº 85, de 2017, tendo, por esse motivo precedência, nos termos do art. 260, II, b, do Regimento Interno, esta proposição oferece um texto mais adequado para o tratamento da matéria, aproximando-se muito do Substitutivo ao PLS nº 280, de 2016, que apresentei anteriormente.
Em face do exposto, o voto é pela aprovação do Projeto de Lei do Senado nº 85, de 2017, na forma da emenda substitutiva que apresento a seguir, restando prejudicados o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, bem como as emendas a ele apresentadas:
EMENDA Nº -CCJ (SUBSTITUTIVO)
(PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 85, DE 2017)
Define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art.1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal.
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade.
CAPÍTULO II
Dos Sujeitos do Crime
Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II – membros do Poder Legislativo;
III – membros do Poder Judiciário;
IV – membros do Ministério Público;
V – membros dos tribunais ou conselhos contas.
Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no caput.
CAPÍTULO III
Da Ação Penal
Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se a legitimidade concorrente do ofendido para a promoção da ação penal privada.
CAPÍTULO IV
Dos Efeitos da Condenação e das Penas Restritivas de Direitos
Seção I
Dos Efeitos da Condenação
Art. 4º São efeitos da condenação:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;
II – a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
III – a perda do cargo, do mandato ou da função pública, no caso de reincidência em crime de abuso de autoridade.
Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III deverão ser declarados motivadamente na sentença, exigindo-se, em ambos os casos, a reincidência em crime de abuso de autoridade.
Seção II
Das Penas Restritivas de Direito
Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:
I – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II – suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com perda dos vencimentos e das vantagens;
III – proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município em que houver sido praticado o crime e naquele em que residir e trabalhar a vítima, pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. As penas restritivas de direito podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
CAPÍTULO V
Das Sanções de Natureza Civil e Administrativa
Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa porventura cabíveis.
Parágrafo único. As notícias de crime previsto nesta lei, se descreverem eventual falta funcional, serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.
Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja seu autor, quando estas questões tenham sido decididas no juízo criminal.
Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
CAPÍTULO VI
Dos Crimes e das Penas
Art. 9º Decretar prisão preventiva, busca e apreensão de menor ou outra medida de privação da liberdade, em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;
III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.
Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo.
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 11. Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo.
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I – deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;
II – deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ele indicada;
III – deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;
IV – prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido, ou de promover a soltura do preso, quando esgotado o prazo judicial ou legal.
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Art. 14. Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar filme ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou à execração pública.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não haverá crime se o intuito da fotografia ou filmagem for o de produzir prova em investigação criminal ou processo penal ou o de documentar as condições do estabelecimento penal.
Art. 15. Constrange a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo.
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem prossegue com o interrogatório de quem decidiu exercer o direito ao silêncio ou o de quem optou por ser assistido por advogado ou defensor público, sem a presença do seu patrono;
Art. 16. Deixar de identificar-se ao preso, por ocasião de sua captura, ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão, assim como identificar-se falsamente:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas quem:
I – como responsável por interrogatório, em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso;
II – atribui a si mesmo, sob as mesmas circunstâncias do inciso anterior, falsa identidade, cargo ou função.
Art. 17. Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou ao de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de terceiro:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aplicada em dobro se:
I – o internado tem menos de dezoito anos de idade;
II – a presa, internada ou apreendida estiver visivelmente grávida, ou cuja gravidez tenha sido informada no momento da prisão ou apreensão;
III – o fato ocorrer em penitenciária.
Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.
Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso dos interrogatórios ou no caso de audiência realizada por videoconferência.
Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina, astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, o imóvel alheio ou suas dependências, assim como nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem, na forma prevista no caput:
I – coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;
II – executa mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou suas dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame;
III – cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21 horas ou antes das 5 horas.
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.
Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem pratica a conduta com o intuito de:
I – eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;
II – omitir dados ou informações, assim como com o de divulgar dados ou informações incompletas, para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.
Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, o funcionário ou empregado de instituição hospitalar, pública ou particular, a admitir para tratamento pessoa cujo óbito tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração;
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incide quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, tendo prévio conhecimento de sua ilicitude.
Art. 26. Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-lo em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado, prorrogado ou diferido.
Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa.
Pena – detenção, detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.
Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo honra ou a imagem do investigado ou acusado:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem, com igual finalidade, omite dado ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso.
Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada ou contra quem o sabe inocente:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão do procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.
Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvadas as peças relativas a diligências em curso ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.
Art. 34. Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa.
Art. 35. Coibir, dificultar ou, por qualquer meio, impedir, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Art. 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte, deixando de corrigi-lo ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 37. Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
CAPÍTULO VII
Do Procedimento
Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
CAPÍTULO VIII
Das Disposições Finais
Art. 40. O art. 2º da Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, passa a viger com a seguinte redação:
“Art. 2º ………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………….
§ 4º-A. O mandado de prisão conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária estabelecido no art. 2º, bem como o dia em que o preso deverá ser libertado.
…………………………………………………………………………………
§ 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.
§ 8º Para o cômputo do prazo de prisão temporária, inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão”. (NR)
Art. 41. O art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide nas mesmas penas a autoridade judicial que determina a execução de conduta descrita no caput, com objetivo não autorizado em lei.” (NR)
Art. 42. A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 244-C:
“Art. 244-C. Para os crimes previstos nesta Lei, praticados por servidores públicos com abuso de autoridade, o efeito da condenação previsto no artigo 92, inciso I, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), somente incidirá em caso de reincidência.
Parágrafo único. A perda do cargo, do mandato ou da função, nesse caso, independerá da pena aplicada na reincidência”.
Art. 43. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a viger acrescida do seguinte art. 7º-B:
“Crime contra direito ou prerrogativa de advogado
Art. 7º-B. Violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II a V do art. 7º:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”
Art. 44. Revogam-se a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, o § 2º do art. 150 e o art. 350, ambos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Art. 45. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relator
Fonte: robertorequiao.com.br
Novo líder do PT em Curitiba: “Partido deve ser instrumento dos movimentos sociais”
10 de Abril de 2017, 14:51André Machado Castelo Branco falou sobre a operação Lava Jato e a possível candidatura de Lula em 2018
Presidente do PT em Curitiba foi eleito neste domingo (9) / Leandro Taques
André Machado Castelo Branco. Esse é o nome que comandará o PT de Curitiba nos próximos anos. Dirigente sindical, foi candidato a vereador por duas vezes. Na primeira, em 2012, fez 3.211 votos e na eleição seguinte, em 2016, foram 3.986. Formado em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em tecnologia do trabalho pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Machado tem uma missão considerada pra lá de difícil. Organizar o partido na cidade que virou sinônimo de resistência contra o PT: Curitiba.
O novo dirigente foi aclamado neste domingo (9) em uma eleição com chapa única. Resultado da articulação de diversas correntes em torno de um nome que possa agregar forças sem a disputa das forças internas do partido. André, aliás, diz não ser de nenhuma corrente específica, mas de um movimento que prega a reorganização do partido em torno de suas bases. “O partido é que deve servir de sustentação para os movimentos sociais e não o contrário”, enfatizou durante a entrevista.
Movimentos sociais, Lava Jato, Sérgio Moro, jantares com empresários da mídia, Lula em 2018, mobilizações em Curitiba em busca das diretas e agora em busca da direita, tudo entrou na pauta e Machado não fugiu das perguntas.
Ele recebeu, na sede estadual do partido, os jornalistas Davi Macedo, Gibran Mendes, Leandro Taques e Manoel Ramires para uma entrevista onde falou dos seus planos para o PT, sua visão da atual política e sobre como renovar o partido voltando para suas bases.
Brasil de Fato: Você assumirá o comando do PT na cidade que se autointitulou de “República de Curitiba”. É algo semelhante a presidir o partido de oposição ao regime na Coreia do Norte?
André Machado: [risos] Eu vejo que passamos por um processo intenso de ataques ao partido, que continua existindo, mas estamos em uma situação diferente. Estamos em uma situação onde o governo começa a mostrar a que veio. O golpe começa a mostrar seu real conteúdo político e as reformas apresentadas são tão intensas que o povo começa a compreender de fato o que está acontecendo no País.
Tivemos a primeira grande medida que foi a PEC que corta os gastos sociais por 20 anos. Mas para a população em geral isso é muito nebuloso, de difícil compreensão sobre quais serão os reais impactos em suas vidas. Mas quando isso chega à Reforma da Previdência e fazem a conta, vendo o tempo a mais que deverão trabalhar antes da aposentadoria, começa a cair a ficha.
É inegável que o PT passa por um processo difícil e em Curitiba é muito mais difícil que no resto do Brasil. Aqui é o epicentro de todo esse desgaste do PT por conta da Lava-Jato. É verdade também que há uma oportunidade de retomada, que aqui existe resistência. Creio que é esse contraponto que me motiva, que me anima a assumir o PT nesse momento. Esse discurso de vítima não funciona, precisamos fazer uma retomada dos princípios do partido e voltar a organizar as bases sociais.
Mas isso não está atrasado? Esse discurso de retomada vem há tempos. E ainda: existe esquerda em Curitiba? Nos atos são sempre as mesmas e não há pessoas diferentes…
Existe um processo. O PT passou por um processo diferente nos últimos 13 anos. Foi assumido um discurso de que tudo se resolvia dentro do estado e obviamente isso tem consequências na organização popular do partido. Todas as lutas sociais de massa que participamos, e foi ali que comecei a minha militância, no final do governo FHC, nas lutas que fizemos contra a venda da Copel (Estatal de Energia Elétrica do Governo do Paraná que Jaime Lerner tentou privatizar em 2001) por exemplo, foram lutas de massa. No próprio movimento estudantil, quando fizemos luta contra a privatização das universidades, naquele período do Lerner, existia uma esquerda mobilizada. Existia massa na rua para lutar pelas pautas da esquerda, por um outro modelo de desenvolvimento, por outras pautas sociais. Isso ficou adormecido. Mas não significa que não seja possível resgatar. Curitiba já foi palco de grandes manifestações, mesmo antes dessas…
Continua sendo?
Continua sendo, mas com pautas conservadoras, principalmente. É possível que essas mobilizações populares sejam resgatadas? Eu acredito que sim. Até por conta do que falei. Acredito que a situação concreta e objetiva das pessoas leva à resistência. É o papo que está rodando no ônibus. A discussão hoje não é somente a Lava Jato, sem desconsiderar sua influência, mas a pauta é: vai acabar a aposentadoria no País, principalmente para os mais pobres.
Então, é isso. Existe hoje um novo caldo e desse novo caldo é possível retomar essa mobilização. Acredito que não é tarde. Existiu um discurso durante os 13 anos de governo do PT de que era possível fazer uma conciliação. A direção do PT alimentou isso, de que era possível fazer um acordo com o Sarney, com algumas oligarquias locais, com o PMDB, para manter uma governabilidade. Esse discurso acabou. Com quem vai fazer o acordo?
Você fala que esse período acabou, mas o que vemos na prática é o contrário. O que vemos em certas lideranças do PT é a continuidade desta tentativa de conciliação e de alianças com a direita, como aconteceu no caso de eleições em mesas diretoras nas casas legislativas, até mesmo no Senado e na Câmara. Isso mostra uma diferença do que a militância pede e o que as decisões políticas mostram. Acrescento: como o diretório municipal pode atuar neste sentido?
Quando eu digo que acabou é porque não há mais condição de alimentar um discurso de que essa conciliação pode apresentar resultados positivos, ou seja, aquele discurso que ouvíamos muito: “é necessário fazer um grande acordo para que possamos implementar políticas positivas para a população”. Era esse o discurso da governabilidade. Isso não tem mais espaço, isso acabou. Não significa que as pessoas que estão hoje na cúpula do partido, ou estão assumindo mandatos no congresso, senadores e deputados, mudaram sua concepção. Eu acredito que muitos continuam errando.
Por isso neste processo de discussão do PT nós temos que discutir uma nova direção nacional. Nessa questão toda, fizemos um acordo aqui em Curitiba por uma direção municipal que tem essas questões como princípio: a mudança dentro do partido em relação à política de alianças, o papel que o PT deve desempenhar nesse período, como ele deve se organizar, radicalizar a democracia interna do partido “nucleando” o PT. Tudo isso são os acordos que chegamos para que pudéssemos ter somente uma chapa. É uma chapa de mudança, não de continuidade. Mas isso do ponto de vista nacional ainda é um debate a ser feito.
Você é identificado como um militando da corrente do Trabalho, minoritária dentro do partido. Como fazer um acordo para que alguém deste grupo possa comandar o partido em Curitiba?
Eu não sou dessa corrente, que tem sua própria organização e dinâmica, mas que construiu junto neste processo. Nós temos um grupo chamado “PT Novo de Novo”, que é um agrupamento dentro do partido que tentou impulsionar esse debate de mudanças e aglutinou várias lideranças, lideranças importantes e lideranças populares do partido. Nós indicamos algumas direções zonais importantes, temos uma influência dentro do PT de Curitiba.
A primeira coisa que fizemos foi lançar um documento colocando as críticas a esse caminho que o PT assumiu nos últimos anos e propondo uma mudança de rumos. Tivemos a adesão de muitas lideranças importantes aqui de Curitiba e a partir desse texto começamos a discutir a chapa, que vem a partir de um processo de debate político desse manifesto. Democratização do partido e retomada do PT como um instrumento de organização da classe trabalhadora. Porque o que colocamos como um sintoma desse PT que foi se burocratizando aos poucos é que as lideranças do partido passaram a compreender a democracia a partir, somente, da disputa do Estado.
Isso leva a uma adaptação ao sistema político como ele é hoje, um sistema apodrecido, mas é o que temos. Então, a partir do momento que se vê como única forma de democracia a disputa do estado, você começa a compreender os movimentos sociais como um instrumento do partido passa a ter uma visão de instrumentalizar o partido a partir dos movimentos sociais para conseguir voto. É simples assim, não é? Porque a lógica é essa. É o que está incutido como lógica de construção da democracia.
O que estamos propondo é uma inversão disso. O movimento social não pode ser instrumento do partido, o partido é que deve ser um instrumento dos movimentos sociais. Então, quando você pensa a lógica assim, o que você entende? Que inclusive a disputa eleitoral deve servir para a disputa real que está sendo feita da luta de classes, da luta popular nos bairros, dos sindicatos que estão lutando para ter reajustes salariais, condições de trabalho. Essa inversão é que estamos propondo, é o PT da década de 80, o princípio do partido.
Mas como fazer isso na prática, a partir de um diretório municipal?
Eu vejo dois papéis. O primeiro deles é na disputa do congresso estadual. Não está definido o que será do PT. Nós fazemos parte deste processo que vai discutir a mudança de rumo do partido. Esse é um primeiro aspecto. O segundo é que estamos em uma das principais capitais brasileiras. Não é um lugar qualquer, uma “cidadezinha”, que não fará diferença no cenário nacional. Eu acredito que temos um papel importantíssimo no cenário nacional.
Por ter esse papel importante, mesmo que no diretório nacional ainda tenhamos questões não alteradas que desejamos mudar, creio que possamos fazer a diferença aqui para que apareça como exemplo para os militantes. Eles querem essa retomada do PT. Basta ver o que aconteceu quando a maioria dos deputados desejava fazer um acordo para eleger o Rodrigo Maia. Mas por não terem coragem de aprovar, eles jogaram essa decisão para o diretório nacional, que por sua vez, devolveu para os deputados. Mas por conta da mobilização que aconteceu na base do partido – que foi impressionante, com reuniões, plenárias, atos em todos os lugares do Brasil – a bancada dos deputados decidiu votar contra.
Esse movimento “Petista Não Vota em Golpista” foi um movimento de baixo para cima, que mudou uma posição. É verdade que alguns deputados não votaram no candidato que o PT apoiou? É verdade. Na matemática você vê isso. Mas é secundário nesse processo. O principal é que quando a base se movimenta e impõe sua vontade, nós conseguimos fazer as mudanças que o PT precisa. Porque precisamos desse instrumento, o PT está construído.
O PT é um instrumento fabuloso. Tem 1,7 milhão de filiados. É o principal instrumento de transformação na América Latina e um dos principais do mundo. Não podemos abrir mão disso, mesmo que tenhamos crítica, que tenha problemas. O que precisamos é trabalhar para tentar mudar e essas mudanças eu acredito que podemos implementar em Curitiba, fazendo diferente, construindo uma forma de organização mais interessante. Mostrar como exemplo e participar desse processo de disputa nacional.
Mas insistimos e na prática? Como fazer isso? O André, presidente eleito do PT de Curitiba, chega no diretório pela manhã, senta na cadeira e muda isso como?
Eu não acho que é o André. Foi um acordo em todas as correntes organizadas do partido aqui [em Curitiba], entre todas as lideranças regionais do partido, de que esse seria o nosso objetivo nesse mandato.
Nós tivemos um mandato passado que teve vários avanços, com mudanças importantes, mas em um momento difícil de organizar o partido. O momento era de encontrar uma saída. Era muito difícil. Mas existia essa busca por uma unidade, uma tentativa de caminhar junto e que se concretizou agora.
Acredito que não é o André. É um novo diretório que está sendo eleito com 112 membros que vão buscar “renuclear” o partido, principalmente, a partir das zonais. O que significa isso? A ideia é que a pessoa não seja só filiada ao partido, mas que ela viva o partido e o utilize para se organizar a partir de suas lutas.
As zonais têm papel geográfico. Já os núcleos funcionam com os militantes de uma certa região, de uma certa rua, de uma certa categoria profissional, que tenham afinidades e desejem se reunir porque tem uma disponibilidade de horário ou pauta em comum. Eles se encontram e discutem. Precisamos dar política para esses núcleos discutir. É isso que falta. Precisamos estimular, dar um filme para debaterem, um texto para lerem e debaterem, sobre a reforma da previdência, sobre a conjuntura. Precisamos estimular pautas, propor agendas e os núcleos vão surgindo. As pessoas querem se organizar.
Qual o projeto para o partido? Não é preciso discutir plataformas, além de nomes como vem sendo declarado exaustivamente o nome de Lula?
Eu acredito que o Lula dentro do PT é um nome inquestionável. Não só pela história dele, mas do ponto de vista pragmático eleitoral. Ele tem uma capacidade eleitoral que nenhum outro filiado ao partido no Brasil inteiro tem. Então, eu não acredito que a questão seja questionar a candidatura do Lula, que está colocada e vai ser importante para o partido em 2018, e que está sendo duramente atacada para que ela não possa ocorrer pelo golpe que está colocado no país. Temos que ter clareza disso. Agora, eu acredito que transformar o congresso do partido, que justamente é aonde podemos definir isso, para definir que caminho vai o PT.
A gente está discutindo isso. Qual vai ser o projeto de Lula em 2018? Qual é o projeto econômico que nós queremos? Quais vão ser as estratégias de organização do partido? Porque se não é a conciliação, tem que mudar alguma coisa. Se você não faz um acordo com o PMDB, você tem que fazer um acordo com alguém para poder governar. Na nossa concepção, esse é um acordo estreito com os movimentos sociais. Quando queremos aprovar alguma coisa, e sempre foi assim, mesmo nos governos Lula e Dilma, para aprovar alguma coisa e passar no Congresso Nacional, o que definiu foi a mobilização.
Foi parar carro de som na frente da casa de deputado, foi fazer mobilização de rua, enfim, é isso que define, muito mais do que fazer um grande acordo nacional. Eu acho que a grande disputa nesse congresso do PT, onde pode-se discutir os rumos, é um setor querer transformar o congresso em um lançamento da campanha do Lula 2018 sem conteúdo, abandonando o que é imediato. Porque a gente tem que passar por 2017.
Esse é o problema, nós temos que atravessar 2017 e esse ano é fundamental, porque se perdemos a previdência, se passa a reforma trabalhista, e ela vai ser brutal. Porque liberar, como o Rodrigo Maia tá dizendo ou como o Temer está dizendo, as terceirizações como está proposto, é muito brutal para o mundo do trabalho. Vai ser terrível, é muito acelerado o processo de retirada de direitos. O terceirizado não só ganha menos, mas tem uma organização muito mais frágil do ponto de vista sindical. A partir do momento que se permite também que o negociado prevaleça sobre o legislado, em organizações frágeis como é a dos terceirizados, você contrata sob qualquer regime. Estamos rumando na prática para um regime de trabalho extremamente precário.
Deixar passar tudo isso, em nome de um projeto de 2018 que vai fazer uma política diferente, é uma irresponsabilidade. O que temos que colocar hoje é o Fora Temer. Temer tem menos de 10% de aprovação, é menos do que Dilma no seu pior momento de avaliação. Ele anda numa corda bamba, se o PT empurrar ele cai. O que a gente não pode é abandonar a pauta que está na rua e que está na boca do povo, que é o Fora Temer. O Fora Temer é importante hoje não só porque teve o golpe e tiraram a Dilma da Presidência, mas porque se ele continuar vão passar todos esses projetos de aniquilação da classe trabalhadora. Os laços da classe trabalhadora se dão pelos seus direitos também. A capacidade da classe trabalhadora para poder impor um projeto diferente para o Brasil passa também por defender os seus direitos que estão constituídos, porque se não houver direitos a gente vai caminhando para um processo de desagregação social tão violento que não consegue nem mais se ter uma relação de classe entre os trabalhadores.
Sobre essa campanha difamatória contra o PT que sempre existiu, desde a fundação do partido, mas que foi intensificada no governo Dilma e arranhou a imagem do partido. Como pode ser recuperada a credibilidade que o PT tinha no final da década de 90, a pujança social que o partido tinha?
Não é o debate de se igualar aos outros que vai recuperar a imagem do PT. Nem é tanto por se fazer o debate que é imposto pela Lava Jato. O PT ganhou uma audiência na massa por conta das suas decisões políticas corretas de se alinhar de forma correta na década de 80 e conseguiu estabelecer raízes na classe trabalhadora, principalmente por conta do processo de diretas já, naquele momento de redemocratização do país, o PT teve um papel fundamental quando ele recusou o colégio eleitoral, ali o PT ganha massa. Acredito que a saída hoje também é a partir da política. Se o PT tiver uma política certa hoje, se o PT tiver uma política que as pessoas compreendam que está do lado delas, ele vai retomar o prestígio que já teve e que vai ter no futuro se tomar as decisões certas. O problema é se o PT não acordar. Se continuar repetindo a fórmula que foi aplicada nos governos que passaram, a gente não conseguir dar essa guinada.
Me parece um pouco mais difícil agora, porque no final da década de 90 existia uma sensação de grandes anseios sociais, inclusive por meio da política. Agora que parece que a campanha contra o PT fez com que as pessoas desacreditassem na política. O que se escuta hoje do cidadão comum é nem direita, nem esquerda, tudo ladrão. Um discurso construído justamente por quem de fato é ladrão. Isso não torna a recuperação mais complicada?
Está difícil não só por isso. Acredito que isso contribui, mas, por exemplo, quando a Dilma indicou o Levi e o Barbosa para comandar a economia do país, o que ela estava mostrando para as pessoas, que só existe um caminho. E o caminho era o que o Aécio estava dizendo na eleição, inclusive. Foi ao contrário da plataforma da campanha da Dilma. O que eu acho que as pessoas dizem que é tudo igual, elas dizem que é tudo igual porque, do ponto de vista político, mesmo que hoje a gente veja claramente que a velocidade do processo é muito maior com o Temer, sem dúvida nenhuma, mas a gente vê que o caminho também estava sendo apontado desde o final de 2013 até o impeachment também era um caminho errado.
As pessoas olham e veem que do ponto de vista político só tem uma saída e todo mundo diz a mesma coisa e do ponto de vista ético atacam o PT através da mídia dizendo que o PT é o partido da corrupção e tal, aí as pessoas realmente confundem. A saída para tudo isso está justamente na política. Se as pessoas enxergarem o PT fazendo uma política de fato diferente e é esse o nosso desafio enquanto direção que vai assumir o partido, eu acredito que as pessoas retomem a confiança no PT. O partido já teve essa confiança, principalmente daqueles que foram mais favorecidos pelos governos do Lula e da Dilma. Precisamos retomar a confiança dessas pessoas. Acredito que um ponto é esse, apresentarmos uma política responsável, com os anseios da classe trabalhadora; o outro é recusarmos esse sistema político.
Qual é o peso da comunicação para a recuperação da imagem do PT e quão estratégica é ou deveria ser a comunicação para o partido? E quando a esquerda vai ter a Folha de São Paulo dela?
Quando se fala em estratégia, a comunicação sozinha não responde. Então a gente precisa reencontrar um caminho, que aí a gente encontra aonde quer chegar. A partir do momento que a gente sabe aonde quer chegar, nós buscamos comunicar para as pessoas o que a gente quer. O problema da comunicação do PT nesse período de governo é que se perdeu aonde se queria chegar. O que se produziu nesses anos todos de governo? Se produziu políticas interessantes do ponto de vista da educação e saúde, o Estado foi gerido de uma forma muito mais republicana.
Se você for ver hoje como estão as estruturas dos ministérios, você percebe a diferença brutal entre os governos. Agora, você não mudou as estruturas e a gente perdeu isso, perdeu a discussão sobre a estrutura política. A própria rediscussão das instituições que estava coloca ficaram intactas. Então, acredito que nesse debate de comunicação a gente precisa resolver juntos aonde queremos chegar. Precisamos ter um debate estratégico novamente sobre o PT. Qual que é a estratégia petista? A gente ainda acredita no socialismo? E se a gente ainda acredita no socialismo, a mudança mais radical, mais estrutural da sociedade, qual que é o caminho para se chegar lá? Mesmo aqueles que não acreditam mais no socialismo, mas são críticos ao capitalismo, como faremos para reduzir os danos que esse sistema econômico produz, as desigualdades sociais que ele produz?
Eu acredito que hoje no Brasil nós temos uma tarefa fundamental que é a discussão da Constituinte. Retomar esse debate, porque como é que nós vamos fazer essas mudanças com esse Congresso que está aí? Ou com esse modelo de financiamento eleitoral? Ou com essas estruturas das instituições que impedem que se faça qualquer mudança? Então, a gente precisa retomar esses debates, uma Constituinte para uma reforma política, uma Constituinte soberana onde se elejam deputados constituintes para fazer esse debate, para poder aprovar uma mudança na estrutura política do país. Sem isso eu acho que não vai mudar nada. As pessoas vão se reeleger na próxima eleição de 2018 sobre a mesma base. Aí entra a discussão da comunicação. O PT governo, mesmo com os pontos positivos do governo Lula, mas o Lula mais que a Dilma acreditou nessa conciliação com os grandes meios de comunicação.
Você acredita nessa conciliação?
Eu acredito que ela é impossível. Os caras têm lado. É claro que a gente não pode abrir mão de escrever um artigo de um jornal desses de grande circulação, de disputar espaços, de dar entrevistas. Não sou radicalmente contra, mas é claro que páginas amarelas da Veja eu acho que já é um exagero, mas acredito que são espaços que têm que ser disputados nessa microesfera pública, porque não é uma esfera pública que nós temos no país. No entanto, é uma inocência acreditar que a partir disso a gente comunica, que a gente consegue dialogar do ponto de vista ideológico, que a gente consegue fazer contraposição a esse discurso que está colocado das classes dominantes.
Existem elites dominantes no Brasil. Quando se abandonou o discurso de luta de classes, eu acho que a direção do PT por um momento achou que isso não existia mais, o impeachment só que foi dar um banho de água fria em muita gente, quando se esqueceu da luta de classes, se acreditou que a classe dominante no país não tinha posição ideológica, não tinha seus meios de comunicação, não comunicava com seus aparelhos ideológicos. Acredito que precisa sim constituir um novo projeto, um projeto com retomada dos princípios da década de 80, aqueles princípios de fundação do PT, e nós precisamos aprender a comunicar. Ter um jornal de alcance nacional eu acredito que hoje é uma necessidade central do PT. Se ele quer comunicar ele precisa ter um jornal nacional. Precisa ter um portal incrível que tenha uma posição mais à esquerda.
Institucional?
Precisa ser um jornal amplo, com jornalismo que vá cobrir a realidade política, o cotidiano, enfim, que vá fazer suas matérias baseado numa linha editorial progressista. Uma linha editorial que de certa forma a Carta Capital faz. Com todas suas peculiaridades, como o Brasil de Fato, ainda muito incipiente, muito menor do que a nossa necessidade, apesar de ser o caminho. A gente precisaria ter um jornal Brasil de Fato com dimensões nacionais. Ele é amplo, tem uma linha editorial que busca agregar setores mais progressistas. Eu acredito que o problema é de escala. Tem aquela discussão se teria que ser de papel ou não, mas acredito que as pessoas ainda leem o papel.
Mas a discussão não é mais ampla do que apenas um jornal?
Eu falei um negócio que não é verdade. Assim, o PT não tem um jornal, não é? Eu acho que as coisas têm que se combinar. Tem que ter esse jornal como o Brasil de Fato em escala nacional, que a gente possa estar distribuindo para o povo, enfim, que chegue no povo, por meio digital ou por meio impresso e precisa ter a comunicação do partido. Não precisamos ter a ilusão de que os meios de comunicação numa sociedade capitalista vão reproduzir as ideias que não são hegemônicas. Quem tem o domínio do mundo econômico, tem o domínio do mundo espiritual, como dizia o Marx. Tem o domínio do mundo das ideias. A gente não pode ser idealista, achar que teremos uma mídia progressista em um sistema econômico conservador, capitalista, não vai ter…
O que a gente precisa é constituir nossos instrumentos de comunicação e construindo unidade com amplos setores para além do PT. Também ter um bom instrumento dentro do PT que comunique a sua estratégia, que passa pela organização popular. Em Curitiba, entendo que a gente pode ter um jornal com essa pauta. Um veículo que ajude a organizar o povo pela luta pela regularização fundiária, pela luta do transporte, da saúde. A cidade já teve um movimento muito forte na saúde e o partido era o coração nessa luta. Mas antes, a gente precisa entender onde a gente quer chegar. Consequentemente, a gente vai comunicar e envolver as pessoas.
Queria a sua opinião sobre o juiz Sérgio Moro. A postura dele é parcial e inquisitória? E como está sendo preparada a recepção para o presidente Lula, que deve depor no dia 3 de maio em Curitiba.
A Lava Jato cada vez mostra que tem entre seus objetivos o desgaste do PT. Esse é um dos seus panos de fundo: a disputa política. Evidente que a operação nasce devido a problemas da estrutura política em que o partido se envolveu, como todos outros partidos também se envolveram. Afinal, as últimas campanhas políticas foram bilionárias e alguém financiou isso tudo. Quem tem estrutura para isso são as grandes empreiteiras. E quem paga a banda escolhe a música. O "retorno" dado em âmbito federal ou estadual foi manter um sistema de privilégios para essas empresas. Quanto ao Moro, ele parte de um problema real, mas se restringe a condenar o PT.
Essa seletividade da Lava Jato condiciona o resultado. A gente sabe que todos os partidos tiveram relações com as empreiteiras, mas apenas a campanha do PT está sendo criminalizada. E, na maioria das vezes, se percebe que não houve enriquecimento das pessoas. Bem diferente de Eduardo Cunha, de outros que receberam dinheiro em paraísos fiscais. A gente percebe que os delatados próximos ou do PSDB não sofrem as consequências. Portanto, para mim, a operação é um tribunal de exceção. Todo esse processo ocorreu para criar uma base social e legitimar o impedimento da presidente Dilma e aplicar esse caminho político e econômico adotado por Michel Temer. Do PT, é evidente que quem roubou deve pagar pelo o que fez. Só que o problema não é esse. A questão é acreditar que a operação pune quem roubou. Isso é uma ilusão.
Quanto ao Lula, eles vivem esquentando denúncias contra o presidente. É até um clichê no Brasil. A direita tenta desmoralizar as lideranças não pelo caminho da disputa política ou ideológica, mas a partir de questões pessoais, questionando valores éticos. É muito baixo. Portanto, a vinda do Lula, para nós, vai ser um dia para se marcar um processo de defesa da democracia. O que temos visto nesse país são direitos sendo desrespeitados, como no caso do Lula, que teve a condução coercitiva. Portando, na vinda do Lula, nós vamos reafirmar a bandeira democrática, independente de partido político.
Mas definindo o perfil do Moro. Qual é a sua percepção sobre ele?
Ele é um instrumento que serve a um propósito que se utiliza do seu cargo e de instrumentos que ele tem para atacar o PT. Moro é o cara que não investiga o Aécio Neves, mas pune com rigor o José Dirceu.
Mas você o define como uma pessoa com perfil à direita?
Eu tenho convicção que ele é conservador de direita que está atacando o PT por conta de um projeto maior. As motivações mais íntimas dele, não posso especular.
A Dilma Rousseff foi muito crítica, ainda no seu primeiro mandato, por participar de jantares comemorativos de donos dos grandes veículos de comunicação. Recentemente, o Chico Alencar foi criticado por beijar a mão do Aécio Neves. Você iria em um jantar de aniversário de um Lemanski (família empresarial do Paraná, dona da RPCTV, filiada da Rede Globo)?
Eu já vi políticos - inclusive do PT - posando para colunas sociais com esses figurões da mídia e do empresariado paranaense. Eles acreditavam que podiam fazer parte desse campo, que seriam aceitos por essa turma. Eu não tenho essa vontade, nem essa ilusão. Eu prefiro jantar com os militantes do partido, dos sindicatos e dos movimentos sociais. Eu acredito que muitos mudaram a partir desses pequenos gestos.
Qual é a sua história com o PT e porque não deixou o partido em momentos críticos?
Eu entrei no PT em 1999, aos 18 anos. Meu pai e minha mãe eram petistas, sendo que meu pai foi dirigente da CUT. Logo, eu vivo o PT desde criança. Eu dormia nos sofás dos militantes durante as reuniões, entre outras coisas. Essa foi minha adolescência. Eu podia ter seguido dois caminhos: podia amar ou odiar. Dias desses, meu pai publicou no Facebook uma foto da última greve geral que teve, na década de 1980. Ele estava caminhando com a gente no meio do povo. Portanto, aos 18 anos me filiei. Só que a minha militância começou na universidade. Na primeira semana já me envolvi com centro acadêmico, participei do DCE e no segundo ano universitário já estava na direção nacional da UNE. Cheguei lá por conta da luta contra a venda da Copel. Toda essa turma despontou bastante. Eu aprendi muito nessa época. Depois do movimento estudantil, em 2005, eu fui para o movimento sindical por meio dos bancários.
Eu nunca me coloquei essa questão de sair do PT. Eu tinha muitas críticas ao partido. O PT não é um dogma. Só penso que eu "não deixaria o PT de barato". Ninguém tem propriedade sobre o partido. E eu vou disputar esse partido enquanto ele tiver importância para a classe trabalhadora. Portanto, não que isso não seja um problema real. Contudo, entendo que o partido é um espaço importante para ser abandonado. Quem conhece o PT por dentro, conhece sua base popular, os movimentos sociais, que o partido ocupa um lugar no imaginário das pessoas. O PT ainda tem potencial de mobilização e transformação. E é isso que a gente precisa dar movimento. Esse é o meu desafio na direção do PT Municipal.
Edição: Ednubia Ghisi
Fonte: Brasil de Fato