A política bancária e creditícia do socialdesenvolvimentismo em tudo se diferenciou da política praticada entre 1994 e 2002, quando o que se observava era a internacionalização e a desestatização do setor bancário.
O encolhimento do número de bancos privados nacionais veio acompanhado do aumento do número de bancos privados estrangeiros e da privatização dos bancos públicos estaduais, além do enxugamento dos federais. Nesse período, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) praticamente restringiu sua atuação ao financiamento de exportações, o Banco do Brasil (BB) encolheu enormemente o crédito do setor rural e a Caixa Econômica Federal (Caixa) viu estagnar o crédito para habitações. Não é exagero afirmar que o período foi marcado por uma política de crédito passiva.
Já entre 2003 e 2008, ainda que ajudado por uma conjuntura internacional favorável, o que se nota no Brasil é a renacionalização do sistema bancário. Nesse período, retomando a importância das políticas de crédito, o governo promoveu a melhora da relação entre o crédito bancário e o PIB por meio de uma série de incentivos macro e microeconômicos, estimulando desde a redução da taxa básica de juros até a regulamentação dos empréstimos consignados em folha de pagamento.
Mais ainda, graças à criação das contas simplificadas, à difusão dos correspondentes não bancários e à ampliação do acesso ao crédito popular, o número de contas correntes mais do que dobrou, enquanto o número de poupanças cresceu exponencialmente. O que se observa ao longo desse período é o aumento ininterrupto no número de agências e postos bancários e a difusão e o barateamento do crédito, com a inclusão de clientes de camadas sociais mais baixas.
Além disso, a partir de 2008 e adentrando o mandato da presidenta Dilma, já no contexto da crise financeira internacional, merecem destaque três iniciativas que restauraram a importância dos bancos públicos federais: o aumento do aporte financeiro disponível para a atuação do BNDES, o incremento do fomento para a agricultura apresentado pelo BB e a inauguração do programa habitacional para casas próprias da Caixa.
Vale mencionar a importância crescente dos bancos públicos estaduais e das agências de desenvolvimento.
Dessa vez, trata-se inequivocamente de uma política de crédito ativa e de criar o embate entre os limites do velho padrão rentista e patrimonial de acumulação e as possibilidades de um novo modelo de financiamento para o desenvolvimento.
Enquanto Dilma utilizou os bancos públicos como forma de pressionar as instituições financeiras privadas para a redução dos juros e do spread bancário, como já foi dito, nesse primeiro ano de governo golpista o BB e a Caixa passaram a cobrar juros mais caros em algumas linhas de crédito. Entre os cinco maiores bancos do país, o BB teve o maior juro no financiamento de veículos, enquanto a Caixa operou a segunda maior taxa no rotativo do cartão de crédito. Os bancos passaram a adotar o discurso de recomposição das receitas e de recuperação da rentabilidade e abriram mão das funções públicas e sociais dos bancos estatais.
Além disso, o BB anunciou uma reestruturação envolvendo a demissão de cerca de 18 mil funcionários, o fechamento de cerca de 402 agências, a transformação de 379 agências em postos de atendimento, além do encerramento das atividades de 31 superintendências.
A Caixa, por seu turno, estabeleceu como meta demitir em torno de 11 mil funcionários, com o encerramento das atividades em cerca de cem agências, além de estar preparando estudos para viabilizar em 2017 a abertura de capitais da empresa. O Programa Minha Casa, Minha Vida deve sofrer uma redução de 9% em 2017, ao mesmo tempo que abre uma nova linha de crédito para faixas de renda de R$ 9 mil. Por trás desse duplo movimento, é possível notar uma certa mudança no viés do programa, que passa a atender um número menor de pessoas de baixa renda e passa a ter um número maior de beneficiários de classe média.
O BNDES, por fim, passou por uma descapitalização, antecipando R$ 100 bilhões ao Tesouro. Além disso, o banco converteu o financiamento de grandes empresas em linhas de crédito para pequenas e médias empresas, e, mais ainda, o governo pretende converter a taxa de juros de longo prazo (TJLP) em uma taxa normal de juros de mercado. Isso significa um encarecimento de cerca de 30% da TJLP, decisão que deve impactar negativamente o investimento em capital fixo no país.
A prioridade do financiamento de longo prazo e do investimento industrial tem sido paulatinamente substituída pela priorização da operacionalização das privatizações e concessões.
O que se observa, em suma, é um movimento duplo: em primeiro lugar, trata-se de diminuir o ativismo estatal dos bancos públicos federais, por meio de privatizações e enxugamentos na estrutura das instituições e nas ofertas de créditos por elas promovidas; em segundo lugar, busca-se alterar o perfil do público beneficiário desses créditos, como fica evidente no caso da Caixa, que diminui o volume global de crédito e incorpora uma fatia destinada a atender a classe média. Algo análogo ocorre com o BNDES: diminui-se o total de crédito ofertado e o financiamento decrescente de grandes empresas passa a ombrear com o financiamento crescente de pequenas e médias empresas.
Essas duas medidas acima apontadas, nas suas entrelinhas, denunciam o viés político-econômico do governo Temer, que envolve a priorização da classe média (e não das camadas populares e trabalhadoras) e a associação com o capital financeiro internacional (mais do que com o próprio capital produtivo nacional).
Trata-se, portanto, de uma reversão à lógica neoliberal, em detrimento da distribuição de renda por meio do fortalecimento da ampliação do crédito para as camadas populares e em detrimento da soberania nacional por intermédio do fortalecimento do financiamento de longo prazo para o que ainda resta do capital produtivo nacional.
Na passagem de 2016 para 2017, os bancos públicos constituíram a última fronteira das investidas do governo Temer contra a estrutura do Estado. Em qualquer circunstância essa postura seria contestável, mas ela se torna ainda mais danosa quando levada a cabo em um cenário de recessão econômica, queda dos investimentos, retração do consumo e instabilidade da economia internacional. Sem a ampliação do crédito e do financiamento com juros justos, tanto na Selic quanto na TJLP, e sem a utilização dos bancos públicos como mecanismos anticíclicos e distributivista, a recuperação econômica torna-se ainda mais improvável nesse ano que se inicia. (Boletim de Análise de Conjuntura/Fundação Perseu Abramo)