Por Moisés Rabinovici, de São Paulo:
O segredinho diplomático que esqueci por 34 anos pode agora ser revelado. Nem é tão importante assim, mas revelador das relações “envergonhadas” ou embaraçosas entre o Brasil e Israel.
Senti-me desobrigado com a confidencialidade ao ler nas memórias do embaixador brasileiro em Tel-Aviv, Vasco Mariz, o relato do que me pediu, em segredo, em 1982, em sua casa de Herzilya.
Preocupado, o embaixador Mariz, renomado musicólogo, contou que o decano dos embaixadores em Israel, o americano Samuel Lewis, estava voltando para os Estados Unidos, chamado para assumir o posto de assistente direto do secretário do Departamento de Estado, Alexander Haig.
“Então, serei eu o decano. Já pensou?” – ele perguntou.
O decano é convidado permanente a todas as recepções oficiais do governo, faz discursos e ganha muita visibilidade. Aí o problema: ser destaque em Israel não era do interesse do Itamaraty e exporia o Brasil ante seus amigos árabes.
“Já pensou o Brasil fazendo as honras ao primeiro-ministro sul-africano Pieter Willem Botha, um símbolo do apartheid?”
O que o embaixador Mariz queria era uma notícia de que ele deveria ser o próximo decano em Israel. Assim foi publicado. O Itamaraty agiu mais que rapidamente, trazendo-o de volta ao Brasil. Amigos como Moshe Dayan, Yitzhak Rabin e jornalistas israelenses lamentaram a partida. O ex-chanceler Abba Eban soube dessa saída à francesa e a deplorou em um livro.
Foi, literalmente, uma saída à francesa. Da mesma forma como o americano Lewis informou a Mariz do decanato que lhe caberia, Mariz ligou para o embaixador francês Marc Bonnefous, o terceiro da lista dos mais antigos.
“Vou falar hoje mesmo com Paris” — disse-lhe Marc, alarmado.
A fila andou para o quarto potencial decano, o embaixador da Suíça. Já ao telefone com Mariz, ele afirmou: “Impossível! Os interesses bancários suíços vão exigir que saía também”. Com o quinto embaixador, o da África do Sul, não houve problema algum. Ao contrário, ele até ficou contente, porque as relações entre os dois países iam muito bem.
O Brasil sempre se manteve low profile nas relações com Israel. Não mais, desde Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia Geral da ONU que votou a partilha da Palestina, em 1947, um brasileiro teve algum protagonismo entre os israelenses. A não ser cantores. Em suas memórias, o embaixador Mariz não conta que pediu a notícia no jornal, que era de verdade uma notícia, não um favor, mas que falou diretamente com o chanceler Saraiva Guerreiro.
Moisés Rabinovici, jornalista e grande repórter, correspondente durante muitos anos do Estadão em Israel, redator da Agência Estado, diretor dez anos do Diário do Comércio de São Paulo, até o fechamento da edição papel do jornal pela Associação Comercial de São Paulo.
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