Não conhecia muito o lado poético do Gullar e fiquei maravilhada com o filme onde ele declama suas poesias ao mesmo tempo em que faz instalações com papéis que vão se transformando até se tornarem cenários e quadros ao som da poesia que provocavam e vice-versa.
Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:

A poesia de Ferreira Gullar
Fui ver o filme do Zelito Vianna e da Gabriela Gastal sobre o Ferreira Gullar. Não adianta. Sou viciada no Cinema Novo, sua época, seus participantes e amigos eternos.
Adoro o Espaço Laura Alvim, que depois da reforma suíça, ficou mais interessante ainda. É uma delícia ficar ali naquele pátio, se espantando com a chegada de amigos que não víamos desde uma juventude animada, cheia de
acontecimentos e ideias.
Trabalhei com o Gullar, como atriz, no seu texto para teatro: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” junto com o Vianninha, e a época toda voltou a minha cabeça quando a maioria da classe teatral e do Cinema, fazia parte das passeatas, do chope na Fiorentina, do humor que se espalhava em gargalhadas pelos bares em conversas com Agildo Ribeiro e companhia e do medo dos policiais que cercavam o teatro em busca do meu namorado, Marcos Medeiros, líder estudantil dos mais conhecidos
na época da ditadura.
Então voltei aqueles tempos quando morava na Av. Atlântica, e antes de dar um mergulho ali defronte a minha casa, olhava da varanda pra praia, pra ver se tinha alguém conhecido. Um deles era o Guilherme Guimarães, que morava perto de mim.
Guilherme fez o vestido de casamento, que me deu de presente, pra eu usar na festa lá de casa, que era lindo, de lamé dourado e prateado e mini-saia, que depois usei no Festival de Cannes, e estaria tão na moda hoje em dia, novamente, que uma moça que não conheço me passou um e-mail outro dia pra saber se eu tinha fotos do vestido, que ela queria mandar copiar.
Já o filme delicioso do Zelito, é sobre o lado poético do Gullar e se chama “A arte existe por que a vida não basta”, com o Nanini recitando suas poesias , e outras, transformadas em canções por Adriana Calcanhotto, Paulinho da Viola e Laila Garin.
Paulinho estava lá assistindo o filme e fui falar com ele sobre o tempo em eu trabalhava em “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, no Teatro Opinião e ele fazia shows no Teatro de Arena ao lado, no mesmo shopping, e ficamos lembrando daquele tempo alegre de antigamente, apesar de encararmos a ditadura. Todos tínhamos um ideal verdadeiro e lutávamos por ele.
Não conhecia muito o lado poético do Gullar e fiquei maravilhada com o filme onde ele declama suas poesias ao mesmo tempo em que faz instalações com papéis que vão se transformando até se tornarem cenários e quadros ao som da poesia que provocavam e vice-versa.
Saio feliz do cinema em meio a mesma turma de antigamente que vai tomar champagne e cerveja no pátio lembrando de fatos hilários e ao mesmo tempo histórias tristes de tantos que já se foram.
Então alguém falou de uma passeata em que passamos por um banco gritando: “Você que é explorado, não fique aí parado!” e um cara respondeu: “ Somos explorados por vocês, cineastas, que pedem
financiamento ao banco pra fazer o filme e não pagam nunca!”
É por que a arte existe por que a vida não basta…
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.
Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.
O post Lembrando de Ferreira Gullar apareceu primeiro em Jornal Correio do Brasil.