Em tempos tão difíceis como este, de sonhos traídos e esperanças perdidas, enquanto se aguarda o amanhã, talvez ainda pior, o jeito é declamar sonetos como calmante, nesta Data Nacional. E Apóllo Natali nos orienta com suas rimas. (Nota do Editor)
Por Apóllo Natali, de São Paulo
Tinha que ser francês. Tinha que ser da terra dos homens que revolucionaram o mundo. Pois foi o trovador Girard de Bourneuil, da província francesa de Limousin, o criador do soneto, no século 13.

Por último, eis exemplos de sonetos, cinco de autores famosos e o sexto, nem tanto… (por Apollo Natali)
(esta pérola do começo do século 20, é de um delegado de polícia da capital paulista,
Alfredo Eugênio de Paula Assis. Sacou do seu coldre o paralelismo
destas rimas, o ritmo, a mensagem, o fecho lapidar)
Mas, de um velho, num rápido sorriso,
mágoas profundas eu percebo entanto!
no sorriso do velho há quase pranto!
Ri-se o velho, é um pôr de sol que chora
chora a criança, é como se uma aurora
num chuveiro de pérolas se abrisse;
E tem muito mais luz, mais esperança
a lágrima nos olhos da criança
que o sorriso nos lábios da velhice.
NUM VELHO CONVENTO
(este é de Raul Barreto de Albuquerque Maranhão, advogado,
pernambucano de Recife, metade do século 20)
.
No âmbito sepulcral deste convento,
na arcaria do claustro que examino
como medita o nosso pensamento
sobre as vicissitudes do destino
Cada pedra revive um sofrimento
e neste ambiente místico e divino
são gemidos de dor, queixa, lamento
os sons plangentes do seu velho sino
Quando ele estava sendo edificado
há três séculos, certo, quem o visse,
cuidaria ficasse eternizado
Agora é ruína que se desmantela
sepultando na queda da velhice
os segredos de amor de cada cela
DOR OCULTA
(a aventura da gotinha d’água é o tema deste soneto
do mestre Guilherme de Almeida)
gotas, roçando a crista azul da serra,
umas brincam na relva; outras, tranquilas,
serenamente, entranham-se na terra
de folha em folha e, trêmula, cintila,
mas nem se lembra da que o solo encerra
da que ficou no coração da argila
Quanta gente, que zomba do desgosto
mudo, da angústia que não molha o rosto
e que não tomba, em gotas, pelo chão
Havia de chorar, se adivinhasse
que ha lágrimas que correm pela face
e outras que rolam pelo coração
da Vossa Alta Piedade me despido
antes, quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar mais empenhado
a abrandar-vos sobeja um só gemido
que a mesma culpa que vos há ofendido
Vos tem para o perdão lisonjeado
Se uma ovelha já perdia, glória tal
e prazer tão repentino vos deu,
como afirmais na sacra história,
Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada
salvai-a, e não queirais, Pastor Divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.
tao cedo desta vida descontente
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste
Se lá no assento Etéreo onde subiste
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste
alguma coisa a dor que me ficou
da mágoa sem remédio de perder-te
Roga a Deus que teus anos encurtou
que tão cedo de cá me leve a ver-te
quão cedo de meus olhos te levou
esta minha idade, a melhor idade,
morta toda e qualquer vaidade,
dizer que é bela é jeito de falar
Maus dentes, gengivas, lábios a preguear,
pele riscada, rugas, cavidades,
estar sozinho é privacidade
passos miúdos, rosto a afinar
O tempo nunca para, sonhemos,
não tem fim o viver, caminhemos,
e de qualquer maneira, gostamos
se gostamos da vida e vivemos,
que pena, somos nós que paramos
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
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