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Tributo a Marco Aurélio de Almeida Garcia

22 de Julho de 2017, 12:02 , por Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Um orador seguro, expositor de primeiríssima qualidade. Simpático, afável, mas duro quando necessário; cultivava a ironia fina como estilo

Por Roberto Amaral – do Rio de Janeiro:

Éramos  amigos desde 1961, quando, mal saídos da adolescência, fomos eleitos para a diretoria da União Nacional dos Estudantes, e onde atuamos juntos por mais de um ano.

Marco Aurélio de Almeida Garcia

Desde o primeiro momento se revelaram suas qualidades políticas e intelectuais. Nos debates, nos conflitos ideológicos, admirava sua capacidade de promover encontros e formular sínteses.  Um orador seguro, expositor de primeiríssima qualidade. Simpático, afável, mas duro quando necessário; cultivava a ironia fina como estilo.

Na UNE, logo se tornou um dos ideólogos do Centro Popular de Cultura, onde encontraria Oduvaldo Vianna Filho (grande ator, autor e animador)  e Carlos Estevão (nosso formulador). Com Clemente Rosas, como nós, também vice-presidente da UNE, integramos a Seção Juvenil do PCB, onde brigávamos com a burocratizada direção partidária.

Sob o comando de Aldo Arantes, presidente da UNE em nossa gestão, organizamos a resistência estudantil à tentativa de golpe de agosto de 1961. Quando os militares tentaram impedir a posse de Jango. Rodamos o país inteiro na caravana da UNE-Volante. O primeiro grande esforço visando ao diálogo politizado com as bases estudantis, preparando-as para uma grande greve nacional em defesa da Reforma Universitária.

Aldo Arantes, Clemente Rosas, Marco Aurélio e eu fizemos nossa primeira viagem ao “mundo socialista”. No Brasil, a expectativa de construção de uma sociedade justa nos colocou frente à uma ditadura militar que passamos a combater até nos perdermos nos anos de chumbo. Marco, no exílio (Chile e França); Aldo, na clandestinidade e a caminho da guerrilha; eu, jogando de esconde-esconde com a repressão.

Anos passados

Muitos e muitos anos passados, muita vida percorrida, nos reencontramos, para surpresa nossa, em seminário sobre Gramsci no curso de pós-graduação em Ciência Política na USP. Marco Aurélio, já professor na Unicamp e eu na PUC-Rio, sempre priorizando a militância política.

Antes, pensávamos estar contribuindo para a construção socialista; nos últimos anos da ditadura, nos concentraríamos na reconstrução democrática. Ele participando da fundação do PT; eu, tentando a reorganização do Partido Socialista.

Caminhávamos por margens distintas do mesmo rio, fiéis àqueles ideais que haviam nutrido nossas juventudes. Acompanhei-o na construção do Foro São Paulo e, com Aldo Arantes, nas campanhas presidenciais de Lula e Dilma.

Juntos, integramos o primeiro ministério do Governo Lula, do qual foi ele um dos principais ideólogos. Como inteligente e corajoso assessor internacional, ao lado de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, outros dois grandes brasileiros. A política externa do Presidente Lula,  um dos pontos altos de nosso governo, que tanto orgulho nos rendia,  tem o seu dedo, sua palavra, seu texto, sua clarividência.

Marco Aurélio entendia a necessidade de contraposição à hegemonia estadunidense. Ele sabia que era chegada a hora da multipolaridade em benefício de todos, não apenas do Brasil; percebia a necessidade de sepultar a perigosa e perversa quimera da unipolaridade.

Mercosul

E tinha como evidente que a parte brasileira só faria sentido caminhando com nossos vizinhos da América do Sul e da África. Daí seu empenho no fortalecimento do Mercosul, da Unasul e do Conselho Sul-americano de Defesa; daí sua atenção à presença brasileira no continente africano.

A integração sul-americana e a aproximação com os africanos de língua portuguesa seriam os pontos de partida para o grande projeto Sul-Sul. Paralelamente, caberia dar sentido aos entendimentos do BRICS e estabelecer diálogos políticos em áreas ainda não navegadas pela diplomacia brasileira. O porte e as perspectivas de nossa economia demandavam aproximação com a Ásia, destacadamente com a China.

Marco Aurélio foi um dos arquitetos dessa política ativa e altiva (no feliz resumo de Celso Amorim), que elegeu como azimute a prioridade dos interesses nacionais. A busca de seu próprio caminho, rompendo com o trajeto de submissão automática às grandes potências. Sua herança é o exemplo da politica externa mais bem sucedida desde a Independência.

A grandeza dessa política, revogada, se sobressai independentemente da mediocridade atual, que retira o país do proscênio e o relega, retroagindo aos governos Collor e FHC, à mais abjeta subserviência à potência hegemônica.

Lula

À visão estratégica da política externa de Lula, tivemos, como consequência do golpe que depôs Dilma Rousseff, a retomada da mediocridade, da sabujice, da renúncia a qualquer papel de relevância. De ator mundial, regredimos ao papel de figurantes .

Estivemos juntos, pela última vez, há cerca de dois meses. Marco Aurélio, alegre, nos apresentou seu novo apartamento paulistano, da qual destacava, como salões nobres, sua cozinha-copa-sala de estar “montada como um bistrô”. Dizia ele, e o espaço reservado para sua imensa e rica biblioteca que ainda não conseguira pôr em ordem.

Eu lá estava, na companhia da cineasta e produtora Cláudia Furiati que desejava seus conselhos para um filme (que ainda pretende rodar) sobre a esquerda latino-americana.

A visita começou com um belíssimo jantar, elaborado por ele enquanto degustávamos um majestoso vinho sacado de sua adega. A noite não tinha pressa. Terminamos esse encontro, que eu jamais pensei ser o último, ouvindo-o dissertar sobre o plano de seu livro de memórias. O infarto traiçoeiro nos proibiu dispor de uma peça literária de grande porte, e de um depoimento crucial sobre a política brasileira de nossos dias.

 

Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia.

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Fonte: http://www.correiodobrasil.com.br/tributo-marco-aurelio-de-almeida-garcia/

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