Carlos Motta
O Brasil é um dos alvos preferidos do soft power americano, esse jeitinho que os irmãos do norte encontraram para dominar o mundo sem a necessidade de gastar bilhões de dólares em armamentos e arriscar a vida de seus cidadãos em guerras sangrentas - se bem que eles não pensem duas vezes em fazer uso dessa alternativa quando não há outro jeito.
O soft power engloba uma série de ações nas quais os americanos se tornaram mestres. Elas vão desde o financiamento de entidades assistenciais à produção - e exportação - de produtos artísticos, filmes e música, principalmente.
A cultura americana, o famoso "american way of life", é a mais difundida, apreciada e invejada no mundo. Não à toa o sonho de nossa classe média é viver em Miami...
O Brasil hoje é uma colônia americana, pelo menos culturalmente. A língua inglesa invadiu todos os espaços, se incorporou ao vocabulário do dia a dia, há palavras em português que praticamente foram abandonadas: alguém fala "centro de compras" quando pretende ir ao shopping center, ou diz que vai "apagar" um "e-mail"?
São poucos os brasileiros que se propuseram a combater essa invasão. E quando o fizeram, foram tachados de folclóricos ou amalucados, foram vistos como uma excrescência em meio a um ambiente que cultua modismos alienígenas.
O saudoso Ariano Suassuna, por exemplo, apelava para o humor, em suas "aulas espetáculos", para tentar alertar a plateia sobre quão rico é o Brasil real e quão caricato é o Brasil oficial, esse que se entrega docilmente aos poderosos braços dos americanos do norte.
Outro valoroso combatente dessa causa quase perdida, a de preservar a rica cultura que os indígenas, portugueses e negros forjaram para dar forma à identidade nacional, é o pesquisador musical José Ramos Tinhorão, 90 anos recém-completados - nove décadas de vida que deveriam ser louvadas por todos aqueles que dizem ter orgulho de ser brasileiros.
Tinhorão, como Suassuna e alguns outros, vai lutando suas batalhas pouco se importando com o que falem dele - e falam, esses colonizados, cobras e lagartos.
Com mais de 30 livros que dissecam vários aspectos da história da música popular brasileira, Tinhorão ainda é visto, por porta-vozes do establishment cultural, como um exótico, intransigente e démodé "crítico" musical, função que deixou de exercer há décadas. Quando se fala dele é para lembrar suas opiniões cáusticas sobre a Bossa Nova, o Tropicalismo, a influência norte-americana na arte musical brasileira, enfim.
De fato, Tinhorão é radical quando se trata de defender a arte popular brasileira, a arte feita pelo povo, que nasce do povo.
Tinhorão, vale lembrar, é uma planta de folhagem exuberante, mas altamente tóxica - ou seja, ninguém brinca com ela.
É possível discordar de muitas das posições do pesquisador Tinhorão.
Mas é possível, também, afirmar que se o Brasil tivesse mais Tinhorões, ele não estaria mergulhado hoje nesta profunda crise, em todas as áreas, que envergonha todos os cidadãos com o mínimo de consciência social.