Por Appólo Natali, de São Paulo:
É a fêmea que caça o macho, como se vê na natureza e na espécie humana. É o macho que mais se enfeita, assume ares de fortão, valentão, se arrepia, se espicha todo para ser escolhido pela fêmea. O pavão vira um pirado como o personagem zé bonitinho da TV para atrair a pavoa. Algumas aves machos se transformam em levíssimos dançarinos russos para fazerem pose para as fêmeas. Macacos se pegam no tapa na disputa pela macaca. O que não brigam os machos na África, por uma fêmea. O gato, para ganhar a gata, solta a madrugada inteira aquele conhecido gemido, sofrido, prolongado, rouco, choroso. Eu te queeeeeeero, gatinha!
Vi na TV uma vez dois passarinhos num galho um procurando saltar mais alto que o outro para agradar a passarinha, uma bela rapariga em outro galho, bem vestidinha, em compasso de espera, só olhando. Para cima, para baixo, para cima, para baixo, me escolhe, me escolhe. Meia hora pulando, os dois ficaram com a língua de fora, por assim dizer. Ela olhou para eles, cansados, balançou o bico em desaprovação e foi embora, parecendo dizer: são dois idiotas. Exemplo de ciúmes entre os bichos presenciei quando eu morava na Rua São Pompônio, na Mooca, em São Paulo. Tínhamos um galinheiro. A galinha saiu de fininho e foi para a rua, saltitando com seu provocante andar feminino. Nem chegou a aprontar. Voltou apanhando do galo. Ele tinha topetão, era grandão, valentão. Como elas gostam.
Entre os machos humanos, ai daquele que não é o tipo que todas as moças gostam. Pobre, honesto, sem topete, está morto. As disputas do macho humano pela fêmea humana escrevem a própria história do mundo. Coitado de quem não entende as mulheres. Eu não entendo as mulheres. No máximo me espicho para entender apenas um ou outro mistério da vida. Escrevo aqui um tipo especial de choradeira dos humanos, quando são rejeitados pela fêmea. É uma música bem antiga, o nome do autor eu não lembro. O pobre do macho não escolhido chora assim: soltei meu primeiro pombo correio com uma carta para a mulher que me abandonou, soltei o segundo o terceiro o meu pombal terminou ela não veio e nem o pombo voltou, depois que aquela mulher me abandonou minha vida desandou: o canário morreu, a roseira murchou, o papagaio emudeceu, o cano de água furou e até o Sol por pirraça invadiu minha vidraça e o retrato dela desbotou.
Derramar lágrimas mesmo é com este outro chorão aqui: tu me mandaste embora eu irei, mas comigo também levarei o orgulho de não mais voltar, mesmo que a vida se torne cruel e se transforme em uma taça de fel, este trapo tu não mais verás, eu irei com o meu dissabor com a alma partida de dor procurando esquecer, Deus sabe bem quem errou de nós dois e dará o castigo depois, o castigo a quem merecer. Ao rejeitado, o choro. Ao escolhido, ela! Ela, sempre ela, eu não vivo o meu caminho eu vivo o caminho dela, chorou musicalmente um dia um outro grande chorão.
Mas com os vaga-lumes do sudeste da Ásia não tem choro. A lua de mel deles é um evento. Nenhum é rejeitado. Vão direto ao assunto. Com a corda toda para ganhar suas mulheres – as vaga-lumas – eles viram mágicos. Encenam um espetáculo que não se vê nem nos teatros e grandiosas casas de diversões de Nova Iorque. Grupos de milhões e milhões de vaga-lumes casadoiros, dotados de uma montanha de bagagem erótica, mantêm-se apinhados em volta das árvores nas florestas e nas cidades e de repente, sem nenhum maestro a comandar, começam a acender e apagar suas luzes ao mesmo tempo, numa sincronia perfeita.
O enxame global parece uma Lua cheia, vira uma luz pulsante, tremeluzente, visível a quilômetros de distância. Os vaga-lumes se iluminam coletivamente para avisar as fêmeas que a sua beleza e sua macheza estão à disposição. Elas entendem. As piscadelas das suas luzes libidinosas em forma de um gigantesco letreiro luminoso avisam onde vai ser realizada a balada. As vaga-lumas, ofuscadas pelo chamamento, abandonam pai e mãe e vão em desabalada carreira. Hora de ir para a cama para o ato mais gostoso do mundo.
Todos os vaga-lumes baladeiros pensam da seguinte maneira, se é que vaga-lume pensa: assim que meu vizinho ligar sua luz, vou também ligar a minha. Vamos atrair mais fêmeas com nosso espetáculo de luzes extasiantes e assim nos reproduziremos mais do que os vaga-lumes comuns. Deixamos muito mais descendentes que os outros. Para montar nosso painel eletrônico e atrair as fêmeas e com elas todas fazermos mais e mais amor, ficamos encostadinhos uns nos outros, nos conectando em rede, como os computadores na internet. Isso foi descoberto pelos humanos em meio a estudos de um novo ramo da ciência humana, a nova ciência das redes de comunicação. A parte dos vaga-lumes desta historinha foi por mim copiada e romanceada de reportagem do jornalista Alexandre Versignassi, no número de agosto de 2013 da revista Super Interessante. O resto, do começo ao fim, é invenção minha, o que inclusive pode também ser considerada choradeira de minha parte pela ingrata que me rejeitou. É invenção minha também o que acrescento com este meu desfecho.
Desde o comecinho da criação do mundo, e dois séculos antes de Benjamin Franklin ter descoberto a eletricidade, e de Thomas Edson acender a primeira lâmpada ao custo de mais de cinco mil sofridas experiências, os vaga-lumes já acendiam sua luz. Foram os pioneiros da luminosidade, embora com finalidades excusas. Isso Alexandre Versignassi esqueceu de dizer. Não esqueceu de segredar que os vaga-lumes baladeiros são os mais bem dotados. Cada um tem duas luzes enormes na tomada elétrica. Resistir, quem há de, se rendem as vaga-lumas. Eu também quero ser vaga-lume.
Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmete para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.