Juros elevados restringem investimentos e favorecem o rentismo, exigindo ação mais enérgica do governo. Lá se vão quase nove meses de governo e a taxa de juros oficial segue praticamente inalterada.
Por Paulo Kliass – de Brasília
A 257ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) transcorreu exatamente de acordo com as recomendações apresentadas pela nata do financismo em nosso país. Na verdade, o encontro ordinário do colegiado nada mais é do que uma reunião diferenciada da própria diretoria do Banco Central (BC). Ao longo da terça e quarta-feira da semana passada, os nove integrantes do corpo diretivo do órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro trocaram de boné. Assim, na condição de membros do comitê, discutiram à exaustão a respeito da conjuntura econômica e decidiram pela redução de apenas 0,5% na taxa Selic. Atualmente ela está em 12,75%.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco CentralO comunicado divulgado ao final do encontro registra que a deliberação foi adotada por unanimidade. Isso significa que os dois novos diretores indicados recentemente por Lula, a partir da recomendação do Ministro da Fazenda, se esquivaram de apresentar alguma proposta mais ousada para que a taxa retornasse ao nível de alguma normalidade e racionalidade. Deveriam ter sugerido algo que apontasse para as reais necessidades de um projeto de governo voltado para a retomada do crescimento e do desenvolvimento. Apesar da minúscula diminuição no patamar da taxa referencial de juros, o Brasil segue ocupando o primeiro lugar mundial no quesito taxa real de juros. Tal fenômeno se explica pelo fato de a inflação estar em queda, de forma que os cálculos a respeito da rentabilidade real dos ativos recomendam subtrair a perda monetária derivada do crescimento dos preços.
A aprovação da Lei Complementar nº 179/21 sacramentou, durante a tragédia representada pelo binômio Bolsonaro & Guedes, a independência do BC. Na verdade, tratava-se de uma proposta antiga do próprio sistema financeiro, para evitar que a chegada de um governo com um programa mais progressista e desenvolvimentista pudesse provocar alguma mudança na linha da austeridade e do incentivo ao rentismo. Assim, Lula está convivendo desde o início de seu terceiro mandato com um coletivo responsável pela política monetária cuja maioria foi nomeada pelo genocida. Falta a Roberto Campos Neto e aos demais colegas bolsonaristas um pouco de vergonha na cara, para dizer o mínimo, e renunciarem ao cargo. Afinal, além de terem servido ao governo anterior e feito campanha aberta para sua reeleição, eles incorporam uma abordagem da economia que é totalmente antagônica ao programa de governo para o qual Lula foi eleito em outubro do ano passado.
Independência do BC: COPOM a serviço do financismo
Mas mesmo do alto de sua arrogância conservadora e liberaloide, eles ainda encontram espaço para alguma forma de pragmatismo. Durante o período que vai do segundo semestre de 2020 até o início de 2021, por exemplo, esse mesmo coletivo manteve por 5 reuniões consecutivas do COPOM a Selic em 2%. Ou seja, na hora de colaborar com um governo que lhes é simpático na opção político-ideológica, que se dane o dogmatismo da ortodoxia neoliberal. Mas a partir de então, o colegiado optou por uma escalada crescente da taxa, com 12 reuniões consecutivas de alta, até chegar aos 13,75% em agosto de 2022. Uma vez atingido esse ápice, o comitê assim manteve a Selic nas alturas por 8 novas reuniões. Apenas nas duas últimas oportunidades eles optaram por uma redução homeopática de 0,5% em cada uma delas.
É interessante observar que o COPOM quase sempre adota o resultado que é proporcionado por uma enquete semanal realizada pelo próprio BC junto às elites dirigentes do financismo. Trata-se da pesquisa Focus, divulgada religiosamente às segundas-feiras na página do órgão na internet. Ali se manifesta o desejo agregado do sistema financeiro relativamente a variáveis macroeconômicas relevantes, tais como a inflação, o crescimento do PIB e outras. Mas dentre elas, ganha relevo aquela que reflete a expectativa de seus participantes quanto ao patamar da Selic. Assim, o COPOM segue absolutamente refém da vontade do povo das finanças.
Lá se vão quase nove meses de governo e a taxa de juros oficial segue praticamente inalterada. A perpetuação do espírito do rentismo parasitário em um governo que prometeu “fazer 40 anos em 4” é uma verdadeira contradição. Afinal, frente a uma rentabilidade financeira tão elevada, torna-se praticamente proibitiva qualquer iniciativa de empreendimento produtivo. O mais preocupante, contudo, é que os dois diretores nomeados por Lula não tenham apresentado até agora nenhuma proposta alternativa para, pelo menos que fosse, marcar posição no interior do colegiado.
Elite do sistema financeiro dita as regras
Por outro lado, o surpreendente é que o COPOM siga baseando suas decisões nos resultados da Pesquisa Focus. Trata-se de um punhado de dirigentes de bancos e instituições similares umbilicalmente vinculados aos interesses de suas empresas, qual seja, opinam e operam com o intuito de maximizar os seus ganhos financeiros. Não há nenhuma voz dissonante nesse universo: não são ouvidos pesquisadores, economistas e professores de economia vinculados ao movimento social, aos sindicatos, às universidades ou aos institutos de pesquisa. Nada! Só quem responde ao questionário semanal são banqueiros. E ponto final.
O histórico das pesquisas está disponível para consulta na página do BC na Internet. E ali pode-se perceber claramente que se trata exclusivamente de opinião de torcida uniformizada e de desejo de ganhos financeiros. No ano passado, às vésperas das eleições, por exemplo, a pesquisa transparecia ao pessimismo que as elites financistas deixam exalar por conta de uma possível vitória de Lula no pleito. A possível saída de seu queridinho Paulo Guedes do comando da economia assustava os dirigentes do setor. Daí divulgavam uma avaliação de que a economia iria afundar mesmo, não tinha jeito. Eles projetavam um crescimento do PIB de apenas 0,37% em 2023. A pesquisa desta semana já aponta para um aumento das atividades econômicas da ordem de 3% até o encerramento do ano. Ou seja, erraram feio. Como quase sempre ocorre, aliás.
Ora, qual a seriedade que deve ser conferida a esse tipo de avaliação e de projeção do cenário econômico? Nesse caso em particular, houve um erro de mais de 700% entre a previsão e o resultado verificado. Imaginemos o que teria ocorrido se algum cliente destes senhores tivesse sofrido uma perda patrimonial de tal monta em suas aplicações financeiras. Pois esses mesmos indivíduos que são levados muito a sério pelo COPOM e pelos “especialistas” do setor, pois os líderes do financismo estariam embasando suas opiniões pela abordagem “técnica” e não “política”. Haja paciência para tamanha mentira e hipocrisia.
0,5% é muito pouco: Selic precisa cair muito mais
A ata do COPOM aponta para mais duas possíveis reduções de mesmo montante para as reuniões previstas até o final do ano. Caso esse cenário se concretize, encerraríamos 2023 no patamar de 11,75%. Apesar da queda de 2%, ainda assim a Selic continuaria em um patamar muito elevado. Afinal, essa taxa impacta diretamente o volume dispendido com juros sobre o estoque de dívida pública. Atualmente, a União gasta por volta de R$ 700 bilhões a esse título a cada 12 meses. Por outro lado, a complacência e a cara de paisagem dos dirigentes do BC quanto aos spreads praticados pelas instituições financeiros fazem com que o custo financeiro efetivamente bancado por empresas, famílias e indivíduos seja também altíssimo.
A sociedade brasileira não pode permitir que essa distorção permaneça no interior do estado brasileiro. A diretoria bolsonarista do BC não tem a mínima legitimidade para seguir criando obstáculos à implementação do programa de um Presidente da República eleito pela maioria. Não basta uma atitude conformista pelo fato da recente redução. É fundamental que o governo recupere seu total controle da política monetária.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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