Sob o olhar estupefato de todo brasileiro que visa o estabelecimento do país, no mundo, como exemplo de justiça social, o mesmo Parlamento que sepultou a democracia, com o golpe de Estado, em curso, estabelece as bases de um Estado tosco

Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro

A corda está esticada. As forças alinhadas à direita do espectro político têm promovido o maior passo dos brasileiros na direção do capitalismo em seu estado letal. Uma selvageria mais acentuada do que na época anterior à Era Vargas. A ‘PEC da Morte’, como é conhecida a Proposta de Emenda Constitucional 55, aprovada no Senado, incorpora-se à gestão do país nesta quinta-feira, assinada sua promulgação pela República sequestrada. No entanto, juntos com o presidente de facto teremos, todos os nacionais, assinado a lei que condena o país a 20 anos de atraso. Miséria. Fome. Ignorância. Ódio e desagregação. Comemora-se, no Planalto, a vitória do 1% sobre os 99% restantes.

Somente a juventude poderá promover o levante da sociedade para o resgate da democracia

Sob o olhar estupefato de todo brasileiro que visa o estabelecimento do país, no mundo, como exemplo de justiça social, o mesmo Parlamento que sepultou a democracia, com o golpe de Estado, em curso, estabelece as bases de um Estado tosco, distanciado da gente que faz desta uma nação admirada nos dois hemisférios. A consciência nacional tem sido deturpada por um modelo de sociedade que interessa apenas às corporações transnacionais. Seus agentes contam com os conglomerados de comunicação para influenciar a opinião pública. Usam do poder do capital, em uma escala planetária, para sabotar experiências dissonantes na condução política e econômica de povos inteiros. E isso não será, sequer, uma novidade.

República Velha

Mas o Brasil tem o tamanho de sua gente. E será sempre a Pátria, mãe gentil. Daí a força para seguir adiante, apesar da conjunção em que os Três Poderes se unem para sacramentar acordos indizíveis. Aprovar um remendo na Constituição que algema o desenvolvimento de área estratégica como a educação. Vital, por supuesto, como a saúde. Desmembrar a Petrobras e vender o que puder e o que não puder, a preço vil. Estabelecer regras para a aposentadoria dos trabalhadores mais cruéis do que aquelas que inexistiam na República Velha, exatamente, por inexistir a consciência de que a luta de classes é inexorável. Promover o apartheid e as trevas do neonazismo. Arbeit macht frei, apregoaram os nazistas nos portões do inferno, em Auschwitz. Por aqui, mal intencionados juntam os cascos e elevam o braço direito a 40º, com a mão em riste.

As gerações que chegam conhecerão, se cada um daqueles brasileiros com um pingo de consciência social, estatura moral e coração tranquilo se calar, uma terra arrasada. Condenada à pestilência da miséria intelectual dessa elite empedernida, fascista e serviçal à corte, tanto faz se de Lisboa, Paris ou Washington. Uma terra dividida entre gangues rivais, com os interesses ultramarinos garantidos pela mídia conservadora, cínica e golpista. Somente a juventude poderá comandar o levante necessário a trazer o país de volta à normalidade democrática.

Democracia

As ruas, doravante, conforme o golpe de aprofunda, estarão cada vez mais conflagradas. Os movimentos sociais, a sociedade organizada, as universidades, os secundaristas, as centrais sindicais têm, juntos, o poder de paralisar a marcha dos golpistas. O ambiente econômico, diante tamanha instabilidade, agrava-se com a fuga dos mesmos investidores com os quais o governo ilegítimo contava para o patrocínio da aventura que tem sido rasgar a Constituição. E as investigações, queira ou não o juiz Sérgio Moro, terminarão por alcançar chicos e franciscos.

Como diria o moleiro, “ainda há juízes em Berlim”.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

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