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Lula fica no PT, quem é de esquerda vai embora

22 de Junho de 2017, 15:00 , por Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Demorou mas chegou a hora da verdade. O pessoal de esquerda dentro do PT esperou uma autocrítica do partido, mas ela não veio e nem virá. Ao contrário da França, onde uma simples suspeita levou três ministros a deixarem o governo, de nada adiantam as evidências de corrupção dentro do PT e da inexistência de uma linha ideológica coerente. Por isso, o pessoal realmente de esquerda, como o ex-ministro gaúcho Tarso Genro,  está decidido a deixar o PT por uma questão de fidelidade às suas convicções. Enquanto isso, comentaristas políticos de esquerda não financiados, rompem o silêncio e apontam os erros da esquerda petista. São dois textos, vale a pena lê-los. Rui Martins, Editor.

Por Celso Lungaretti, de São Paulo:

Sem autocrítica, PT pode implodir

Lá se vão quase dez meses desde que o Senado Federal extinguiu o mandato presidencial de Dilma Rousseff, selando a mais vergonhosa derrota da esquerda brasileira desde o golpe de 1964 – uma nova destituição de chefe do Governo sem resistência minimamente significativa, com a agravante de que, se daquela vez os tanques saíram à rua para intimidar João Goulart, em 2016 bastou um piparote parlamentar para despachar Dilma. 

 
Era um partido sem patrões, hoje é dócil com os patrões.
Lá se vão quase dez meses desde que o Senado Federal extinguiu o mandato presidencial de Dilma Rousseff, selando a mais vergonhosa derrota da esquerda brasileira desde o golpe de 1964 – uma nova destituição de chefe do Governo sem resistência minimamente significativa, com a agravante de que, se daquela vez os tanques saíram à rua para intimidar João Goulart, em 2016 bastou um piparote parlamentar para despachar Dilma. 
 
E só agora, apesar da insistência da cúpula petista em evitar que o partido efetue o imprescindível processo de crítica e autocrítica, o bloqueio começa a ser rompido: os quadros mais consequentes já se reúnem com outras forças para tirarem as conclusões que se impõem, discutindo as causas do fiasco e buscando novas linhas de atuação para substituírem as que fracassaram rotundamente.
 
A Folha de S. Paulo noticia que, na tarde e noite do último domingo (18), alguns petistas mais consequentes estiveram reunidos com dirigentes do PSOL e representantes de movimentos de esquerda a fim de traçarem “uma estratégia conjunta para a oposição”. 
 
Segundo a repórter Cátia Seabra, o anfitrião foi Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que convidou, entre outros, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ); o ex-ministro da Justiça Tarso Genro; o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
 
Decidiram insistir na elaboração de uma plataforma comum da esquerda, proposta que já foi rechaçada duas vezes pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (uma delas ao discursar no recente Congresso Nacional do PT). 
 
Neste sentido, promoverão debates públicos e via internet, visando à formulação de um “programa mais à esquerda”, que “vá além” da timidez dos governos petistas. A reforma do sistema tributário, uma auditoria do sistema da dívida e o controle da mídia serão alguns dos assuntos em discussão, de acordo com a notícia.

Também estaria sendo cogitada a possibilidade de a chamada esquerda petista deixar o partido, ou para formar uma nova agremiação juntamente com Guilherme Boulos, ou em direção ao PSOL.

A pá de cal parece ter sido a postura atual do Lula, de deixar tudo como está para ver como fica, tendo feito declarações do tipo “depois dos discursos inflamados, tem que chegar em casa e colocar na balança, para saber se ele é exequível”. 

Lula chegou ao cúmulo de dizer que, para governar, é preciso fazer alianças com os eleitos – ou seja, prega a repetição dos mesmíssimos erros que conduziram aos infernos do mensalão e do petrolão, além da descaracterização e domesticação graduais que o PT vem sofrendo desde a desastrosa opção pela conciliação de classes.

 
E não poderia faltar a nota pitoresca: segundo Tarso Genro, os participantes da reunião teriam feito um acordo para evitar que sua realização vazasse para a imprensa. Mas vazou, como tudo vaza nos círculos políticos, governamentais e jurídicos. Somos o país da incontinência verbal… e de incontinências piores também.
 
Por último, como avaliarmos a iniciativa desses companheiros? A coisa ainda está embrionária, mas uma certeza existe: a esquerda chegou ao fundo do poço e, pior do que está, não pode ficar. Quaisquer mudanças de rumos têm, portanto, enormes chances de serem para melhor.
 

ARTIGO POLÊMICO SUSTENTA QUE O “ROUBA, MAS FAZ” VIROU UMA UNANIMIDADE NACIONAL

 
Por Celso Lungaretti
Mantendo a tradição de abrir espaço para visões surpreendentes e inusitadas da realidade brasileira, mesmo que parcialmente discrepantes dos posicionamentos assumidos pelos autores do blogue (como aqui se trava o bom combate, antípodas totais escritos que defendam abominações como o capitalismo, as ditaduras, a tortura, a destruição do meio ambiente, a pedofilia, etc. não fariam sentido publicarmos), o Náufrago reproduz nesta 5ª feira, 22, um texto dos mais polêmicos, na esperança de que sirva como um convite à reflexão e ao debate.
 
Até este que voz escreve teria objeções a fazer, discordando, p. ex., de que Lênin tenha sido um sanguinário cujos métodos só produziram o desastre. Mas, esta discussão seria longa e o objetivo deste post é estimular os leitores a se manifestarem, não o de reforçar aquilo que o blogue habitualmente sustenta.
 
O autor do artigo, Eugênio Bucci, dá aulas de graduação e pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da USP e integra o Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog, entre outras atividades, tendo recebido em 2013 o Prêmio Esso de melhor contribuição à imprensa.
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REENCARNAÇÕES DO ADEMARISMO
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Por Eugênio Bucci
À custa de golfadas de mau gosto, a República do Brasil se repete não como farsa, mas como paródia. Bordões de antigamente ressurgem, regurgitados, com um sentido ainda mais cínico. É o que se dá com a máxima ademarista do rouba, mas faz, um dos mitos fundadores da política pátria.
 
Dia sim, dia não, a velha máxima vem abduzir a agenda nacional. Não faz uma semana, houve até a necessidade de que alguém esclarecesse que a doutrina do rouba, mas faz não foi o Maluf que fez. Embora a mística ademarista pareça, por vezes, viajar de carona em hostes malufistas, a autoria da receita rouba, mas faz é anterior ao condenado de Paris. Talvez seja anterior ao próprio Ademar de Barros, que apenas teria encarnado, com seu discurso e sua prática inconfundível, um princípio já enraizado na malandragem que nutria desejo pelo fraque e pelo voto.
 
Em governos mais recentes, que acenavam do palanque com a mão esquerda e contavam as cédulas com a direita (não apenas cédulas eleitorais), o rouba, mas faz ganhou nova acepção: rouba, mas faz obra social. Como supostamente faziam obras sociais, os adeptos desse ademarismo reciclado teriam autorização tácita para financiar de modo, digamos, não contabilizado a subsistência luxuosa dos agentes e operadores das alegadas realizações progressistas. Forjou-se assim o ademarismo canhoto, cuja eficácia eleitoral se mostrou poderosa, embora tenha sido institucionalmente corrosivo.
Era no ladrão Ademar que Jânio prometia usar sua vassoura
 
Outra variante surge agora, no desembalo do governo Michel Temer. Os protagonistas da gestão que aí está não se esforçam quase nada em denotar lisura e conduta ilibada. Em compensação, declaram-se integralmente empenhados em fazer aprovar as tais reformas. Estaríamos vivendo, então, como já foi apontado, sob a égide do rouba, mas faz reforma
 
Podemos fazer um adendo. Como as reformas são de perfil ultraliberal – ou mesmo neoliberal, como vem sendo dito –, o ideário político que se vai delineando no interregno Temer poderia ser apelidado de neoliberademarismo (com o perdão da brutalidade vocabular). O neoliberademarismo funciona. No mínimo, funcionou para segurar até aqui o governo de Michel Temer, o que, convenhamos, é uma proeza.
 
Aliás, o próprio significado da palavra reforma passou por uma reforma radical. Até há bem pouco tempo o substantivo reforma servia como contraponto ao substantivo revolução – e era um termo de esquerda. Os reformistas eram socialistas sinceros, apenas não apostavam no uso da violência para, como gostavam de dizer, transformar a sociedade
 
Os reformistas eram ex-revolucionários adaptados a novos tempos. Os reformistas tinham rompido com o leninismo, não acreditavam mais em organizar o levante armado das massas e duvidavam da estratégia de pegar em armas. Preferiam investir na via eleitoral, dentro da legalidade burguesa, e disputar a hegemonia, mais ou menos como propôs Antonio Gramsci. 
Daniel Cohn Bendit, a liderança mais notória da chamada Primavera de Paris (1968).
Agora, a palavra reforma, que antes integrava o léxico da esquerda, migrou para a direita. Defender a reforma (ou reformas) no Brasil atual é alinhar-se com Michel Temer, o reformista mais aguerrido. De direita.
 
O dicionário político contemporâneo vem dando uma pirueta atrás da outra. A palavra revolução virou slogan de propaganda de automóvel na TV – e na lembrança de uns poucos é uma saudade remota. Nos anos 1980, que já vão longe, Daniel Cohn-Bendit, o Dany le Rouge, líder das ruas revoltosas de Paris em maio de 68, escreveu um livro para celebrar essa saudade: Nous l’avons tant aimée, la révolution. No Brasil, na mesma época, Fernando Gabeira lançou um livro em que ele e Cohn-Bendit dialogavam sobre a mesma nostalgia: Nós que amávamos tanto a revolução
Lênin: moralmente superior aos esquerdistas desvirtuados de hoje
 
Pobre esquerda. Sem o monopólio sobre a palavra reforma, e sem ilusões na palavra revolução, bifurcou-se: uma corrente ama a reforma socializante, que anda em baixa; a outra é essa que está aí a nos dever um novo livro: Nós que roubávamos tanto a revolução. E como roubaram.
 
Chegamos aqui a uma variante mais complexa. Os chupins da utopia alheia configuraram uma categoria política não mais canhota, mas canhestra: o ademarismo-leninismo. Em meio a tantas e tamanhas reviravoltas semântico-políticas, fragmentos ressequidos do pensamento instrumental de Vladimir Ilitch Ulianov Lenin comparecem hoje ao submundo de ademaristas que acham que são leninistas. Haja comédia de mau gosto.
 
Francamente, Lenin não merecia isso. Sabemos que ele jamais cultivou virtudes burguesas e não dava a mínima para os limites da legalidade. Sabemos que seus métodos sanguinários só produziram o desastre. Mesmo assim, Lenin foi moralmente superior aos ademaristas que o veneram secretamente. Nunca lhe ocorreu transformar o partido bolchevique em máquina de assaltar o erário.
Esta unanimidade nacional era preferível…
 
Em seu Esquerdismo, doença infantil do comunismo, publicado em 1920, Lenin admitiu expressamente que os comunistas deveriam conjugar a atividade legal (pública) e a atividade ilegal (clandestina), mas, para ele, a política definia-se pelas ações legais, públicas, e não pelas ações clandestinas. 
 
Ao comentar o caso do agente policial Roman Malinovski, que se infiltrou no partido e chegou a fazer parte do comitê central, ele reafirma que o que vale é a política implementada publicamente. Por isso, ele diz, até mesmo Malinovski, um espião inimigo, “se viu obrigado a contribuir para a educação de dezenas e dezenas de milhares de novos bolcheviques, através da imprensa legal (do partido)”.
 
Para Lenin, deixemos claro, a finalidade mais alta do partido era a política aberta, pública. Para o ademarismo-leninismo, ao contrário, a atividade pública do partido não passa de um atalho para a efetivação do roubo continuado. O que importa é privatizar o que é público, mesmo que para isso seja preciso fazer uma coisinha ou outra. 
 
À direita e à esquerda, quem diria, o ademarismo virou uma unanimidade nacional.
 
 
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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Fonte: http://www.correiodobrasil.com.br/lula-fica-no-pt-quem-e-de-esquerda-vai-embora/

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