O conselho definiu ainda que qualquer importância arrecadada, de agora em diante, será destinada às crianças vítimas da tragédia
Por Redação, com ABr – de Brasília:
O Ministério Público de Minas Gerais abriu inquérito para fiscalizar a origem e a destinação dos valores doados para as vítimas do rompimento da Barragem de Fundão, no dia 5 de novembro, em Mariana.
Um conselho, formado por representantes das comunidades, da Ordem dos Advogados do Brasil, Arquidiocese de Mariana, Associação Comercial, prefeitura e do Instituto Federal de Minas Gerais, definiu que o valor de R$ 1.025.000,00 será dividido em cotas iguais entre as famílias atingidas.
O conselho definiu ainda que qualquer importância arrecadada, de agora em diante, será destinada às crianças vítimas da tragédia, por meio de um fundo de amparo de longo prazo, a que os beneficiários terão acesso ao atingir a maioridade.
Segundo a prefeitura de Mariana, o conselho publicará nos próximos dias um edital com o nome do responsável por cada família beneficiada. Além disso, será aberto prazo para a impugnação do nome ou acréscimo de outro que não tenha sido incluído.
O cadastro das famílias foi feito pela Mineradora Samarco quando, em ação judicial, ocorrida em 23 de dezembro de 2015, concedeu antecipação de indenização aos atingidos. Aquelas famílias, reconhecidas em juízo como afetadas pela tragédia, terão direito à cota da distribuição.
A prefeitura informou que todas as doações foram recebidas de pessoas físicas, empresários e um banco privado, que todas as doações serão comprovadas e as contas prestadas depois de destinadas às famílias.
Maior desastre
O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em novembro de 2015 – que destruiu o distrito mineiro de Bento Rodrigues – é o maior desastre do gênero da história mundial nos últimos 100 anos. Se for considerado o volume de rejeitos despejados – 50 a 60 milhões de metros cúbicos (m³) – o acidente em Mariana (MG) equivale, praticamente, à soma dos outros dois maiores acontecimentos do tipo já registrados no mundo – ambos nas Filipinas, um em 1982, com 28 milhões de m³; e outro em 1992, com 32,2 milhões de m³ de lama. Os dados estão presentes em estudo da Bowker Associates – consultoria de gestão de riscos relativos à construção pesada, nos Estados Unidos – em parceria com o geofisico David Chambers.
Apenas cinco acidentes com barragens de rejeitos excederam 10 milhões de m³ de lançamentos, até hoje, em todo o mundo.
Mas não é apenas nessa métrica (volume de rejeitos) que a tragédia mineira sai negativamente na frente. Em termos de distância percorrida pelos rejeitos de mineração, a lama vazada da Samarco quebra outro recorde. São 600 quilômetros (km) de trajeto seguidos pelo material, até o momento. No histórico deste tipo de acidente, em segundo lugar aparece um registro ocorrido na Bolívia, em 1996, com metade da distância do trajeto da lama, 300 quilômetros.
O ineditismo numérico continua em um terceiro quesito: o custo. O investimento necessário para reposição das perdas ocasionadas pelo desastre, no caso brasileiro, está orçado pela consultoria norte-americana em US$ 5,2 bilhões até o momento. O maior valor contabilizado com a mesma finalidade, após os anos 1990, foi de um acidente com perdas próximas a US$ 1 bilhão, na China. “Essas avaliações não levam em consideração a ‘limpeza’ das áreas afetadas, nem a ‘correção’ de danos diversos os quais os reparos podem não ser economicamente viáveis ou tecnicamente realizáveis”, acrescenta o estudo da consultoria norte-americana.
– Embora os números exatos permaneçam um pouco distorcidos, a diferença de magnitude em relação a catástrofes passadas torna inequivocamente claro que o caso da Samarco é o pior registrado na história sobre essas três medidas de gravidade – pontua Lindsay Newland Bowker, coordenadora da Bowker Associates. O estudo registra, de 1915 a 2015, um total de 129 eventos com barragens, de 269 conhecidos, e projeta, em média, um acidente grave por ano no período de uma década.
Até 2015, foram registrados 70 eventos “muito graves” com barragens em todo o mundo. A classificação leva em conta o fato de esses acidentes terem ocasionado o vazamento de, no mínimo, 1 milhão de metros cúbicos de rejeitos, cada. De acordo com a pesquisa, enquanto na década que se encerra em 1965 havia sido contabilizado 6 milhões de m³ vazados em desabamentos de barragens, na década que termina em 2015, esse número saltou para 107 milhões de m³.
O estudo prevê que a década que se encerrará em 2025 registre 123 milhões de m³ de vazamentos de barragens de rejeitos. Em termos de quilometragem, também é registrada a tendência de crescimento. Na primeira década pesquisada, eram 126,7 quilômetros tomados por lama de rejeitos. Na última década, foram 722,2 quilômetros totais, já incluindo a falha da Samarco. A expectativa para os dez anos que se encerram em 2025 é de 723,5 km.
– Todas as catástrofes na mineração são ocasionadas por erro humano e falhas ao não se seguir as melhores práticas estabelecidas, o melhor conhecimento, a melhor ciência –pondera Lindsay.
A consultora complementa que os acidentes são, também, “falhas dos parceiros públicos”.”Uma das preocupações é que o Brasil permite a utilização de barragens à montante, o método menos estável de construção, com barragens grandes. Trata-se de um desvio aos conhecimentos e práticas globalmente aceitas”, explica. “No caso específico da Samarco, essa instabilidade inerente foi exacerbada por uma taxa de deposição de rejeitos e uma taxa de aumento na barragem muito superiores aos melhores padrões globais”, complementa Lindsay.
O estudo lembra, ainda, outro acidente ocorrido com barragens no Brasil, em setembro de 2014, em Itabirito, também no estado de Minas Gerais. A Herculano Mineração é a responsável pela obra. Na ocasião, dois trabalhadores morreram e um desapareceu.
– As falhas da Samarco e da Herculano são apenas os dois exemplos mais recentes de um Estado que tem falhado na política nacional de mineração. Nenhuma ação foi tomada pelo governo em nível estadual ou federal para a identificar quais foram os problemas e evitar a sua manifestação com novas falhas repentinas – conclui Lindsay.
Esta semana, o subsecretário de Regularização Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, Geraldo Vítor de Abreu, em depoimento à comissão da Assembleia Legislativa do Estado que investiga o desastre da barragem de Mariana, afirmou que Minas Gerais quer proibir o sistema de alteamento de barragens à montante na unidade da Federação. Procurada pelo Portal EBC, a empresa Samarco não se manifestou, até o momento, sobre os dados apresentados pelo estudo da Bowker Associates.