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Israelenses vivem ‘histeria coletiva’ na Intifada das Facas

14 de Novembro de 2015, 14:31 , por Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Por Guila Flint/Opera Mundi – de São Paulo

Desde o início de outubro, palestinos e israelenses estão imersos em uma série de incidentes violentos, já qualificada como “Intifada das Facas”. Seus protagonistas principais são jovens palestinos de menos de 20 anos, que se armam com facas, tesouras, chaves de fenda e descascadores de batatas e atacam civis e soldados israelenses. Esses jovens desafiam tanto a ocupação israelense como os próprios adultos palestinos, pois cresceram à sombra do fracasso dos acordos de Oslo e perderam a confiança na geração mais velha e principalmente na liderança política.

A reação palestina à invasão de territórios para assentamentos ilegais, promovidos por Israel, foi a série de atentados a facadas contra civis
A reação palestina à invasão de territórios para assentamentos ilegais, promovidos por Israel, foi a série de atentados a facadas contra civis e militares inimigos

Diferentemente da versão divulgada pelo governo israelense de que os esfaqueamentos, que se tornaram frequentes nas últimas semanas, seriam resultado do “incitamento” pelas lideranças palestinas “movidas por um islamismo fanático”, os jovens palestinos que saem às ruas de Israel e dos territórios ocupados para atacar israelenses são pouco influenciados pelas lideranças políticas.

A principal liderança política palestina, representada pelo presidente Mahmoud Abbas, também líder da OLP (Organização de Libertação da Palestina), vem prometendo há 22 anos, desde a assinatura do acordo de Oslo (1993), que os territórios ocupados por Israel na guerra de 1967 serão libertados e transformados em um Estado palestino independente e viável, com a capital em Jerusalém Oriental.

A realidade que esses jovens observam desde que nasceram, porém, é justamente a contrária. O que eles veem é uma expansão contínua dos assentamentos israelenses, a fragmentação cada vez maior da Cisjordânia – que por sua vez torna inviável a formação de um Estado palestino –, os inúmeros pontos de checagem do Exército israelense nos territórios ocupados e principalmente a humilhação diária de seus pais pelos soldados, ao passarem pelas barreiras militares.

Os jovens percebem a impotência dos adultos perante a realidade que se configura e decidem, em atos individuais e suicidas, levantarem uma faca ou uma tesoura contra o primeiro israelense que virem, seja civil ou soldado, homem ou mulher, jovem ou idoso.

Os adultos não conseguem controlar esses jovens, embora autoridades israelenses já tenham decretado sanções severas contra os pais dos atacantes, como a destruição das casas e o bloqueio dos benefícios de seguridade social para famílias residentes em Jerusalém Oriental.

Nesta terça feira, dois meninos palestinos, um de 12 anos e outro de 13, residentes do campo de refugiados de Shuafat em Jerusalém Oriental, esfaquearam um segurança do bonde que atravessa a cidade. Um menino ficou ferido a tiros e o outro foi capturado quando tentou fugir. Um deles estava armado com uma faca, o outro com uma tesoura.

Histeria coletiva

Na sociedade israelense essa série de ataques, que podem acontecer em qualquer lugar – tanto dentro das cidades de Israel como nos territórios ocupados – e a qualquer momento, já deixou os civis com os nervos à flor da pele. Cria-se um clima de histeria coletiva, com um aumento dramático no número de pessoas que recorrem a lojas de armas e compram revólveres e gás de pimenta ou lacrimogêneo.

Os lideres políticos israelenses insuflam a histeria coletiva e exortam a população a sair às ruas armada e alguns pedem que os policiais “atirem em terroristas para matar”, como foi o caso do deputado da oposição, considerado de centro, Yair Lapid.

Nesse clima de medo e histeria já houve casos absurdos, em que um cidadão judeu, Simcha Hodotov, foi morto após ser confundido com um “terrorista” e um refugiado da Eritreia, Haftom Zarhum, foi linchado depois de ser acusado de ser “cúmplice de um terrorista”.

Reféns do medo

Os cidadãos israelenses, tanto árabes como judeus, viraram reféns do medo, que dita seus hábitos no cotidiano.
As cidades mistas, nas quais moram juntos judeus e árabes, como Yafo (perto de Tel Aviv), Haifa, Lod e Ramle, são as que mais sofrem com a tensão entre as populações.

Comerciantes árabes nessas cidades relatam que as lojas estão vazias, pois os clientes judeus deixaram de frequentar os bairros árabes.

Uma mulher palestina da cidade de Nazaré, no norte de Israel, relatou em um blog que ao arrumar sua casa precisou de uma chave de fenda. Ela já estava quase saindo de casa para comprar a ferramenta quando voltou atrás. “Se eu for interceptada pela polícia com uma chave de fenda na bolsa, nas circunstâncias atuais, minha situação poderá ser bem desagradável”, pensou e abandonou os planos de modificar o lugar de algumas prateleiras. A organização das prateleiras da palestina, cidadã israelense de Nazaré, vai ficar para outro momento, “quando as coisas se acalmarem” e ela não tiver medo de ser acusada de “terrorismo” se for parada na rua com uma chave de fenda na bolsa.

Uma semana antes da onda de esfaqueamentos, que já deixou 12 mortos do lado israelense e 77 do lado palestino, uma marca israelense de roupas deu início a uma campanha publicitária. Ninette, uma cantora pop famosa em Israel, foi contratada para estrelar cartazes nas ruas em que ela aparecia descascando uma manga com uma faca e vestindo as roupas da marca.

Alguns dias depois do início do chamado “outubro negro”, começou uma pressão nas redes sociais para que os pôsteres fossem retirados das ruas, com o argumento de que “a imagem da faca agrava o stress da população”. A marca Delta decidiu rapidamente retirar os cartazes das ruas.

Em comunicado à imprensa, a Delta anunciou que resolveu modificar a foto dos cartazes por causa das “associações que desperta na realidade atual”. A faca foi retirada da nova foto, na qual Ninette aparece apenas comendo a manga.

Movidos pelo ódio

No dia 2 de novembro um palestino de 19 anos da cidade de Hebron, na Cisjordânia, saiu correndo com uma faca no centro da cidade de Rishon Letzion (perto de Tel Aviv) e feriu três pessoas, entre elas uma mulher de 80 anos, Rachel Eizenkot. Ela estava saindo de uma loja quando foi agredida com uma facada nas costas e caiu na calçada. Desacordada, seu corpo atravessou a calçada. Imediatamente dezenas de jovens israelenses que estavam no local saíram correndo atrás do palestino que esfaqueou as pessoas, e muitos simplesmente pularam por cima de Rachel.

A cena da correria atrás do palestino e de Eizenkot deitada na calçada sem ser atendida durante longos minutos chocou a família.

— A que ponto chegamos, que em vez de socorrer a minha avó todos correram atrás do palestino. A sociedade israelense precisa se examinar muito bem — disse a neta, Sagit Eizenkot.

A neta atribui a responsabilidade pela situação ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e afirma que “para ter segurança é preciso sentar e negociar” (com os palestinos).

— Não teremos segurança se ignorarmos a realidade. Se existe uma ferida, ela deve ser tratada, senão você corre o risco de ter a perna amputada. Responsabilizo o primeiro ministro. A atitude do governo é de negligência — afirmou Sagit.

A cena em Rishon Letzion expõe uma sociedade movida pelo ódio, em que a solidariedade humana, mesmo para com uma vitima da própria “tribo”, fica em segundo plano: o mais importante é a vingança.

Nessas circunstâncias, em que a Autoridade Palestina perdeu o controle sobre seus próprios jovens e Israel está imersa em uma onda de histeria coletiva em que o medo e o ódio falam mais alto, fica difícil vislumbrar alguma saída racional para esse conflito, que com o passar dos anos parece ficar mais insolucionável.

De acordo com uma pesquisa de opinião realizada pelo instituto Índice da Paz, 87% dos judeus israelenses acreditam que não há chance de que judeus e árabes possam jamais viver em um Estado conjunto com igualdade de direitos.

A pesquisa também demonstra que 68% pensam que não há chances de se retirar a maioria dos colonos israelenses da Cisjordânia, e assim possibilitar a criação de um Estado palestino ao lado de Israel.

Se não houver um Estado palestino independente ao lado de Israel e nem um Estado conjunto com igualdade de direitos, Israel poderá caminhar rapidamente para a anexação dos territórios palestinos e o estabelecimento de um estado só, do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão, no qual haverá pleno domínio israelense e os palestinos não terão quaisquer direitos políticos e seus direitos humanos serão severamente limitados.

Guila Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro Miragem de Paz, da editora Civilização Brasileira.

Artigo publicado, originariamente, em Opera Mundi.


Fonte: http://correiodobrasil.com.br/israelenses-vivem-histeria-coletiva-na-intifada-das-facas/

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