Por Apóllo Natali, de São Paulo:
Há meia dúzia de anos, Francis Gurry, então cabeça da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, anunciava essas profecias e falou: “Os jornais no formato como os conhecemos hoje, vão desaparecer até 2040. Até essa data, todos os países do mundo devem fazer a transição do papel para o meio digital”. Gurry dizia que os sinais da mudança já então se faziam presentes, como no fato de que as vendas de versões digitais de jornais superavam as ocorridas em bancas”.
Outro necrólogo dos jornais, Philip Meyer, professor da Universidade da Carolina do Norte, em seu livro The Vanishing Newspaper, prevê mais 30 anos de vida para os jornais. Ele preconiza que de todos os meios antigos, os jornais são os que têm mais a perder para a internet, e acredita, diferente de Francis Gurry, que o primeiro trimestre de 2043 é que será o momento em que o jornal impresso morrerá nos Estados Unidos, “quando o último leitor estiver cansado e colocar de lado a última edição amarrotada”.
O modelo de negócios da imprensa escrita está implodindo, prevê a necrologia dos jornais impressos, na medida em que os leitores jovens vão atrás de notícias nos tablóides gratuitos e na mídia eletrônica. E a internet, com sua vastidão, energia e imediatismo, parece mesmo capaz de derrubar o velho e sonolento jornal impresso.
No Brasil, à parte jornais influentes assassinados pela ditadura militar implantada em 1964, como o sólido Correio da Manhã, por exemplo, a mortandade impressa por motivos naturais já chegou. Um dos mais importantes jornais do país, o Jornal do Brasil, antes de estrebuchar de uma vez por todas promoveu, inutilmente, uma radical reforma gráfica, que trouxe como grande novidade um novo formato, o berliner, meio termo entre o tablóide e o tamanho convencional, o standard. Seguia receita usada por tradicionais periódicos europeus. Prático de manusear e carregar, mais agradável aos olhos das novas gerações, esse tratamento intensivo ao paciente terminal não deu sobrevida nem a jornais bicentenários pelo mundo, que acabaram fechando.
Outro cadáver, o do Jornal da Tarde, do Grupo Estado, em São Paulo, foi sepultado no final de 2012. O motivo de sua morte, segundo seu criador, Mino Carta, é que perdeu a sua própria razão de ser. “Toda a imprensa brasileira decaiu, mas a morte do jornal há de ser vista como conseqüência fatal da decadência do jornalismo impresso, cercado por forças novas, encaradas com perplexidade por este velho profissional, incapaz de imaginar o desfecho disso tudo”.
Uma das “forças novas” por enquanto ainda imperceptível, a cercar o jornalismo impresso e a minar suas forças, não é digital e sim ideológica. Para o professor Perseu Abramo, em “Padrões de Manipulação da Grande Imprensa”, Editora Fundação Perseu Abramo, o jornalismo precisa se libertar de seu pior inimigo, que é a própria imprensa, tal como ela existe hoje. O que é um jornal? Um punhado de cidadãos com dinheiro para comprar impressoras e montar infraestrutura de redação e distribuição para publicar o que eles querem que o público leia, e não publicar o que eles não querem que o público leia, para o bem de seus próprios interesses econômicos, políticos e ideológicos. Em uma palavra, manipulação das consciências. Perfeitamente democrático. Perfeitamente amoral. Abramo profetiza uma tendência histórica futura, na verdade pressentida atualmente, estando já nestes novos tempos a vampirizar as jugulares dos jornais.
A tendência é a de que as classes dominadas não mais teriam motivos para acreditar ou confiar na imprensa, em papel ou digital, e seguir suas orientações. “Passariam a intensificar sua postura crítica, sua análise de conteúdo e forma, diante dos órgãos de comunicação. Por meio de seus setores mais organizados, contestariam as informações jornalísticas, fariam a comparação militante entre o real acontecido e o irreal comunicado, fariam a denúncia sistemática da manipulação e da distorção. Tomariam como uma de suas principais tarefas de luta a desmistificação organizada da imprensa e das empresas de comunicação”.
Enquanto isso, ao redor das tumbas dos jornais finados, ecoam os sussurros da fascinante história da imprensa escrita. Começamos com a invenção do papel, pelos chineses, no ano 106. Passamos pela prensa de Gutenberg em 1438 e tivemos na Revolução Francesa o maior impulso de um dos mais antigos métodos de impressão, a tipografia, com a publicação de 1.500 títulos na época, duas vezes mais que nos 150 anos anteriores a 1789. Inventamos, durante passados 575 anos, desde o surgimento da prensa, velocíssimos, nítidos e econômicos métodos de impressão em superfícies lisas ou não, chamados, entre outros, de off-set, flexografia, rotogravura, litografia, tampografia, xerografia.
Chegamos no ano de 2006 e resolvemos diminuir o tamanho do velho jornalão, que ora xingamos de mastodonte. Os primeiros de menor tamanho circularam e ainda circulam pelo mundo e também no Brasil, denominados padrão berliner, imagens e textos curtos pipocando em seu formato de 47 x 37,5 centímetros, um pouco menor que o tablóide.
Ingressamos na era do plasma, um pedaço de papel eletrônico, espécie de plástico dobrável, para pôr no bolso. Uma tela portátil, denominada e-reader, de 12,2 por 16,3 centímetros. Impresso e alimentado via internet sem fio, a rotatividade das notícias é monitorada via digital. Encostamos a ponta da unha e pronto, temos sempre novas e novas notícias. Não há jornal impresso que resista ao furacão de avanços tecnológicos a que chegamos neste século 21 e das tempestades eletrônicas que se avizinham. Os avanços ideológicos nas classes dominadas, esses igualmente carregam a alça do esquife dos jornais impressos rumo ao cemitério.
Apóllo Natali foi o primeiro redator da antiga Agência Estado, foi redator da Rádio Eldorado, do Estadão e do antigo Jornal da Tarde. Escreve atualmete para diversos sites e blogs de notícia, como o Observatório da Imprensa.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.