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Para além do óbvio

21 de Março de 2017, 9:05 , por Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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É grave a saúde da República cujo povo não pode confiar nos Poderes que deveriam protegê-lo. O fato objetivo é o registro, presente, de algo como uma onda reacionária que percorre o mundo a partir da Europa

Por Roberto Amaral – do Rio de Janeiro:

Os analistas do quadro internacional são unânimes no registro do avanço político do conservadorismo, com seus ingredientes clássicos, que incluem a xenofobia, o racismo e algumas formas de nacionalismo. O processo não é novo, mas, por óbvias razões, só se tornou preocupante a partir do Donald Trump presidente, visto pela grande imprensa como um ‘populista de direita’. Até aqui o adjetivo populista, adotado de forma depreciativa, era reservado pela mídia aos governos populares e de esquerda da América Latina. Ou seja, era uma especificidade da periferia.

Temer: todos sabem que o TSE não agirá contra ele

O fato objetivo é o registro, presente, de algo como uma onda reacionária que percorre o mundo a partir da Europa. Relembrando a história da primeira metade do século passado. Naquele então, quando os EUA rooseveltianos simbolizavam a democracia clássica.

Tivemos formas variadas de ditaduras e nazismo dominando a Alemanha e suas adjacências. Ao lado do fascismo italiano, da ditadura japonesa (constituindo os três o famoso Eixo militar que promoveu a II Guerra Mundial). O stalinismo, o salazarismo e o franquismo, com suas repercussões entre nós. Pois eram também esses, no Brasil, os tempos do Estado Novo varguista.

A História registra o preço pago pela humanidade.

As ditaduras e os Estados autoritários, de fonte militar ou não. Frequentemente se instalam na sucessão de reiterados fracassos da política. Como instrumento eficaz para enfrentar os problemas propostos para as crises econômicas e sociais consequentes.

Onda similar parece renovar-se, em nossos dias, principalmente após o colapso da URSS em 1991. O desmantelamento das repúblicas populares do Leste e o fim da polaridade político-militar.

Crise na economia

Nos anos presentes assistimos à crise, econômico-política da União Europeia. Ameaçada de desagregação. O fracasso rotundo do capitalismo, da globalização e do neoliberalismo. Ao invés de abrir espaços a seu antídoto. Prepara o terreno para o fim das experiências socialdemocratas.

No rasto do fracasso da política clássica emerge a ameaça do chamado ‘populismo de direita’. Com toda a sua carga de reacionarismo. Anunciando um retrocesso político-ideológico. Cujo desenvolvimento deve ser temido pelas forças populares e democráticas de todo o mundo.

A ascensão de Donald Trump. Representando a emergência do pensamento xenófobo e reacionário da maior potência econômica e militar de nosso tempo. Não é um fenômeno irrelevante e suas consequências são ainda imprevisíveis.

Holanda

A derrota de Geert Wilders, na Holanda, pode ser lida como um tranco no nacionalismo xenófobo. Mas não é tudo. Vencedor, o partido do conservador Mark Rutte sofreu drástica redução de sua bancada. O grande derrotado foi o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, que de 38 cadeiras no Parlamento caiu para nove.

Marine de Le Pen (seguida de dois concorrentes de direita) lidera o pleito numa França que, no século XVIII. Ofereceu aos povos de todo o mundo as esperanças de liberté, igualité, fraternité! As sondagens de opinião sequer se referem ao candidato socialista.

Brexit

O Brexit inglês é apenas o indicador de um nacionalismo redivivo, em conflito com as expectativas de convívio entre os povos. Frauke Petry, na Alemanha (à direita de Angela Merkel e empurrando para trás a socialdemocracia). É outro exemplo paradigmático da tragédia político-ideológica representada pelo avanço do pensamento de direita.

Ao lado desses poucos exemplos do atraso também caminham a Áustria, a Polônia e, significativamente. Todas as antigas repúblicas do Leste europeu.

Não são acasos o Congresso brasileiro, majoritariamente conservador e cassador de direitos nem o governo Temer. Muito menos é acaso, fruto do nada e sem significado e consequências a emergência. Em nosso cenário, de um Bolsonaro.

Nas chamadas democracias ocidentais não há substituto para a política, e sua desmoralização é a porta aberta. Por onde chegam os salvadores da pátria e as ditaduras. Assim foi no passado e assim está sendo no presente. De outra parte, em democracias representativas, e pretendemos ser uma. Não há alternativa à representação popular. Fonte única do direito e da legitimidade do poder.

Esse fenômeno não nos é estranho, calcada que é nossa História por crises políticas e, delas derivados, por golpes de Estado e aventuras autoritárias. É que nas oportunidades da crise a classe dominante brasileira investe maciçamente na desmoralização da política. Na sua desqualificação e na desqualificação de seus agentes. O vestibular dos golpes institucionais.

Pátria

É também nesses momentos que surgem e são aclamados ‘os salvadores da Pátria’. E muitos os tivemos e muitos devem estar sendo gestados ainda hoje. Prontos para saltar do ovo da serpente para, em nome da democracia. Assaltar a democracia e os interesses do povo.

Esses personagens, na sua emergência, encantam a classe dominante e sua mídia. Pois fazem sempre o discurso da austeridade. Da restrição de direitos trabalhistas e populares, pintam-se como anti-populistas.

Jânio Quadros, incensado pela plutocracia paulista, pelos partidos conservadores e pela unanimidade da grande imprensa, foi um desses salvadores da Pátria. Fenômeno grotesco que se repetiria, quase quarenta anos passados. Com a eleição de Fernando Collor. O enfant gâté da família Marinho.

Ambos fizeram do moralismo tacanho suas bandeiras. O primeiro empunhando uma vassoura com a qual limparia a ‘sujeira que emporcalhava o Brasil’. O outro, sua versão decaída, se auto-apresentando como ‘caçador de marajás’. Todos nos recordamos dos epílogos (e suas dramáticas consequências) dessas duas aventuras.

Lava Jato

Essas reflexões me chegam trazidas pela análise do comportamento geral da imprensa a propósito das revelações da Operação Lava Jato. Mais recentemente, do alcance da festejada lista nº2 do Procurador Geral da República. Pedindo a abertura de inquérito para mais de uma centena de políticos de todos os matizes partidários. E atingindo em cheio o núcleo mais fechado e íntimo do poder, do ainda presidente de facto Michel Temer.

Pois atinge seus ministros, palacianos ou não, os presidentes das duas Casas legislativas e seus líderes. Eis o que foi revelado de uma lista posta sob sigilo seletivo. E o mais pode ser imaginado.

As generalizações, tão fáceis nessas oportunidades, confundem a todos e tornam todos iguais. Construindo a ideologia da anti-política. Pois a política torna-se sinônimo de corrupção e a corrupção é a mãe de todas as mazelas de que padecemos.

Desta feita, porém, as apurações não perseguem, apenas, os chamados corruptos passivos. Mas, tanto quanto, os corruptores, o que enseja e justifica número tão elevado de empresas e empresários entre os acusados. Simplesmente revelando a essência moral do capitalismo, aqui, na Coreia do Sul e em toda parte. Este aspecto do fenômeno, nada irrelevante. Não interessa à grande imprensa e seus áulicos.

Mas esta não é a revelação única.

A sequência das listas (a última diz respeito exclusivamente às delações da Odebrecht. A maior das empresas acusadas como agente de suborno. Mas ainda assim apenas uma das muitas que optaram pela deleção premiada), termina por revelar o comprometimento do governo. Por seus personagens e sua índole – no esquema de corrupção. Revelam o comprometimento do Congresso Nacional, de particular da maioria parlamentar que votou pelo impeachment. E hoje assegura maioria à súcia instalada no Planalto.

Crise política

São esses os ingredientes fundamentais da crise política que, tendo como pano de fundo a crise econômica. Uma recessão, a maior nos últimos 40 anos, se agrava em face da ilegitimidade da presidência da República. Ilegitimidade que salta do Executivo para sentar-se nas cadeiras dos presidentes da Câmara e do Senado.

Doutra parte, mas não menos nocivamente, o Poder Judiciário. Desde juízos de piso aos tribunais superiores – transforma-se em instrumento de insegurança jurídica ao julgar contra a Constituição. O que faz com alarmante frequência. O STF extrapola de sua competência para invadir atribuições privativas do Executivo e do Legislativo.

Este é um dos indicadores da transição da crise político-econômica para a crise institucional.

O atual presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes – que não esconde sua vinculação partidária, antes a alardeia. Trabalha para impedir o julgamento da impugnação da chapa Dilma-Temer. Que levaria à cassação o espúrio mandato do presidente em exercício.

Trabalha ostensivamente na tentativa de decepar a chapa (evidentemente una). Para dela excluir o vice, seu cupincha. E assim poupá-lo da condenação; trabalha para alterar a composição do pleno do TSE; trabalha, enfim. Para levar o julgamento para depois de 2018. Quando a ação perde objeto, com o fim do atual mandato presidencial.

TSE

Empurrando com a barriga o julgamento, Mendes conta ainda com o fato de que, dos sete membros do TSE. Um sai logo em abril e outro em maio. Temer nomeará seus sucessores.

E, finalmente, saindo de convescote palaciano com Temer, Rodrigo Maia, Moreira Franco e outros acusados que irá julgar no TSE e no STF. Gilmar Mendes passa a defender que a Justiça Eleitoral, no caso, deve votar ‘pensando na estabilidade politica’ e deita falações sobre reforma política.

Se, por hipótese, nada der certo, o ministro Mendes. Ou qualquer preposto seu. Certamente lançará mão do expediente de pedir vistas e sentar-se em cima do processo. Como fez, no STF, no julgamento da ação da OAB contra o financiamento empresarial das eleições.

Até o reino animal sabe que a ação impugnatória não será julgada antes do término do mandato presidencial, e, assim, será extinta.

É grave a saúde da República cujo povo não pode confiar nos Poderes que deveriam protegê-lo.

Que fazer?

A resposta está nas manifestações do dia 15 mês, em todo o país, escondidas pela ação concertada dos meios de comunicação. Elas apontaram o caminho.

 

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.

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Fonte: http://www.correiodobrasil.com.br/para-alem-obvio/

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