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Entrevista Alexandre Guarnieri

Febbraio 6, 2017 10:31 , by Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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“A poesia guarda a potência da transformação política, social, cultural e pode catalizar ações positivas em qualquer ambiente, assim como qualquer forma de arte que se queira democratizar”

Por Flávio Corrêa de Mello – do Rio de Janeiro:

O Poeta Alexandre Guarnieri foi convidado para inaugurar, neste espaço, uma série de entrevistas com artistas, ativistas, sindicalistas e pessoas da área da economia da cultura. Autor dos livros Casa das Máquinas (2011) e Corpo de Festim (2015), obra premiada com o Jabuti, ele se prepara para lançar seu próximo livro em março, o  Gravidade Zero (Penalux, 2017).

Alexandre Guarnieri

Alexandre Guarnieri

– Por que escrever poesia?

– Porque o alento da Arte às vezes é o nosso único consolo. Nosso mundo, nossa condição humana precisam ser metabolizados de alguma forma. No meu caso, fui sequestrado pela Palavra. Por isso a poesia.

– Gravidade zero é o seu terceiro livro. Há alguma evolução ou conexão com os dois anteriores (Casa de Máquinas e Corpo de Festim)?

– Sinto que é a conclusão de uma trilogia. Da máquina ao homem. E de volta à máquina… para lançar o homem o mais longe possível, para além de toda a familiaridade, sozinho. Poesia também é sobre estar sozinho. Pra mim, toda Arte é uma mensagem na garrafa, um S.O.S., um clamor pela conexão, com o mundo, com o outro, consigo mesmo.

– Sim, mas e a construção do projeto poético em si, como se deu (se dá)? Você relaciona a máquina (objeto) ao homem. Como este conteúdo foi adquirindo forma? Quais os estratagemas que você utiliza no seu processo criativo?

– Os estratagemas consistem basicamente em criar problemas ou labirintos e me desafiar a resolver ou sair deles. Sinto que a minha poesia deve me desafiar. Um livro leva anos sendo construído, ou mesmo um conjunto de poemas precisa de tempo para ser percebido como potencial de livro. Gosto que os poemas conversem entre si, daí só o tempo e o trabalho.

– Os temas que me interessam vão se insinuando aos poucos e nem eu mesmo tenho total domínio sobre todo o processo, caso contrário, não seria muito desafiador. Gosto dessa surpresa. De me perceber sequestrado por algum assunto. Geralmente estão relacionados aos meus interesses estéticos e minha história pessoal, minhas referências.

– Acho que a máquina e o corpo podem incorporar belas metáforas para a própria linguagem. Toda Arte é vida artificial, objetos e imagens sobre os quais os artistas insuflam vida e história. A consciência maquínica da língua me interessa. Máquina e corpo submetidos a códigos. O mito, o robô, o monstro são temas que me interessam. 

– Então quais as suas referências?

– O cinema, a ficção científica, a literatura, a mitologia, as histórias em quadrinhos, a história da arte, o rock, a música pop, minhas experiências, minhas relações. Tudo isso pulsa sistemicamente naquilo que produzo, nem sempre pacificamente. A ordem emerge do caos, do ruído, da interferência de símbolos sobre símbolos, das muitas camadas de sentido que vamos sobrepondo umas sobre as outras.

– A vida social e política do país também é um ruído? O ser social também é atravessado poeticamente por essas questões?

– O poeta não está imune a nada, tanto quanto qualquer cidadão que vivencia o moedor de carne da vida urbana, à mercê das decisões dos burocratas, das crises políticas e econômicas. Acredito que a poesia deva manter íntima ligação com tudo que nos cerca, com nosso tempo. No meu primeiro livro “Casa das Máquinas” (2011) existe a mecanização da vida cotidiana, das pressões sociais, do mundo do trabalho. No segundo livro, tudo isso migra para o interior do corpo, que padece. No “Gravidade Zero”, o poema “nosso futuro entre nebulosas”, entre outros, também reflete tudo isso.

– Inclusive a referência ao Poema de Mário Chamie (O operário no forno/ o ferro no entalho no trilho de ferro/ o operário no tôrno…) que você cita em Casa de Máquinas, seu livro de estreia, aproxima a ideia da máquina de moer e os processos alienantes. Chamie, também foi um dos difusores da poesia-práxis, e um dos recursos de criação adotado por ele, consistia, justamente, em escolher palavras do mesmo campo semântico para a composição de seus poemas. Voltando ao tema de referências, de processo criativo, a sua curiosidade e a avidez de leitura te levaram a dialogar com a práxis, ou com outros movimentos do século XX, como o concretismo e o poema-processo?

– Sim, claro. Li bastante Chamie. Um dos meus mestres, com o qual mantenho uma conversa sobre poesia há anos, Mauro Gama, esteve em algum momento ligado esteticamente ao Chamie. Sempre me interessou o poema enquanto engrenagem sonora e sígnica.

– O som trabalhando em prol do sentido e vice-versa. É algo que tenho sempre em mente enquanto produzo e burilo meus poemas. Fazer do poema a construção de uma coisa, com qualidades físicas, tendo em mente a importância da fisicalidade da linguagem, o que os concretos também levaram em conta. Também os li e me interessei por suas pesquisas estéticas nos meus anos iniciais de estudo da poesia. Então tens razão de identificar em meu trabalho estas referências.

Corpo de Festim

– Fale-nos um pouco sobre ganhar o Prêmio Jabuti com o Corpo de Festim, Você aguardava o prêmio? Abriu portas para escoar sua produção?

– Eu esperava estar entre os finalistas (caso contrário não teria pago eu mesmo a inscrição, que não é barata), mas ganhar foi uma grande surpresa! Um prêmio tão prestigiado emociona quem quer que seja, acho eu. Ainda mais no meu caso, ganhei com o meu segundo livro, algo raro. Fiquei muito satisfeito mas o impacto do prêmio não foi o que eu havia idealizado (rs). Nenhuma mega editora se interessou pelo meu trabalho.

– Não concedi entrevistas para revistas físicas nem fui citado (a não ser na divulgação da lista) em veículos impressos de grande circulação. Não fui chamado para a FLIP nem para a Bienal do Livro, coisas geralmente agenciadas por editoras de grande porte (rs). Basicamente o impacto foi na internet com resenhas e outras formas de divulgação do livro em redes sociais, blogs, sites especializados, etc. Acho que ainda devo percorrer um longo caminho até para que meu trabalho apareça um pouco mais. É assim mesmo. O saldo sempre é positivo quando se trata do Jabuti. 

– Sei que você é um poeta antenado e circula pela cena carioca de poesia. Como você vê esse movimento, a poesia está amplificando o cenário cultural da cidade do Rio e a qualidade poética?

– Sim, a poesia guarda a potência da transformação política, social, cultural e pode catalizar ações positivas em qualquer ambiente, assim como qualquer forma de arte que se queira democratizar. Numa grande cidade como o Rio isso não é diferente. Há, por exemplo, uma proliferação de saraus e encontros poéticos em todas as partes da cidade. Entretanto, é um pouco difícil e complexa a equação entre engajamento político e pesquisa de linguagem, entre a labuta na página e as agendas político-culturais. O risco do desequilíbrio é o esvaziamento de um dos dois aspectos, o que pode causar empobrecimento estético em detrimento de ações meramente militantes. Mas acho que há público para todo tipo de proposta e em geral são muito benéficas.

Músicas do Bowie

– E sobre o novo livro, o que o público pode esperar?

– Trata-se de um livro sobre o qual me debrucei anos entre sessões de cinema de ficção científica e audições das músicas do Bowie e outros artistas, inclusive, há uma trilha sonora sugerida no final do livro com as músicas que mais me inspiraram na escrita dos poemas e na ambiência do tema. Imagine que um astronauta perdido não veja outro sentido na curta existência que lhe aguarda e decida completar os dias que lhe restam escrevendo poemas sobre oque pode testemunhar em sua viagem pelo espaço e o sentido da vida que deixou para trás na Terra.

– Isto também está no livro, bem como um pequeno grupo de poemas sobre os marcos da exploração espacial desde a Guerra Fria. Meu desejo inicial era prestar tributo ao astronauta fictício que Bowie criou, o Major Tom, e tentei contar a sua história com poemas, fazendo algumas digressões. Gostaria de acreditar que fui capaz de realizar o meu projeto inicial e só me resta esperar que o livro conquiste leitores!

Flávio Corrêa de Mello, é escritor, professor e assessor cultural do Sindicato dos Comerciários

   

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Source: http://www.correiodobrasil.com.br/entrevista-alexandre-guarnieri/

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