O abuso generalizado dos direitos humanos na última década tem sido uma ruptura dos EUA com relação ao passado
Por: JIMMY CARTER(*); The New York Times - O Estado de S.Paulo
WASHINGTON - Os Estados Unidos estão abandonando seu papel de campeões globais na defesa dos direitos humanos. A revelação do planejamento do assassinato de cidadãos estrangeiros pelo alto escalão do governo, incluindo a morte de americanos, é apenas a prova mais recente e perturbadora das dimensões que as violações dos direitos humanos cometidas pelos EUA assumiram. Isso teve início após os ataques do 11 de Setembro, processo sancionado e intensificado por medidas legislativas e executivas bipartidárias que não foram alvo da objeção do público. Como resultado, os EUA não podem mais se manifestar com autoridade moral diante desses temas importantíssimos.
Por mais que o país tenha cometido erros no passado, o abuso generalizado dos direitos humanos observado no decorrer da última década tem sido uma verdadeira ruptura com relação ao passado. Com a liderança dos EUA, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 1948 como "alicerce da liberdade, da justiça e da paz no mundo". Esse foi ao mesmo tempo um compromisso claro e ousado com a missão de garantir que o poder não fosse mais usado como disfarce para oprimir e prejudicar as pessoas, estabelecendo para todos direitos igualitários à vida, liberdade, segurança pessoal, proteção igual da lei contra a tortura, a detenção arbitrária e o exílio forçado.
A declaração foi invocada por defensores dos direitos humanos e pela comunidade internacional na missão de substituir a maioria das ditaduras do mundo por democracias e promover o estado de direito nas questões domésticas e globais. É perturbador que, em vez de fortalecer esses princípios, as políticas de combate ao terrorismo do governo americano estão no momento violando claramente 10 dos 30 artigos da declaração, incluindo a proibição contra o "castigo cruel, desumano ou degradante".
Leis recentes legalizaram o direito do presidente de manter uma pessoa sob custódia por tempo indefinido em decorrência da suspeita de associação com organizações terroristas ou "forças a elas ligadas", um poder amplo e vago que pode ser abusado sem nenhuma supervisão significativa por parte dos tribunais nem do Congresso (a lei é atualmente o objeto do veto de um juiz). Essa lei viola o direito à liberdade de expressão e o direito de ser considerado inocente até que seja provado o contrário, ambos protegidos pela declaração.
Além de permitir que cidadãos americanos sejam alvo de missões de assassinato ou da detenção por tempo indefinido, as novas leis cancelaram as limitações impostas na Ata de Vigilância e Informações Estrangeiras de 1978, permitindo violações sem precedentes do nosso direito à privacidade por meio da instalação de escutas sem a necessidade de mandatos, e da busca em nossa comunicação eletrônica por parte do governo. Populares leis estaduais permitem que indivíduos sejam detidos por causa de sua aparência, hábitos religiosos e companhias.
Apesar de uma regra arbitrária segundo a qual todo alvo de um ataque com aviões não tripulados (drones) é descrito como terrorista, a morte de mulheres e crianças inocentes nas imediações é aceita como inevitável. O residente do Afeganistão, Hamid Karzai, exigiu o fim dos ataques do tipo, mas a prática continua em partes do Paquistão, da Somália e do Iêmen que não integram nenhuma zona de guerra. Não sabemos quantas centenas de civis inocentes foram mortos nestes ataques, cada um deles aprovado pelas autoridades em Washington. Isso seria impensável numa época anterior.
Estas ações afetam a política externa americana. O alto escalão das Forças Armadas e da inteligência, assim como os defensores dos direitos humanos, afirmam que a acentuada intensificação na campanha de drones transformou famílias enlutadas em organizações terroristas.
Enquanto isso, a prisão de Guantánamo, em Cuba, abriga agora 169 detentos. Cerca de metade deles foi liberada e aguarda a soltura, sem nenhuma perspectiva de ser libertada. As autoridades americanas revelaram que, para obter confissões, alguns dos poucos que foram levados a julgamento (somente em tribunais militares) foram torturados.
Por incrível que pareça, tais fatos não podem ser usados na defesa dos acusados, pois o governo afirma que essas práticas ocorreram sob o sigilo da "segurança nacional". Não há perspectiva de julgamento nem libertação para a maioria dos demais prisioneiros.
Num momento em que revoluções populares estão varrendo o globo, os EUA deveriam agir no sentido de fortalecer - em vez de enfraquecer - as regras básicas do direito e os princípios da justiça enumerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas, em vez de tornar o mundo mais seguro, a violação dos direitos humanos internacionais por parte dos EUA encoraja nossos inimigos e afasta nossos aliados.
Como cidadãos preocupados, temos de convencer Washington a reverter esse curso e retomar a posição de liderança moral segundo as normas dos direitos humanos que tínhamos adotado oficialmente como nossas, celebrando-as ao longo de tantos anos.
Por: JIMMY CARTER(*); The New York Times - O Estado de S.Paulo
WASHINGTON - Os Estados Unidos estão abandonando seu papel de campeões globais na defesa dos direitos humanos. A revelação do planejamento do assassinato de cidadãos estrangeiros pelo alto escalão do governo, incluindo a morte de americanos, é apenas a prova mais recente e perturbadora das dimensões que as violações dos direitos humanos cometidas pelos EUA assumiram. Isso teve início após os ataques do 11 de Setembro, processo sancionado e intensificado por medidas legislativas e executivas bipartidárias que não foram alvo da objeção do público. Como resultado, os EUA não podem mais se manifestar com autoridade moral diante desses temas importantíssimos.
Por mais que o país tenha cometido erros no passado, o abuso generalizado dos direitos humanos observado no decorrer da última década tem sido uma verdadeira ruptura com relação ao passado. Com a liderança dos EUA, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 1948 como "alicerce da liberdade, da justiça e da paz no mundo". Esse foi ao mesmo tempo um compromisso claro e ousado com a missão de garantir que o poder não fosse mais usado como disfarce para oprimir e prejudicar as pessoas, estabelecendo para todos direitos igualitários à vida, liberdade, segurança pessoal, proteção igual da lei contra a tortura, a detenção arbitrária e o exílio forçado.
A declaração foi invocada por defensores dos direitos humanos e pela comunidade internacional na missão de substituir a maioria das ditaduras do mundo por democracias e promover o estado de direito nas questões domésticas e globais. É perturbador que, em vez de fortalecer esses princípios, as políticas de combate ao terrorismo do governo americano estão no momento violando claramente 10 dos 30 artigos da declaração, incluindo a proibição contra o "castigo cruel, desumano ou degradante".
Leis recentes legalizaram o direito do presidente de manter uma pessoa sob custódia por tempo indefinido em decorrência da suspeita de associação com organizações terroristas ou "forças a elas ligadas", um poder amplo e vago que pode ser abusado sem nenhuma supervisão significativa por parte dos tribunais nem do Congresso (a lei é atualmente o objeto do veto de um juiz). Essa lei viola o direito à liberdade de expressão e o direito de ser considerado inocente até que seja provado o contrário, ambos protegidos pela declaração.
Além de permitir que cidadãos americanos sejam alvo de missões de assassinato ou da detenção por tempo indefinido, as novas leis cancelaram as limitações impostas na Ata de Vigilância e Informações Estrangeiras de 1978, permitindo violações sem precedentes do nosso direito à privacidade por meio da instalação de escutas sem a necessidade de mandatos, e da busca em nossa comunicação eletrônica por parte do governo. Populares leis estaduais permitem que indivíduos sejam detidos por causa de sua aparência, hábitos religiosos e companhias.
Apesar de uma regra arbitrária segundo a qual todo alvo de um ataque com aviões não tripulados (drones) é descrito como terrorista, a morte de mulheres e crianças inocentes nas imediações é aceita como inevitável. O residente do Afeganistão, Hamid Karzai, exigiu o fim dos ataques do tipo, mas a prática continua em partes do Paquistão, da Somália e do Iêmen que não integram nenhuma zona de guerra. Não sabemos quantas centenas de civis inocentes foram mortos nestes ataques, cada um deles aprovado pelas autoridades em Washington. Isso seria impensável numa época anterior.
Estas ações afetam a política externa americana. O alto escalão das Forças Armadas e da inteligência, assim como os defensores dos direitos humanos, afirmam que a acentuada intensificação na campanha de drones transformou famílias enlutadas em organizações terroristas.
Enquanto isso, a prisão de Guantánamo, em Cuba, abriga agora 169 detentos. Cerca de metade deles foi liberada e aguarda a soltura, sem nenhuma perspectiva de ser libertada. As autoridades americanas revelaram que, para obter confissões, alguns dos poucos que foram levados a julgamento (somente em tribunais militares) foram torturados.
Por incrível que pareça, tais fatos não podem ser usados na defesa dos acusados, pois o governo afirma que essas práticas ocorreram sob o sigilo da "segurança nacional". Não há perspectiva de julgamento nem libertação para a maioria dos demais prisioneiros.
Num momento em que revoluções populares estão varrendo o globo, os EUA deveriam agir no sentido de fortalecer - em vez de enfraquecer - as regras básicas do direito e os princípios da justiça enumerados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas, em vez de tornar o mundo mais seguro, a violação dos direitos humanos internacionais por parte dos EUA encoraja nossos inimigos e afasta nossos aliados.
Como cidadãos preocupados, temos de convencer Washington a reverter esse curso e retomar a posição de liderança moral segundo as normas dos direitos humanos que tínhamos adotado oficialmente como nossas, celebrando-as ao longo de tantos anos.
(*)Conhecido como Jimmy Carter, James Earl Carter, Jr. nasceu em 1 de outubro de 1924, em Plains, Geórgia-USA, foi o 39° presidente dos Estados Unidos da América, é o fundador do Carter Center e o ganhador do prêmio Nobel da Paz de 2002
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Fonte: MVM News via email
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