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Dia 11/9, Gerald Thomas estava lá

September 11, 2016 15:43 , by Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Dos muitos textos escritos sobre o 11 de setembro de 2001, quando dois aviões entraram no World Trade Center e mataram cerca de três mil pessoas, o relato do autor e diretor teatral Gerald Thomas, é dos mais emocionantes. Ele estava lá, viu, sofreu e conta. Nota do Editor.

Por Gerald Thomas,  de Nova Iorque:

Gerald Thomas viu e conta como sentiu a tragédia do nosso século

Gerald Thomas viu e conta como sentiu a tragédia do nosso século

Estou vendo da minha janela (meu apartamento é localizado diretamente no East River, em frente as torres gêmeas chamadas de World Trade Center) uma tragédia proporcional a uma guerra mundial. Os fatos até agora (são 9h30 da manha) dois aviões ‘propositadamente’ se lançaram contra cada uma das duas torres. Sabe-se que um é da American Airlines, um Boeing 767 vindo de Boston. O presidente Bush acaba de falar a nação. Expressão vazia, como se fosse uma marionete pega de surpresa, falou o óbvio, mas deixou claro que se trata de terrorismo.

O Pentágono, em Washington, também esta pegando fogo. Parece que foi um avião também que deliberadamente se lançou sobre o centro da inteligência da Segurança Nacional Norte Americana. Essas palavras todas podem tomar qualquer tipo de conotação e forma, mas a tragédia que vejo da janela e o medo que estou sentindo rompem uma longa e orgulhosa tradição que mantinha os Estados Unidos invictos de ter uma ‘Guerra em Casa’.

O ataque solitário sobre o mesmo World Trade Center em 92 ou 93, quando uma van na garagem do prédio explodiu (fundamentalistas islâmicos) gerou imagens apavorantes, mas não arranhou a superfície do orgulho americano. Hoje, com a direita no poder, isso poderá ter mudado para sempre.

Não sei se estou enlouquecendo, mas (ouvindo o que dizem os experts na televisão) as imagens que vejo e o que pressinto é que esse é o possível ataque massivo aos Estados Unidos e pode, muito bem representar uma próxima grande guerra.

É claro que ainda é cedo para se especular sobre o que está acontecendo. Nesse exato momento, ouço algum repórter dizendo que um shopping center em Washington também foi atacado. Todos os aeroportos americanos estão fechados. Todos os metros e pontes que levam a Manhattan estão paralisados. A catástrofe é monumental. Nunca se viu essas imagens em casa.

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A essas alturas (agora são 9h43) o fogo e a fumaça já estão consumindo a maior parte das torres gêmeas. Aqui da mesa do computador olho temerosamente para o Empire State Building (literalmente na frente da minha janela direita) imaginando.

Meu Deus do céu! Uma das duas torres acaba de cair. Colapsou. Não sei se conseguirei escrever esse artigo ate o fim, pois nunca estive numa situação igual a essa. Uma das torres simplesmente caiu. Não ha maneira de calcular o numero de mortos. Mais de 150 mil pessoas trabalham nas duas torres. Uma estação de trem subterrânea e 13 linhas de metrô se encontram no subsolo do prédio, que também é a sede nova-iorquina da CIA e da FBI.

Os Estados Unidos estão sendo atacados. É Pearl Harbor em sua versão 2001 apocalíptica. É inacreditável o que estou vendo. Da minha janela só vejo uma torre do World Trade Center. A outra está no chão. É evidente que o número de mortos supera qualquer estatística ou ataque parecido ocorrido em um só dia em qualquer guerra de porte internacional.

Vou encerrar esse artigo com um medo que nunca tive. Cidadão americano orgulhoso, sempre acreditei ser esse o paraíso seguro onde essas coisas seriam impossíveis. A nossa história mudou para sempre. Não sei mais o que escrever. Estou em prantos e God Bless América.

Volto a escrever agora. A segunda torre do World Trade Center caiu. A estimativa é de 20 mil mortos. O Pentágono e o Capitol Building em Washington foram atacados. Um avião circula em cima da Casa Branca. Shoppings centers pelos Estados Unidos inteiro estão em chamas. Da minha janela, simplesmente desapareceram os dois monumentos mais imponentes do skyline mundial. O World Trade Center acabou.

É como se a Torre Eifel ou o Big Ben caíssem. Não há dúvidas de que hoje começa uma guerra mundial. Bush certamente mandará mísseis para alvos no Oriente Médio. E outros mísseis voarão na nossa direção, aqui em Nova York e nas principais cidades americanas.

Pode ser o fim.

11/09/2001 – 16h00
Gerald Thomas relata os momentos de tensão em NY

Estou vendo da minha janela (meu apartamento é localizado diretamente no East River, em frente as torres gêmeas chamadas de World Trade Center) uma tragédia proporcional a uma guerra mundial. Os fatos até agora (são 9h30 da manhã) dois aviões “propositadamente” se lançaram contra cada uma das duas torres. Sabe-se que um é da American Airlines, um Boeing 767 vindo de Boston. O presidente Bush acaba de falar a nação. Expressão vazia, como se fosse uma marionete pega de surpresa, falou o óbvio, mas deixou claro que se trata de terrorismo.

O Pentágono, em Washington, também esta pegando fogo. Parece que foi um avião também que deliberadamente se lançou sobre o centro da inteligência da Segurança Nacional Norte-Americana. Essas palavras todas podem tomar qualquer tipo de conotação e forma, mas a tragédia que vejo da janela e o medo que estou sentindo rompem uma longa e orgulhosa tradição que mantinha os Estados Unidos invictos de ter uma ‘Guerra em Casa’.

O ataque solitário sobre o mesmo World Trade Center em 92 ou 93, quando uma van na garagem do prédio explodiu (fundamentalistas islâmicos) gerou imagens apavorantes, mas não arranhou a superfície do orgulho americano. Hoje, com a direita no poder, isso poderá ter mudado para sempre.

Não sei se estou enlouquecendo, mas (ouvindo o que dizem os experts na televisão) as imagens que vejo e o que pressinto é que esse é o possível ataque massivo aos Estados Unidos e pode, muito bem representar uma próxima grande guerra.

É claro que ainda é cedo para se especular sobre o que está acontecendo. Nesse exato momento, ouço algum repórter dizendo que um shopping center em Washington também foi atacado. Todos os aeroportos norte-americanos estão fechados. Todos os metrôs e pontes que levam a Manhattan estão paralisados. A catástrofe é monumental. Nunca se viu essas imagens em casa.

A essas alturas (agora são 9h43) o fogo e a fumaça já estão consumindo a maior parte das torres gêmeas. Aqui da mesa do computador olho temerosamente para o Empire State Building (literalmente na frente da minha janela direita) imaginando.

Meu Deus do céu! Uma das duas torres acaba de cair. Colapsou. Não sei se conseguirei escrever esse artigo ate o fim, pois nunca estive numa situação igual a essa. Uma das torres simplesmente caiu. Não ha maneira de calcular o número de mortos. Mais de 150 mil pessoas trabalham nas duas torres. Uma estação de trem subterrânea e 13 linhas de metrô se encontram no subsolo do prédio, que também é a sede nova-iorquina da CIA e da FBI.

Os Estados Unidos estão sendo atacados. É Pearl Harbor em sua versão 2001 apocalíptica. É inacreditável o que estou vendo. Da minha janela só vejo uma torre do World Trade Center. A outra está no chão. É evidente que o número de mortos supera qualquer estatística ou ataque parecido ocorrido em um só dia em qualquer guerra de porte internacional.

Vou encerrar esse artigo com um medo que nunca tive. Cidadão americano orgulhoso, sempre acreditei ser esse o paraíso seguro onde essas coisas seriam impossíveis. A nossa história mudou para sempre. Não sei mais o que escrever. Estou em prantos e God Bless América.

Volto a escrever agora (11h). A segunda torre do World Trade Center caiu. A estimativa é de 20 mil mortos. O Pentágono e o Capitol Building em Washington foram atacados. Um avião circula em cima da Casa Branca. Shoppings centers pelos Estados Unidos inteiro estão em chamas. Da minha janela, simplesmente desapareceram os dois monumentos mais imponentes do skyline mundial. O World Trade Center acabou.

É como se a Torre Eifel ou o Big Ben caíssem. Não há dúvidas de que hoje começa uma guerra mundial. Bush certamente mandará mísseis para alvos no Oriente Médio. E outros mísseis voarão na nossa direção, aqui em Nova York e nas principais cidades norte-americanas.

12h50 – O “emergency tone system”, ensaiado há vinte anos pelos veículos de comunicação norte-americanos acaba de ser acionado. Estamos em estado de alerta nacional.

Uma voz da Associated Press de Istambul afirma que um míssil está sendo mandado para Washington. Bush está na Flórida. O país está assim como Londres esteve, debaixo das V2 na Segunda Guerra.

Os nossos telefones estão com o apito no sistema de alerta. A TV também.

Minha tela – online com a AOL pisca “alert”.

Santo Deus. As notícias vindas de todos os cantos do país são as mais negras possíveis, mas minha janela conta uma história mais humana e mais triste do que a estatística. Vejo todas as raças e nacionalidades se abraçando aqui em baixo, 3 andares abaixo do meu apartamento de onde se vê Manhattan inteira em chamas.

13h – Se for confirmado que Ben Laden é, de fato, o responsável por esses ataques, podem ter certeza de que será o início da 3ª Guerra Mundial. Bush, que estava a caminho de Washington da Flórida e está a caminho de um desses bunkers de “war control” nas montanhas de Utah.

Bombardearam o state department, o Pentágono, o Capitólio, o World Trade Center, Pittsburg, Filadélfia e 50 aviões estão no ar nesse momento sendo desviados para o Canadá. Não se sabe se são aviões suicidas ou de passageiros.

A vergonha é que o mito da CIA e do FBI e das inúmeras agências de seguranças, os três Exércitos não foram capazes de detectar algo dessa proporção. Mais uma vez, a prepotência e o mito construído pelo sistema norte-americano sobre o paraíso da segurança que esse país representava mudaram pra sempre.

Da minha janela vejo algo assim parecido com uma previsão de Nostradamus. Parece brincadeira, mas da minha janela acabo de presenciar mais uma explosão no terreno onde existia o World Trade Center. Localizado no meio do mercado de valores, da Wall Street, e do lado de bairros como Tribeca e Soho (onde moram inúmeras personalidades e celebridades dos mais diversos calibres), a imagem é aquela parecida com um vulcão quando emite lava e cinzas sobre uma cidade.

Agora, a TV está dizendo que o número de mortos aqui em Manhattan já deve exceder Hiroshima. Isso, sem nenhuma única bomba. A arma foi a própria aviação civil, um truque, uma brincadeira de mau gosto, uma metáfora horrenda. Se o símbolo da American Airlines ou da United estarão pra sempre ligadas à destruição desse ícone da arquitetura (O World Trade Center), os semiólogos do mundo terão muito para escrever. São mais símbolos em jogo do que se pode imaginar.

Eu, Gerald Thomas, estou com 5 amigos incontactáveis nas proximidades da calamidade. Estou dopado de Rivotril.

12/09/2001 – 19h32
Gerald Thomas vai aos escombros e chora nas ruas de NY

Em depoimento à Folha Online, o diretor teatral Gerald Thomas, que vive em Nova York, disse que foi até os escombros do World Trade Center hoje, o “day after” dos atentados terroristas nos Estados Unidos, e chorou diante das ruas empoeiradas da cidade. “O que eu tenho notado andando pelas ruas é uma mistura entre derrota e orgulho”, disse o diretor, para quem o povo nova-iorquino é um povo muito resistente e não dá o braço a torcer com muita facilidade. “Perante as cenas que eu vi ontem da minha janela, localizada diretamente oposta aonde acontece a tragédia, eu fui acordado de manhã e já peguei a primeira torre em chamas. Vi o avião pegando na segunda torre. Não há palavras. A gente não entendia na hora do que se tratava. A gente não sabia se era um acidente, uma explosão, a gente não tinha noção que era um avião que havia entrado nas torres.” Para Thomas, os atentados se equiparam à morte do beatle John Lennon, com a população atônita e sem saber o que fazer. Hoje de manhã, o diretor teatral brasileiro andou a pé até os escombros, numa atração que qualifica como “mórbida”. Segundo ele, sentou-se nos escombros, chorou, pegou em pedaços de concreto, papéis que caíram dos edifícios e voltou para casa. Gerald Thomas descreve no depoimento que as ruas de Manhattan estão empoeiradas, com uma “neve” de poeira. “São prédios e mais prédios danificados, arruinados… são quarteirões”, disse. “Foi o momento mais trágico da vida que uma pessoa da minha geração, nesse nosso mundo louco, ocidental e globalizado que ninguém ainda conseguiu entender direito.”

NO DIA SEGUINTE – THE DAY AFTER

Às 5 horas, sem conseguir dormir e tomado pelo assunto que dominou meu dia e fez da minha janela o espetáculo mais horrendo que já vi, não resisti e resolvi atravessar a ponte a pé.

Tinham fechado as pontes, os túneis e os metrôs. Todos os acessos a Manhattan estavam bloqueados. Enquanto atravessava a ponte de Williamsburg a pé, não parava de olhar para o meu lado esquerdo, onde, um dia antes, ainda estavam as torres do WTC.

Quanto mais perto, mais o cheiro se tornava insuportável. Desci pela Delancey e fui contornando pelo Bowery e Chinatown, Park Row, sabendo que o policiamento mais ostensivo estava na Broadway e na Church Street.
Finalmente cheguei ao local. Acho que o impacto foi ainda maior. Mais uma vez, nenhuma palavra traduz aquilo. Eram centenas (talvez milhares) de “rescue workers” trabalhando sob luzes brancas de geradores. O lugar parecia nevado de cinza.

Só quando cheguei percebi a dimensão real da coisa. A horrenda proporção que eu não havia visto da minha janela durante o dia, nem mesmo durante a transmissão da TV. Downtown Manhattan é um enorme escombro.
Tudo em volta do que era o WTC foi lambido, destruído ou semidestruído junto. Eu contei umas 14 torres derretidas e carros desfigurados em posições que nem o mais conceitual dos artistas conceituais conseguiria criar.
Sentei na calçada empoeirada. Cobri a minha cara por causa da poeira e das cinzas e do fedor de morte e fiquei, aos prantos, catando alguns papéis que voavam.

Li trechos de cartas pessoais, arquivos de empresas, encontrei relógios, carteiras, pedaços de escritório. Mas o que mais me impressionou foi uma mesa praticamente intacta. Ela parecia ainda conter a alma de quem a usava.
Só me lembro de uma calma e um silêncio iguais quando visitei o campo de concentração de Auschwitz. No Holocausto, perdi oito parentes. No de ontem (até onde sei), perdi meu advogado e toda a sua equipe, cujo escritório ficava no 56º andar da torre 1.

Andei pela região que hoje é chamada de World Financial Center, onde moram vários amigos, mas tudo tinha se transformado em escombro. Voltei a pé e cheguei de Williamsburg por volta das 8h. Tomei um café da manhã no Read Cafe. Não havia música ali (sempre há) e ninguém falava. O café estava mais amargo, e a volta para casa, mais triste.

Em breve voltaria ao Brasil, para iniciar um novo semestre de trabalhos no Sesc do Rio. Mas não tenho coragem de deixar isso para trás. Algum senso estranho de patriotismo e de dever cívico parece me manter aqui. No dia seguinte, isso parece ainda mais nítido e macabro do que enquanto o evento acontecia.

“Message without a bottle”
Dentro da tragédia existe sempre um lado lúdico. Há algumas horas, comecei a notar um movimento estranho em frente à minha casa. Pessoas corriam em direção ao rio. Pensei no pior, talvez outro ataque ou coisa semelhante.

Nada disso. As pessoas estavam correndo porque começaram a aparecer, flutuando na margem do rio, destroços que eu suponho sejam do impacto da explosão do segundo avião contra o WTC.

Desci e fui checar. De fato, eram milhares de pedacinhos de madeira, restos de mesas, móveis, plástico de computador, carpetes incinerados, papéis e mais papéis.

A população catava esses pedaços de triste lixo histórico como se fossem pequenas lembranças e lembretes de um episódio inesquecível. Certamente esse “lixo” será exposto com orgulho do lado dos retratos e dos troféus que servem para nos lembrar o quanto somos feitos de saudades.

Gerald Thomas, diretor e autor teatral. escritor, encenador polêmico, criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de “ópera seca”. Renovou a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Dirigiu no ano passado, a peça musical Entredentes com o cantor Ney Latorraca, nos teatros do Sesc de São Paulo e Rio de Janeiro.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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Source: http://www.correiodobrasil.com.br/dia-11-gerald-thomas-estava-la/

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