Por Celso Lungaretti, de São Paulo:

Condenado por seus antigos companheiros sem ter tido direito à defesa
(O texto que se segue é um desabafo de um resistente à ditadura militar, traído por companheiros e marginalizado durante anos, até a verdade vir à tona. Celso Lungaretti, que foi torturado e tem sequelas até hoje, foi indenizado pela Anistia, mas é o único que até hoje não recebeu o devido, por ter um espírito rebelde e talvez … simplesmente por não ser dilmista. Nota do editor, Rui Martins, com admiração e respeito a Celso Lungaretti, fiel até hoje aos seus ideais, quando tantos traíram a esquerda brasileira e traíram o voto e as esperanças do povo).
O ÚLTIMO ATO DE UM DRAMA HISTÓRICO QUE COMEÇOU HÁ 46 ANOS
Veículos revistados: sem resultados concretos. |
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No processo da foto famosa da Dilma… |
A minha suposta culpa foi tão propalada entre militantes, simpatizantes e admiradores da esquerda que, quando finalmente deixei os cárceres militares, nada havia a fazer. A imprensa, sob censura, não publicaria a minha versão, nem eu tinha como fazê-la circular nos círculos esquerdistas.
Então, sob intensa estigmatização, só me restou o caminho do isolamento numa das comunidades alternativas que pululavam então. Alheio às invencionices sobre mim que abundavam lá fora e apoiado por pessoas que acreditavam em mim, superei os traumas e me reconstruí (o Massafumi, coitado, sucumbiu ao linchamento moral, acabando por enlouquecer e se matar).
Cheguei, na segunda metade da década de 1970, a receber proposta de outro agrupamento de esquerda (a VPR fora dizimada e os sobreviventes a dissolveram): divulgaria declarações minhas sobre as torturas que me haviam sido infligidas (no DOI-Codi/RJ quase enfartei e na PE da Vila Militar/RJ sofri lesão permanente), reabilitando-me para que pudesse retomar a militância, em escalão inferior.
…eu era outro dos réus. |
Quando a sanha ditatorial arrefeceu e a grande imprensa começou a me procurar, pude enfim denunciar pormenorizadamente as torturas que sofrera, mas os focos das reportagens eram outros e o caso de Jacupiranga não interessou a nenhum veículo.
Inicialmente, ele repetiu a versão simplificada: eu tinha estado na área, sabia a localização e a revelara ao DOI-Codi.
A minha réplica trouxe informação nova para o público de esquerda: eram duas as áreas. Eu fizera parte da equipe precursora que fora preparar o terreno para a chegada dos aprendizes, mas o sítio adquirido pela VPR fora considerado inadequado, com o trabalho sendo transferido para outro lugar.
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Na fase de torturas |
- no dia 16/04/1970 eu revelei ao DOI-Codi/RJ a existência e localização da área 1;
- no dia 17, o DOI-Codi/SP enviou duas equipes para lá;
- no dia 18, ambas voltaram para São Paulo trazendo a informação de que a área efetivamente existia, mas estava abandonada, sem atividades guerrilheiras;
- no mesmo dia 18, a partir de nova prisão efetuada pelo DOI-Codi/RJ, foi descoberta a existência de uma segunda área, esta sim ativa, na mesma região.
“A respeito dessa segunda área, nenhuma responsabilidade cabe a Celso Lungaretti, que ignorava a sua existência. Sua vinculação com o episódio restringiu-se, por conseguinte, à informação sobre a área que sabia desativada, fornecida, segundo afirma, sob tortura irresistível”.
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Enfim, toda a verdade. |
As emoções, com o tempo, vão sendo substituídas pela reflexão serena. Percebi que tais detalhes eram, na verdade, irrelevantes. Fundamental havia sido a extrema disparidade de forças que nos tangia inexoravelmente para a derrota final, não a forma como cada batalha foi perdida.
É uma ingenuidade acreditar que os bons serão sempre recompensados e os maus castigados, mas foi este primarismo emocional que tornou necessárias válvulas de escape como a busca sôfrega de culpados nos quais concentrar as pedras, uma espécie de catarse face ao inconformismo com um desfecho difícil de engolir. Daí para ser satanizado também quem não era culpado e quem era menos culpado, foi só um passo.
Sou um homem de princípios: considerei que me cabia apenas o papel de esclarecer a minha participação. Mas, até por senso de justiça, torcia para que toda a verdade acabasse sendo resgatada e exposta.
O ideal, para mim, seria que o fizessem aqueles a quem concerne tal papel: historiadores, jornalistas ou escritores.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
O post Traído por seus companheiros apareceu primeiro em Jornal Correio do Brasil.