Investigados pela venda de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, Alexandre Paes dos Santos, o APS, e Mauro Marcondes iniciaram, por meio de advogados, as negociações com investigadores da Força Tarefa da Operação Zelotes para aderir ao instituto de delação premiada. Sócios das Organizações Globo e proprietários da rede de TVs, rádios e jornais RBS, com sede na Região Sul, estão envolvidos no escândalo.
Os dois acusados de negociar decisões do Carf e de atuar em pagamentos de propina em troca de medidas provisórias para beneficiar o setor automotivo. Os presos da Zelotes sofreram derrotas no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) ao entrarem com pedido de habenas corpus, o que, para investigadores, tem estimulado a disposição para a colaboração.
A Operação Zelotes foi desencadeada no dia 28 de março deste ano por diversos órgãos federais para desbaratar um esquema de fraudes tributárias envolvendo grandes empresas brasileiras e multinacionais. As investigações foram conduzidas por uma força-tarefa formada pela Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda. O Grupo RBS, a Gerdau, os bancos Bradesco, Santander, Safra, Pontual e Bank Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi e um grupo de outras grandes empresas estão sendo investigadas pela suspeita de pagamento de propina a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais para anular multas tributárias milionárias.
Entre os crimes investigados na Zelotes estão advocacia administrativa, tráfico de influência, corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Segundo o Ministério da Fazenda, o esquema envolveria a contratação de empresas de consultoria que, mediante trânsito facilitado junto ao Conselho, conseguiam controlar o resultado do julgamento de forma a favorecer o contribuinte autuado. Constatou-se que muitas dessas consultorias tinham como sócios conselheiros ou ex-conselheiros do Carf. Segundo as investigações feitas até aqui, pelo menos 74 processos tributários podem ter sido fraudados, provocando um prejuízo de aproximadamente R$ 21,6 bilhões aos cofres públicos. Os casos que estão sob investigação teriam ocorrido entre os anos de 2005 e 2015.
Os desdobramentos da Zelotes no RS
O plenarinho da Assembleia ficou lotado para a audiência pública presidida pela deputada Stela Farias (PT), presidente da Frente Parlamentar de Defesa dos Serviços Públicos. Além do deputado Paulo Pimenta, falaram sobre a Operação Zelotes representantes do Tribunal de Contas do Estado, do Ministério Público, da Ajuris, OAB, Defensoria Pública, Sindifisco, CUT, CTB e do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (Tarf), órgão estadual gaúcho correlato do Carf. “Estamos promovendo essa audiência não para fazer proselitismo, mas sim para iniciar um trabalho sério aqui no Estado”, disse a parlamentar ao abrir o encontro. A Frente Parlamentar pretende acompanhar os desdobramentos da Operação Zelotes no Rio Grande do Sul.
Paulo Pimenta destacou que há vários tipos de irregularidades sendo investigadas: vendas de sentenças com pagamento de propina, negociação para indicação de conselheiros, trocas de conselheiros de turmas e pedidos de vistas para retardar o julgamento de processos. Segundo o parlamentar, as investigações mostraram a existência de duas máfias agindo conjuntamente com a participação de conselheiros, escritórios de advocacia e contabilidade e empresas de consultoria de fachada.
Pimenta afirmou ainda que as investigações da Operação Zelotes foram profundamente prejudicadas pela ação do Judiciário, mais especificamente, da 10ª Vara da Fazenda de Brasília, que chegou a ser batizada de “cemitério”. “Feita a investigação preliminar, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal pediram a prisão de 26 pessoas, entre eles, 9 conselheiros do Carf, mas a Justiça negou. Também foram negados pedidos de autorização para interceptações telefônicas e telemáticas, e para a quebra do sigilo do inquérito. Foi tudo ao contrário do que aconteceu na Operação Lava-Jato”, assinalou.
O parlamentar destacou a decisão da Corregedora Nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, que determinou a notificação do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, responsável pela 10ª Vara Federal do DF, a partir de uma representação feita por ele para averiguação dos critérios que embasaram essas decisões. Em maio, a Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª região já havia acatado representação do Ministério Público Federal contra o mesmo magistrado.
Após a juíza Mariana Boré assumir o processo, comentou ainda Pimenta, uma nova etapa da Operação Zelotes começou, com foco de atuação em quatro cidades: Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Santo Ângelo. A operação de busca realizada na cidade gaúcha envolveu uma empresa de consultoria, na qual o ministro Augusto Nardes, do TCU, tinha uma sociedade com o sobrinho Carlos Juliano Ribeiro Nardes. Essa empresa estaria envolvida em negociações no âmbito do Carf que estão sob investigação. Com o surgimento de nomes com foro privilegiado, parte do processo foi remetida para o Supremo Tribunal Federal (STF) que decidirá sobre o futuro dessas investigações.
As investigações da Operação Zelotes, acrescentou o relator da Subcomissão da Câmara Federal, revelaram que os dois grupos tinham um esquema muito sofisticado de funcionamento. Foram criadas empresas de consultoria laranjas que funcionavam como captadoras de negócios, visitando empresas com problemas fiscais e oferecendo a solução desses problemas junto ao Carf. “Essas grandes empresas que estão sendo investigadas pagavam pelos serviços dessas consultorias em sua contabilidade oficial. Está tudo documentado. A tese que chegou a ser levantada por uma dessas empresas, de que ela teria sido vítima de escritórios de advocacia, já foi desconstituída, uma vez que os pagamentos foram feitos diretamente a essas empresas de consultoria que estão sob investigação”.
O silêncio midiático em torno da Zelotes
O fato de, entre os envolvidos, aparecerem empresas de comunicação e grandes anunciantes da imprensa brasileira, está contribuindo, na avaliação de Pimenta, para o silêncio midiático que cerca o caso, especialmente quando se compara com a cobertura que é realizada sobre as investigações da Operação Lava Jato. “Não é difícil entender esse silêncio. Entre os envolvidos estão alguns dos maiores anunciantes do país. Estamos diante de um escândalo de proporções absurdas. Aqui ninguém rouba migalhas, são casos de 100, 200, 500 milhões. É a corrupção da elite”.
O juiz Mauro Caum Gonçalves, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), afirmou que a Zelotes é muito simbólica por revelar “a relação promíscua do empresariado com alguns setores da administração pública”. O magistrado também comentou a postura da maior parte da mídia neste caso. “A maioria dessa grande mídia está silenciosa. É compreensível. Uma das seis grandes famílias que dominam a mídia no Brasil, que é aqui do Rio Grande do Sul, está sob investigação. Os senhores deputados, que têm imunidade parlamentar, tem que aproveitar essa condição para denunciar esses crimes. E a sonegação é uma forma de corrupção, sim”, afirmou.
Diógenes de Oliveira lembrou o depoimento que prestou, em 2001, na CPI da Segurança Pública, durante o governo Olívio Dutra. “As provas contra a RBS estão aqui na Assembleia, no Ministério Público Federal e na Junta Comercial. Falem com o procurador Celso Três que ele conhece o assunto. No dia 5 de novembro de 2001, nesta mesma sala, denunciei a RBS pelas práticas de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Naquela época, o grupo devia cerca de R$ 212 milhões. Entrei com uma representação junto ao Ministério Público Federal que também se amorcegou”, lamentou Diógenes, que foi bastante aplaudido após sua fala.