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Cardeal Paulo Evaristo Arns, amigo do povo, morre aos 95 anos

14 de Dezembro de 2016, 14:06 , por Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Padre, bispo e cardeal, dom Evaristo sempre lutou ao lado dos oprimidos. Em sua passagem por esse mundo, viveu pela liberdade, ao lado dos trabalhadores

Por Redação – de São Paulo

Arcebispo emérito de São Paulo, o cardeal Paulo Evaristo Arns morreu, aos 95 anos, no final da manhã desta quarta-feira. Dom Evaristo estava internado no Hospital Santa Catarina, na capital paulista, desde o último dia 28 devido a complicações pulmonares. Há alguns dias, sofrera uma piora em sua função renal e foi encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Homem justo e bondoso, o catarinense de Forquilha, ao longo da vida, recebeu o reconhecimento dos brasileiros. Ficou conhecido como o cardeal da cidadania, da liberdade, dos trabalhadores; bispo dos oprimidos, dos presos, bom pastor. Guardião dos direitos humanos ou, simplesmente, “amigo do povo”, como ele disse que gostaria de ser lembrado.

Arcebispo emérito de São Paulo, o cardeal Paulo Evaristo Arns morreu, aos 95 anos

Arcebispo emérito de São Paulo, o cardeal Paulo Evaristo Arns morreu, aos 95 anos

Padre, bispo e cardeal, dom Evaristo sempre lutou ao lado dos oprimidos. Em sua passagem por esse mundo, viveu pela liberdade, ao lado dos trabalhadores. Assumiu a defesa dos direitos humanos e subiu morros, favelas, periferias. Nunca desviou o olhar para os generais, durante a ditadura militar, mesmo nos tempos mais graves. Saiu em defesa dos defensores da democracia, fossem eles políticos, religiosos, operários, advogados, jornalistas.

Após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nos porões do DOI-Codi, em 1975, rezou na Catedral da Sé um culto ecumênico que, ao lado de milhares de pessoas, transformou o ato de fé em um dos atos públicos mais significativos da luta contra o regime militar instalado há uma década. Em suas memórias, a mãe foi descrita como santa e o pai, um ídolo, o “herói anônimo da não violência” e fonte de inspiração para uma vida inteira de dedicação.

Descendente de alemães, certa feita, colocou-se entre irmãos, armados, para evitar um banho de sangue no armazém, de propriedade da família, no interior de Santa Catarina. A coragem, a liderança e o amor à Democracia foram valores que dom Paulo Evaristo herdou do pai, em cujos exemplos, conta, baseou-se para implantar uma gestão participativa na Arquidiocese de São Paulo. Da mãe, herdou a profunda religiosidade que o acompanharia até o último suspiro.

Foi um estudioso incansável da Teologia, especializando-se na patrística (a história e a filosofia dos primeiros séculos do cristianismo). “Foi um homem culto”, disse o jornalista e escritor Pedro Del Picchia, em artigo publicado apenas algumas horas após a morte do cardeal.

“O amor à cultura também vem da infância, por influência de dois tios, Adolfo e Jacó, professores em Forquilhinha e declaradamente seus mais queridos mestres.

Calçou sapatos pela primeira vez aos oito anos -antes, só tamancos- e assim que conseguiu convencer seu pai, que o queria como sucessor à frente do armazém da colônia, partiu para a o seminário menor franciscano de Rio Negro, no Paraná, em 1934. De lá seguiu para Rodeio, Santa Catarina. Em seguida, transferiu-se para o seminário de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde foi ordenado sacerdote em 1945”, lembra o escritor.

Leia, adiante, os principais trechos do artigo:

“Escolhido por seu superior para estudar teologia, embarcou para a França, aportando na prestigiosa Sorbonne do pós-guerra.

“Lá se dedicou também ao estudo de línguas e recebeu o título de doutor, em 1952.

“No mesmo ano voltou ao Brasil, lecionou em instituições franciscanas e dedicou-se a escrever livros e artigos, tornando-se jornalista profissional.

Trabalhou, então, como vigário nos subúrbios de Petrópolis, onde foi à luta organizando a população das favelas locais.

Inspirou-se em ensinamentos tirados da infância: “O povo é a família do padre (…). E o padre (…) não é fujão nem frouxo”.

Vanguarda

“Nomeado bispo em 1966, por decisão pessoal do papa Paulo 6º, a quem conhecera em Roma, voltou à terra natal para ser ordenado ao lado dos colonos de Forquilhinha.

“A seguir assumiu a função de bispo auxiliar de São Paulo, por uma improvável escolha do cardeal Agnelo Rossi, alinhado à ala conservadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

“Como bispo auxiliar da região norte da maior cidade brasileira, começou a visitar os presos comuns no Carandiru e, por designação do cardeal, foi ao presídio Tiradentes saber das condições de um grupo de frades dominicanos encarcerados por motivos políticos, entre eles frei Betto e frei Tito.

“Constatou que foram torturados e encontrou Tito esvaindo-se em sangue. Voltou ao cardeal e relatou o que viu. Para sua surpresa, como relata em “Da Esperança à Utopia”, ouviu de seu superior: “Muito obrigado dom Paulo, (…) mas outros me garantem que não há tortura nas nossas prisões”. Ele nunca criticou publicamente dom Agnelo pela declaração.

“Mas a partir desse batismo de sangue, assumiu em São Paulo a vanguarda da luta pelos direitos humanos e pela defesa dos presos políticos. Em outubro de 1970, foi designado titular do arcebispado em substituição ao cardeal Rossi, que foi servir em Roma. Outra vez, uma escolha pessoal de Paulo 6º, o papa que dom Paulo mais admirou e de quem se aproximara em passagens de estudos pelo Vaticano.

“À frente da Igreja de São Paulo, aplicou ensinamentos do Concílio Vaticano 2º e transformou em ações concretas a opção preferencial pelos pobres afirmada na Conferência Episcopal de Medellín, Colômbia, em 1968.

Evangelização

“Começou a gestão vendendo o imponente palácio episcopal. Com o dinheiro, comprou terrenos em bairros populares para construir centros comunitários e instalações religiosas modestas, dando início à “Operação Periferia”.

“Jogou os costumes principescos de seus antecessores pela janela. Surpreendeu os religiosos que o serviram na Cúria paulista ao sentar-se com eles às refeições.

Inspirou-se no que ouviu do pai ao contar-lhe que queria ser padre: [você] “sempre será filho de colono e de seu povo”.

“Agindo como tal, investiu em trabalho comunitário, foi às periferias, voltou-se para os migrantes e espalhou Comunidades Eclesiais de Base pelos quatro cantos da cidade.

“Ao mesmo tempo, revitalizou o estudo doutrinário entre os religiosos e fez da evangelização um objetivo constante em todas as ações da Arquidiocese, até nos presídios.

“São dessa época seus grandes confrontos com os generais da ditadura. Enfrentou os sucessivos comandantes do 2º Exército (hoje Exército do Sudeste), sediado em São Paulo, e até presidentes da República.

“Num encontro com o presidente Emílio Garrastazu Médici, a conversa encerrou-se aos berros. Foi Médici quem decretou, depois, em 1973, a cassação da rádio Nove de Julho, tradicional emissora da igreja em São Paulo.

Ditadura

“Do mesmo modo, desafiou as autoridades civis de São Paulo, de governadores afinados com a ditadura a secretários de Segurança e delegados de polícia, tentando preservar a vida e assegurar os direitos fundamentais dos presos políticos.

“Com base no exemplo de Paulo 6º no Vaticano, reproduziu na Arquidiocese de São Paulo a Comissão Justiça e Paz, em 1972, indo buscar o jurista Dalmo de Abreu Dallari para ser seu primeiro presidente. Paulo 6º declaradamente o admirava e, no consistório de 1973, elevou-o a cardeal.

“Sem perder o foco na ação propriamente religiosa de que pouco se fala, usou a nova insígnia papal para se contrapor aos desmandos da repressão política. Apoiou decididamente o procurador de Justiça Hélio Bicudo em sua luta contra o Esquadrão da Morte -quadrilha policial de assassinos de que fazia parte um notório torturador e ícone da ditadura, o delegado Sergio Paranhos Fleury.

“Foi a Comissão Justiça e Paz que publicou nos anos 70 o livro de Bicudo sobre o Esquadrão, recusado por editoras comerciais.

No período sofreu ameaças e calúnias —como denúncias anônimas tachando-o de homossexual. Sobre isso jamais se pronunciou, demonstrando absoluto desprezo por seus detratores.

Herzog

“Mas admitiu ter sido informado de que o acidente de automóvel que sofreu no Rio de Janeiro fora na verdade um atentado à sua vida.

Sobreviveu e ainda bateu muito na ditadura -por exemplo, patrocinando a publicação “Brasil: Nunca Mais”, sobre os mortos e desaparecidos na ditadura militar. Apanhou também.

“Um dos animadores de suas organizações de base, o operário Santo Dias, presidente da Pastoral Operária, foi assassinado pela polícia com um tiro nas costas durante uma manifestação popular.

“O nome do operário -“cuja sorte foi a mesma de Jesus Cristo pregado na cruz”, nas palavras de dom Paulo- tornou-se mais um símbolo da luta do cardeal com a criação, anos mais tarde, do Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos, hoje internacionalmente conhecido.

“Na prisão, dom Paulo foi ainda visitar — e procurar proteger sob o manto cardinalício-sindicalistas e estudantes.

“No episódio Herzog, sua figura se agigantou. O regime militar fez de tudo para desqualificá-lo e ensaiou até manobras diplomáticas junto ao Vaticano por seu afastamento da Arquidiocese de São Paulo.

“Foram esforços vãos.

Papa Paulo II

“Surpreendentemente, sofreu seu maior revés no período da restauração democrática do país. Numa iniciativa cujas motivações mais profundas são até hoje mal explicadas, o papa João Paulo 2º fracionou a arquidiocese em seções menores e, por consequência, com menos poderes.

“Antes que o fato fosse consumado, o cardeal se queixou pessoalmente ao papa, que negou ter dado a ordem. Porém, como dom Paulo deixa claro em suas memórias, nada dessa magnitude acontece sem autorização expressa do pontífice.

“Também na campanha do Vaticano contra a Teologia da Libertação, arquitetada pelo então cardeal Joseph Ratzinger (depois papa Bento 16), João Paulo 2º agiu do mesmo modo.

“Disse a dom Paulo que não era contra a doutrina, mas deixou a Cúria Romana mandar um visitador para colher elementos processuais com vistas a bombardear a prática da Teologia da Libertação em São Paulo.

Verdade

“Depois dessas contrariedades, o cardeal se afastou, em 1998, por limite de idade, do comando da Arquidiocese de São Paulo, levando o título de arcebispo emérito.

Passou os últimos anos de sua vida entre orações, leituras e assistência aos idosos, recebendo ainda inúmeras homenagens, entre as quais a da presidente Dilma 

“Roussef que, em 18 de maio de 2012, foi visitá-lo na Congregação Franciscana Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos, em Taboão da Serra (SP).

“Na ocasião, Dilma contou a ele as providências do governo para criar a Comissão da Verdade, instalada poucos dias antes. Já bastante combalido, não fez comentários públicos a respeito.

“A rigor, seu derradeiro gesto de caráter político – embora de fundo religioso – ocorreu pouco antes de deixar o comando da Arquidiocese, em 1998, quando reagiu de forma dura às atitudes da Cúria Romana, levando João Paulo 2º a admitir, em uma difícil conversa pessoal com o cardeal brasileiro, que era, sim, o responsável final por aquelas decisões polêmicas.

“A Cúria sou eu”, disse o papa, provocado por dom Paulo. Mais uma vez, então diante da autoridade máxima da Igreja Católica Romana, o frade mostrou que não era frouxo”, conclui Picchia.

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Fonte: http://www.correiodobrasil.com.br/cardeal-paulo-evaristo-arns-amigo-do-povo-morre-aos-95-anos/

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