O local reúne características fundamentais para o meio ambiente urbano. Em 15 hectares (ha) é possível encontrar uma diversidade de aves, répteis e mamíferos
Por Redação, com ABr – de Fortaleza:
Um grupo de pessoas se reuniu na manhã deste domingo para dar um abraço simbólico no local onde antes havia a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó, em Fortaleza. A unidade de conservação foi extinta a partir de uma emenda inserida na revisão da Lei de Usos e Ocupações do Solo (Luos), aprovada pelos vereadores e sancionada em agosto.
Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó, em Fortaleza
O local reúne características fundamentais para o meio ambiente urbano. Em 15 hectares (ha) é possível encontrar uma diversidade de aves, répteis e mamíferos, mais de 170 espécies vegetais, além de cobertura vegetal de Mata Atlântica, com restingas e manguezais.
As dunas do Cocó são formações milenares que contam a história do surgimento da planície costeira do Ceará; das flutuações do nível do mar e das mudanças ocorridas no clima da região nos últimos 10 mil anos.
Doutor em geografia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Jeovah Meireles explica; que as dunas fixas funcionam como uma espécie de esponja ao absorver água para alimentar o lençol freático; gerando aquíferos e olhos d’água e vertendo o recurso para a bacia hidrográfica do Rio Cocó, que abrange cerca de dois terços de Fortaleza.
Segurança hídrica
Essa função impacta diretamente na segurança hídrica, considerando que o Ceará enfrenta seis anos seguidos de seca. “Essas são preciosidades que resistiram à especulação imobiliária, porque a maior parte dos campos de dunas fixas de Fortaleza foi degradada”; explica o professor, que participou da elaboração do plano de manejo da unidade de conservação.
Laudo apresentado na última quarta-feira por técnicos da Superintendência do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); no Ceará estima que a capital perdeu mais de 80% de seu campo dunar em 50 anos; passando de quase 9 quilômetros quadrados (km²) em 1958 para pouco mais de 1 km² em 2008.
Área de proteção
De sua criação, com a Lei 9.502 de 2009, até sua extinção, ocorrida a partir da sanção da Lei de Usos e Ocupações do Solo (Luos); pelo prefeito Roberto Cláudio (PDT), a área de interesse ecológico das Dunas do Cocó nunca deixou de ser alvo de disputas e de especulação imobiliária.
A região do Cocó, onde fica o recém-criado Parque Estadual do Cocó, é umas das mais valorizadas de Fortaleza. O mercado imobiliário local calcula em R$ 6.194 o preço do metro quadrado na região. Um apartamento de 165 metros quadrados, por exemplo; com três suítes e três vagas de garagem custa hoje quase R$ 1,4 milhão.
No local onde ficava a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó, havia o projeto de um loteamento chamado Jardim Fortaleza. As empresas envolvidas no empreendimento recorreram à Justiça de forma exaustiva; inclusive questionando a constitucionalidade da Lei 9.502/09. Mas não tiveram sucesso.
– A região das Dunas do Cocó é uma área supervalorizada, com uma vista privilegiada do parque. É evidente a intenção das empresas de construir empreendimentos milionários. No entanto, caso haja alguma construção no local, não será possível restaurar o meio ambiente – alerta a promotora Socorro Brilhante; titular da 4ª Promotoria do Meio Ambiente e Planejamento Urbano do Ministério Público do Ceará (MPCE).
O órgão entrou com pedido de liminar na Justiça para tornar sem efeito o artigo da Luos que revoga a criação da Arie das Dunas do Cocó.
Votação
O vereador Guilherme Sampaio (PT) conta que a emenda que extinguiu a área de proteção ambiental foi protocolada no dia da apreciação; em segundo turno; do projeto que tratava do uso e da ocupação do solo e que não houve nenhum tipo de debate prévio sobre a matéria.
– A estratégia adotada inviabilizou qualquer resistência por parte da sociedade e de vereadores que não concordavam com a medida. Esse projeto (Luos) passou mais de um ano e meio em discussão na Câmara; houve várias audiências públicas para debatê-lo e, em nenhuma dessas audiências, nem a prefeitura nem qualquer parlamentar apresentou a proposta de revogação da Arie. Alguns vereadores reagiram fortemente no dia da votação, mas a matéria foi aprovada com ampla maioria. Para completar, foi sancionada pelo prefeito no dia seguinte, o que é absolutamente incomum.
Um abaixo-assinado online, que já acumula mais de 5 mil assinaturas, pede que o prefeito Roberto Cláudio vete o artigo da Luos que trata da revogação da Lei 9.502/2009.
Ação
A ação do MPCE, que tramita na 15ª Vara da Fazenda Pública, questiona a forma como a lei que criou a unidade de conservação foi revogada. Segundo Socorro, a Constituição Federal de 1988 determina que uma unidade de conservação só pode ser extinta por lei específica, e não por emenda; como ocorreu em Fortaleza.
Outro ponto questionado pela promotora é o do princípio do retrocesso ambiental; que defende que o meio ambiente deve ser protegido, não atacado. “A revogação da lei da Arie das Dunas do Cocó fere de morte tudo; o que foi criado como princípio para as leis que estabelecem a preservação do meio ambiente.”
O professor Jeovah Meireles vai mais longe e aponta também o descumprimento de todos os documentos em que o Brasil é signatário que trata do enfrentamento das mudanças climáticas, a exemplo do Acordo de Paris.
– Ao referendar a votação da Câmara, o prefeito toma a decisão de descaracterizar profundamente os sistemas ambientais; que dão suporte à melhoria das condições climáticas de Fortaleza e à disponibilidade de água em regiões semiáridas; considerando que estamos enfrentando uma longa estiagem e uma crise hídrica. Além disso, essa decisão não leva em conta conceitos, processos e sistemas ambientais já bastante consolidados pela ciência; e necessários para a qualidade de vida das pessoas.
Zona de amortecimento
Mesmo sendo de responsabilidade do município, as dunas do Cocó são consideradas zona de amortecimento do Parque Estadual do Cocó; regulamentado por lei estadual em junho deste ano. Com 1,5 mil ha, o Cocó é considerado um dos maiores parques urbanos do mundo.
Como zona de amortecimento, as dunas funcionam como um filtro para os impactos negativos do meio urbano, como ruídos; poluição e o avanço da ocupação humana.
Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil criticam o fato de a região das dunas não ter entrado na área oficial do Parque do Cocó; de forma a ficar protegida também por lei estadual.
Em nota, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) esclareceu que essa proposta foi considerada à época da definição da área do parque. Mas que não foi inserida porque as dunas fazem parte de uma área privada altamente valorizada o que geraria um custo muito alto para ser desapropriada. Além disso, a Sema afirma que se tratava de um espaço já protegido por lei municipal.
Na nota, a secretaria reitera que considera a região das dunas área de amortecimento do Parque do Cocó e que isso lhe confere proteção pelas leis ambientais vigentes. Esse é o mesmo entendimento do Ibama que assumiu o compromisso de não autorizar qualquer supressão vegetal das dunas fixas.
À Agência Brasil solicitou posicionamento da prefeitura de Fortaleza sobre a situação da área das Dunas do Cocó e sobre a ação do MPCE. Mas não obteve resposta.
A reportagem também tentou contatar, por telefone e por e-mail, a Associação Cearense dos Empresários da Construção e dos Loteadores (Acecol); e representantes das empresas envolvidas no loteamento Jardim Fortaleza, mas não conseguiu retorno.
O post Fortaleza: abraço simbólico alerta para ameaça a área de proteção ambiental apareceu primeiro em Jornal Correio do Brasil.