Houve um tempo em que os jornalistas, além de saber o que era notícia, de ir atrás da notícia, de publicar a notícia por inteiro e não pela metade mais conveniente, sabiam escrever.
Alguns escreviam maravilhosamente bem.
As redações eram também ótimas escolas de texto.
Muitos profissionais deixaram o jornalismo e se arriscaram na literatura.
No Estadão, um desses mestres esteve anos burilando os textos da primeira página, a mais nobre de todas.
Além de conhecer a língua portuguesa mais que qualquer professor, conseguia, com alguma pequena alteração, melhorar uma "chamada" que já estava boa.
E foi no Estadão que Raul Drewnick começou a publicar as suas deliciosas crônicas, que depois foram às páginas da Vejinha, viraram livros, e há alguns meses estão de volta ao vetusto diário, em sua versão eletrônica.
No meio dessa trajetória, Raul escreveu uma série de ótimos livros infanto-juvenis.
E teve ainda tempo para torcer, apaixonadamente, pelo seu Corinthians.
E de lançar e manter um blog que mostra de maneira inequívoca todo o seu talento literário.
Esse blog do Raul é qualquer coisa - nele há, atualmente, mais de 20 mil (!) postagens, cada uma melhor que a outra.
No Estadão, ele não deixa por menos.
A cada semana, ele brinda os internautas com uma joia.
Querem um exemplo?
Pois aí vai a última crônica do Raul no seu blog Escreviver.
Ela se chama "O Amor é uma Piada".
Quem ousa discordar do Raul?
Os disparates que em nome dele nós cometemos
Sou um tonto. Houve um tempo em que eu me achava um romântico. Nessa época, não percebi que esse romantismo era já um dos primeiros sinais de minha tontice. Se uma das tantas mulheres pelas quais me apaixonei desvairadamente me pedisse que lhe trouxesse a lua, eu lhe perguntaria: para quando você quer? E sairia já calculando quantas escadas precisaria emendar e quantos metros de corda usaria para puxar a lua aqui para baixo.
Felizmente as mulheres nunca me pediram a lua, embora me levassem a alma, e eu fui mantendo minha fama com as baboseiras de sempre: flores, cedês, sonetos de exóticas rimas.
Essa fama, que eu encarava como um troféu, era motivo de chacota para os outros. As flores que durante um mês eu mandei entregar na casa de Cássia ficaram célebres ali na Vila Hamburguesa, principalmente quando Cássia, depois de implorar inutilmente que eu parasse com aquilo, um dia espancou o garoto da entrega da floricultura com um buquê de espinhentas rosas.
E no Parque Edu Chaves ainda hoje se fala da fúria da minha adorável Magda ao acordar certa manhã e ver, num muro do outro lado da rua, a frase que um pichador por mim contratado escreveu em belíssimas letras vermelhas: te amo, Máguida.
Sou um tonto, não tem jeito, e falta-me imaginação. Acabo me repetindo, achando que um fracasso num lance amoroso nem sempre é prenúncio de outro. Agora mesmo, enquanto relembro assim meus infortúnios, me vem à cabeça uma séria indagação: será que funcionaria ainda contratar um aviãozinho para escrever amanhã com fumaça, ali na Vila Clementino, feliz aniversário, querida, para comover minha indiferente Vera? Será que o SPTV mandaria o Márcio Canuto lá? Dizem que o César Trali é um romanticão. Tentar não custa.
Motta
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