Por Redação, com DW – de Bruxelas:
Desde o surgimento do “Estado Islâmico” (EI), a Bélgica encabeça a lista de países europeus com proporcionalmente mais cidadãos recrutados para as fileiras do grupo jihadista. As autoridades do país estimam que mais de 450 belgas partiram para a Síria e outros centros do EI. Considerando o tamanho da população do país, de 11 milhões, o número é o dobro do registrado na vizinha França e o quíntuplo do verificado na Alemanha.
Quem é o responsável pela segurança da capital da Bélgica, Bruxelas, a cidade apontada como o local de origem de alguns dos terroristas que executaram os atentados em Paris? A pergunta é simples. A resposta, nem tanto.
No meio dessa equação preocupante está Bruxelas, que já vem recebendo por parte da imprensa europeia o apelido de “capital da Jihad” e “celeiro do terrorismo”. Com cerca de 1,2 milhão de habitantes, Bruxelas está longe de ser uma das maiores metrópoles da Europa, mas tem uma estrutura municipal e política extremamente complicada, e críticos do sistema apontam que esse enrosco dificulta os esforços para melhorar a segurança e combater o terrorismo.
– Em termos de segurança, Bruxelas é um exemplo perfeito de verdadeiro caos – afirmou o prefeito de Vilvoorde, Hans Bonte, à rede de TV RTBF. Sua cidade nos arredores da capital também já foi apontada como um epicentro de terrorismo, mas desde janeiro tem liderado esforços para erradicar o problema.
Dezenove prefeituras
Bruxelas não tem uma administração centralizada, mas um total de 19 communes, extremamente autônomas e que dispõem de seus próprios prefeitos, vereadores e regras locais. Alguns dos conselhos municipais dessas áreas contam com até 50 membros.
Aos prefeitos, cabe administrar não apenas a educação e os bens públicos, mas também manter a segurança em suas áreas. E muitas vezes suas administrações dependem de coalizões frágeis para se manter no poder. Entre essas prefeituras está a de Molenbeek , apontada por órgãos de inteligência como o local de concentração de muitos terroristas que atacaram Paris.
Toda a área que compreende as prefeituras é, em princípio, comandada por uma espécie de primeiro-ministro, mas na prática ele têm pouco poder, e a questão da segurança não faz parte das suas atribuições.
Para complicar ainda mais, também existe a figura de um governador para toda a área, uma função burocrática que representa os interesses do governo federal na região. Por fim, a capital ainda tem três comissões para atender suas comunidades linguísticas em assuntos como educação e cultura, cada uma com seu próprio parlamento.
Seis departamentos de polícia
Essa fragmentação também se estende à polícia local. A cidade não possui um departamento de polícia, mas seis, todos independentes, cujas zonas de atuação se estendem por várias prefeituras. O efetivo policial total da área da capital inclui 5 mil homens, só que eles não respondem a um comando unificado, mas a seis colégios formados pelos prefeitos que estão na área de cada uma das zonas de atuação, e esses prefeitos têm interesses que muitas vezes não coincidem, além de serem rivais no plano federal (vários deles também são deputados).
Há também outros complicadores, como o fato de a vigilância no interior dos trens de Bruxelas ser uma atribuição da polícia federal e o policiamento das estações de trem ser responsabilidade das polícias locais.
As próprias autoridades belgas reconhecem as dificuldades. “O fato de a política e a polícia de Bruxelas serem mais divididas do que seria aconselhável numa cidade desse tamanho cria problemas adicionais para a vigilância”, afirmou o Ministro da Justiça, Koen Geens, à rede CNN.
– Temos 1,2 milhão de habitantes e seis departamentos. Nova York, com seus 11 milhões de habitantes, tem só um – disse o ministro o Interior, Jan Jambon, ao site Politico, apenas dois dias antes dos ataques em Paris. A cidade também não conta com uma divisão antiterrorista, a exemplo de outras grandes cidades, incluindo Nova York.
Tudo em duas línguas
Outras peculiaridades do Estado belga, tradicionalmente dividido entre os valões no sul, que falam francês, e os flamengos no norte, falantes do holandês, também jogam contra a eficiência da polícia local.
Como Bruxelas é oficialmente considerada uma área bilíngue franco-flamenga (embora a maioria da população fale francês), é exigido que os policiais também sejam fluentes nas duas línguas. Segundo a imprensa belga, isso dificulta o recrutamento local. Consequentemente, a maioria dos policiais de Bruxelas vem de outras cidades e não está tão familiarizada com as comunidades locais. Segundo um censo elaborado este ano, apenas 8% dos policiais são originários das zonas em que atuam.
Recentemente, Jambon (que é também um nacionalista flamengo) propôs trazer policiais do Marrocos para ajudar a combater a criminalidade entre as comunidades estrangeiras. A proposta irritou a presidente do Parlamento Francófono de Bruxelas, Julie de Groote. “Em vez de trazer policiais marroquinos para nos mostrar como agir em nossos bairros, deveríamos atuar para que a polícia reflita a composição da população bruxelense”, afirmou Groote à imprensa belga no mês passado.
Vários políticos já propuseram uma unificação dos seis departamentos de polícia da capital, entre eles o ministro do Interior, mas, novamente, a iniciativa esbarra nas divisões do Estado belga. O movimento de unificação é liderado pelos partidos da região de Flandres, de maioria flamenga. Os políticos francófonos de Bruxelas são contra a unificação por temerem perder sua autonomia regional. A divisão linguística também obriga que todos os documentos usados pelas policiais sejam traduzidos, uma tarefa que só aumenta a burocracia.
A polícia federal, que em princípio deveria liderar os esforços contra o terrorismo, também passa por dificuldades, como a falta de recursos e de coordenação com as polícias locais, segundo a imprensa belga. Segundo um relatório oficial divulgado em outubro pelo Comitê P, órgão parlamentar responsável pelo controle dos policiais do país, a unidade antiterrorista da Polícia Federal contava com apenas um funcionário, e ainda por cima em meio-período, para monitorar a Internet do país em busca de mensagens com conteúdos terroristas. Em resposta, Jambon anunciou que vai contratar mais dez pessoas.
– Precisamos de mais oficiais de inteligência, e não de policiais – afirmou à revista Der Spiegel Ahmed El Khannouss, vice-prefeito de Molenbeek. “É preciso saber exatamente quem se radicalizou para poder intervir na fase inicial.”
Na entrevista à CNN, Geens também afirmou que a luta contra o terrorismo em Bruxelas não passa apenas pela criação de novos órgãos policiais, mas pela cooperação e melhoria de eficiência da polícia local. “A criminalidade corriqueira não tem nada a ver com o terrorismo, mas a falta de ação está colaborando para um mercado de armas e papéis e passaportes falsos em lugares como Molenbeek e precisamos combater essas coisas com a ajuda dos órgãos locais”, afirmou.