A maldição do pensamento único mostra soberano desdém aos efeitos negativos em termos de aquecimento global, devastação de ecossitemas, escassez de água potável e outros
Por Leonardo Boff – do Rio de Janeiro:
Sigo com atenção as análises econômicas que se fazem noBrasil e pelo mundo afora. Com raras e boas exceções, a grande maioria dos analistas são reféns do pensamento único neoliberal mundializado. Raramente fazem uma auto-crítica que rompa a lógica do sistema produtivista, consumista, individualista e anti-ecológico.

Com raras e boas exceções, a grande maioria dos analistas são reféns do pensamento único neoliberal mundializado
E aqui vejo um grande risco seja para biocapacidade do planeta Terra seja para a subsistência da nossa espécie. O título do livro de Jessé Souza A tolice da inteligência brasileira(2015). Inspirou o título de minha reflexão: A tolice das análises econômicas atuais.
Meu sentido do mundo me diz que se não tomarmos absolutamente a sério dois fatores fundamentais. Podemos conhecer cataclismas ecológico-sociais de dimensões dantescas. O fator ecológico, de teor mais objetivo e o resgate da razão sensível de viés mais subjetivo.
Quanto ao fator ecológico: em sua grande maioria a macroeconomia ainda alimenta a falsa ilusão de um crescimento ilimitado. No pressuposto ilusório de que a Terra dispõe de recursos igualmente ilimitados. Possui ilimitada resiliência para suportar a sistemática exploração a que é submetida.
A maldição do pensamento único mostra soberano desdém aos efeitos negativos em termos de aquecimento global. Devastação de ecossitemas, escassez de água potável e outros, tidos como externalidades. Vale dizer, dados que não entram na contabilidade das empresas. Esse passivo é deixado para o poder estatal resolver.
Lucro
O que deve ser garantido de qualquer forma é o lucro dos acionistas e a acumulação de riqueza em níveis inimagináveis que deixaria Karl Marx enlouquecido.
A gravidade reside no fato de que as instâncias que se ocupam com o estado da Terra, por parte dos organismos mundiais. Como a ONU ou mesmo nacionais que denunciam a crescente erosão de quase todos os itens fundamentais para a continuidade da vida (uns 13). Não são tomados em conta. A razão é que são anti-sistêmicos, prejudicam o crescimento do PIB e os ganhos das grandes corporações.
Os cenários projetados por sérios centros de pesquisa são cada vez mais perturbadores. O aquecimento, por exemplo, não cessa de aumentar como se afirmou agora em Marrakesch na COP 22.
A temperatura global de 2016 ficou 1,35 C acima do normal para o mês de fevereiro, a mais alta dos últimos 40 anos. Os próprios cientistas como David Carlson da Organização Meteorológica Mundial, uma agência da ONU, declarou. “Isso é espantoso…a Terra certamente é um planeta alterado”.
Tanto a Carta da Terra quanto a encíclica do Papa Francisco Laudato Si. Como cuidar da Casa Comum alertam sobre os riscos que a vida corre sobre o planeta. A Carta da Terra (grupo animado por M. Gorbachev, do qual tenho participado) é contundente. Ou formamos uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros. Ou arriscamos a nossa destruição e a da diversidade da vida”.
Debates
Nos debates sobre economia, em quase todas as instâncias, os riscos e o fator ecológico sequer são nomeados. A ecologia não existe, mesmo nas declarações do PT. Nas quais a palavra ecologia sequer aparece. E assim, gaiamente, poderemos trilhar um caminho sem retorno. Por ignorância, irresponsabilidade e cegueira produzida pela volúpia da acumulação de bens materiais.
Donald Trump declarou que o aquecimento global é um embuste e que cancelará o acordo de Paris, já assinado por Obama. Paul Krugman, Nobel de economia, já alertou que tal decisão poderá significar um grave dano aos USA e ao planeta inteiro.
Conclusão: ou incorporamos o dado ecológico em tudo o que fizermos, ou então nosso futuro não estará garantido. A estupidez da economia só nos cega e nos prejudica.
Mas esse dado científico, fruto da razão instrumental analítica, não é suficiente. Pois ela friamente analisa e calcula e entende o ser humano fora e acima da natureza que pode explorá-la a seu bel-prazer.
Temos que completá-la com o resgate da razão sensível, a mais ancestral em nós. Nela reside a sensibilidade, o mundo dos valores, a dimensão ética e espiritual. Ai residem as motivações para cuidarmos da Terra. E nos engajarmos por um novo tipo de relação amigável com a natureza. Sentindo-nos parte dela e seus cuidadores, reconhecendo o valor intrínseco de cada ser. Inventando outra forma de atender nossas necessidades e o consumo com uma sobriedade compartida e solidária.
Temos que articular os dois fatores: o ecológico (objetivo) e o sensível (subjetivo). Caso contrário dificilmente escaparemos, mais cedo ou mais tarde, da ameaça de um colapso do sistema-vida.
Leonardo Boff é teólogo, escritor e professor universitário, expoente mundial da Teologia da Libertação.
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