Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:

As casas também envelhecem mas se renovam com uma reforma
Há alguns anos que eu não dava uma reformada na minha casa, porque assim como, com a gente mesmo, acabamos não reparando no que o tempo vai fazendo ao nosso redor, e as coisas vão mudando até alguém, por exemplo, nos chamar a atenção para algo que mudou, como meu pedreiro que chegou lá em casa para cuidar do chão de madeira e acabou me dando um susto, dizendo enquanto batia nos azulejos do banheiro:
“ Tá ouvindo, Dona Lucia, como está tudo “ ocado” aqui dentro?
Levei um susto com aquele barulho e percebi que “ocado” queria dizer: ôco, quebrado, e que o meu pobre banheiro estava ficando um caco!
O pior, é que sempre começa por algum lugar especial. No nosso corpo, por exemplo, no rosto, onde qualquer ruga é mais evidente ao lado dos olhos, ou da boca,( onde vai se tornando um verdadeiro código de barras) que na barriga, embora um dia , a gente se depare com o “ocado” do corpo fingindo-se de jovem, disfarçado atrás de roupas charmosas e jovens.
Sabia que se começasse a cuidar da casa, acabaria tendo de refaze-la inteira, já que depois de alguns buracos na madeira antiga do chão terem sido refeitos, seria preciso agora um novo sinteco, depois dele, uns tapetes novos já que os que comprei em Ouro Preto já estavam meio esgarçados.Teria que ficar só com os turcos que são muito lindos e especiais.
As palhinhas das cadeiras possuem enormes buracos, claro, não é a toa que elas foram do Teatro Lirico, compradas em leilão por meu avô.
O problema aqui em casa são essas antiguidades do meu falecido avô que passaram para nossa casa e me fez lidar com elas desde que nasci, na maior das intimidades.
E aí tem as coisas novas, como a máquina de lavar, que já criou manias para aporrinhar a gente, tipo, não centrifugar, por exemplo.
Conto ao meu pedreiro pra ver se ele sabe lidar com máquinas de lavar e ele me pergunta o que é ” centralizar.”
– Centrifugar, Alípio. Não é centralizar!”
-Por que centralizar ela centraliza, né? Perguntou ele.
Centralizar o quê, meu Deus! Mas ele corta o papo dizendo que vai precisar alugar uma maquita para tirar os azulejos do banheiro. Alugamos uma. Não houve jeito.
Daí tivemos que tirar também o musgo das paredes, tendo às vezes que derrubar alguns pedaços delas e colocar um cano novo.
Trocamos as telhas, algumas quebradas, outras com alguns buracos.
Depois foram algumas portas e janelas encalhadas, o portão que não fechava direito e eu ali, firme e forte consertando tudo sozinha pelo amor que tenho a minha casinha colonial que já hospedou tanta gente doida e engraçada dos anos 70, 80, enquanto eu estava na Europa, como Rod Stewart, Jack Nicholson, Leny Dale e Croquetes.
Então faço um balanço dessa raridade que guarda tantas histórias maravilhosas e prefiro gastar dinheiro com ela, com os meus pedreiros e suas maquitas e muitos outros materiais livrando-a de seus “ocados” espalhados por todo canto do que cuidar do meu provável futuro ” código de barras” da boca gastando com o Pitanguy.
Então acordo cedo com o barulho da maquita furando azulejos, com os berros dos pedreiros, a fumaça sufocante, mas me distraio com eles e com a cara que a casa vai ficando sem ter que ligar a TV para ver o sofrimento de um mundo atual matando gente, estuprando, roubando, usando de todos os preconceitos possíveis como pretexto para morte, como fazem com os negros e gays, sem falar dos religiosos que persistem desde antes de Cristo , e dos políticos, matando, desta vez, todos os que comemoravam a Queda da Bastilha, na França.
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil.
Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.
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