Durante uma semana, um grupo de jornalistas correspondentes em Genebra, inclusive o correspondente do Correio do Brasil, participou de uma viagem a Moscou e Crimeia, organizada pela associação que os congrega, APES. Para garantir sua independência, cada jornalista contribuiu com 1/5 das despesas, contando a viagem com o apoio da Agência de Presse russa Ria Novosti, do grupo de mídia Rossya Segodnya e do milionário e empresário suíço Frederik Paulsen, que asseguraram o restante das despesas, igual no total a 30 mil Euros. Nessa viagem tiveram a oportunidade de encontrar autoridades russas em Moscou e com o governo da Crimeia.
Por Rui Martins, de Moscou e Simferopol:

Navio de guerra russo com lança-mísseis no porto de Sebastopol, Mar Negro, na Crimeia
« Se nos derem cinco anos, nós controlaremos o Mar Negro e o Mediterrâneo » exclama o capitão Oleg, putinista fervoro, mas residente do lado de lá, em Odessa.
Em Yalta, perto da entrada do Palácio de Levadia, antiga residência de verão de Nicolau II, onde Roosevelt, Churchill e Stalin partilharam o mundo em fevereiro de 1945, um estande vende lembranças desse momento histórico que selou o fim da Segunda Guerra. Como o prédio exibe também uma exposição permanente de fotos e objetos da família real do tzar imperador Nicolau II, liquidada logo depois da revolução comunista, ali se pode escolher lembranças do fim da última guerra ou do último imperador.
Ou, então, um símbolo mais moderno, como muitos preferem : Putin, o forte e autoritário, trajando a roupa imperial do fraco Nicolau II, no tom vermelho do império soviético proletário comunista. Para o gosto kitch oriental a fórmula parece ter sucesso, pois até apetrechos de cozinha, como a tábua para cortar legumes ou bater carne, têm no seu verso para encanto das babushkas, a imagem imponente de Putin travestido em imperador.
Há um novo culto da personalidade na Rússia, mais discreto que o prestado a Lenin e Stalin ? Em todo caso, nada a ver com o imposto por Kim Jong-II na Coréia do Norte. O alto índice de popularidade de Putin, calculado em 80 %, parece espontâneo, embora os cartazes com Putin nas estradas mostrem haver também uma campanha não muito discretaem seu favor, alimentada por sua imagem de homem decidido, autoritário e corajoso, depois das decepções com Gorbachov e Yeltsin.
Essa admiração pelo presidente à moda tzar pode se tornar até masoquista. No prestigioso porto de Sebastopol, o antigo capitão da marinha mercante, Oleg, hoje aposentado com apenas 104 dólares mensais e por isso ainda forçado a trabalhar, culpa a Ucrania pelo desmantelamento da frota naval no Mar Negro e se rejubila com os novos navios de guerra ali aportados, alguns dotados de lançadores de mísseis.
« Se nos derem cinco anos, nós controlaremos o Mar Negro e o Mediterrâneo » exclama o capitão Oleg, putinista fervoroso mas residente do lado de lá, em Odessa, apontando a baía cujas águas parecem ser realmente negras.
O exagero é tanto que a própria tradutora se permite comentar – « ele não é sério, está delirando ». Mas a sequência mostra ser um perfeito conhecedor da região e da época ucraniana, apenas dopado pelo entusismo com a anexação russa da região. Como Oleg vivia do turismo ucraniano no porto de Sebastopol, alguém pergunta, como vai o turismo sem os ucranianos. « Vai mal, responde, agora só russos vêm aqui, mas fazer o que ? Foi isso que nós quisemos ».
Constatação confirmada mais tarde em Simferopol, capital da Crimeia, pelo chefe do conselho de Estado, Vladimir Constantinov, cujo governo se esforça por incentivar os ucranianos a retornarem nas férias à Criméia.
Entretanto, esse mesmo capitão Oleg revelou não haver só o medo ou paranóia russa diante das ameaças da OTAN, pois os navios de guerra aportados em Sebastopol dispõem de foguetes antimisseis prontos a interceptarem quaisqeer ataques. Em outras palavras, retornamos ao mesmo clima da guerra-fria, mesmo porque quem dirige a OTAN são os americanos, dizem os russos.
Rui Martins, correspondente do Correio do Brasil em Genebra.
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