Por Selvino Heck – de Brasília:
Mais de 100 escolas públicas estaduais, inclusive algumas de educação integral, estão ocupadas por alunos em São Paulo, com apoio dos pais e da comunidade, exigindo a derrubada de decisão do governo estadual por seu fechamento. O movimento já dura semanas, cresce a cada dia e a Justiça tem dado ganho de causa aos ocupantes.
Aconteceu o III Fórum de Educação Integral de Pernambuco – “Educação e Cultura: Desafios da Política e do Currículo”, no Centro de Convenções de Olinda, PE, dias 17 e 18 de novembro, sob coordenação do Comitê Territorial de Políticas Públicas em Educação Integral, Programa Mais Educação – Relação Escola-Comunidade, do MEC, e Programa Mais Cultura nas Escolas, do Ministério da Cultura.
Mil professoras/es, educadoras/es, gestoras/es públicas/os refletiram sobre as experiências de educação integral e as práticas dos Territórios Educativos.
São coisas boas acontecendo neste país-continente que a gente mal sabe ou conhece.
A meta seis do PNE (Plano Nacional de Educação) prevê que até 2024 o Estado deverá oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender pelos menos 25% dos alunos da educação básica.
Mas a jornada ampliada é apenas uma face da educação integral. A professora Jaqueline Moll, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reconhecida como uma das idealizadoras do Mais Educação, diz:
“Todos os países desenvolvidos têm uma educação pública de no mínimo seis horas. Mas o mais relevante está no âmbito do conteúdo, na necessidade de reinventar a escola e qualificar seus processos. É preciso repensar o tempo, o espaço, o entorno da escola. Não é possível mais resolver o problema da violência levantando mais muros, colocando grades nas escolas. Você fica em uma situação em que vai ter que fazer um muro cada vez mais alto e não vai resolver. A solução é exatamente o contrário. É preciso destruir os muros da escola. A escola tem que ser um espaço livre, de livre acesso a todo mundo.A educação integral pressupõe que a cidade, como um todo, é uma grande sala de aula”(Encarte especial da revista Caros Amigos, outubro/2015).
Educação popular e Educação integral dialogam entre si, como defendi na Mesa de debate da qual participei: – “Educação popular nos Territórios educativos: sobre o que estamos falando?”.
A educação popular, na sua dimensão política, pedagógica e ética, tem sido voz crítica e construção do novo ao longo do tempo.Nos anos 1960, Paulo Freire propôs a alfabetização dos milhões de analfabetos de então com uma pedagogia libertadora. O golpe de 1964 decretou o fim do Programa de Alfabetização e impediu as Reformas de Base. A ditatura acabou, ou tentou acabar, com a voz crítica e a construção do novo.
Em meio à ditadura e na resistência, a educação popular ajudou a reconstruir, na mobilização social de massas e no pensamento crítico, a democracia, fez surgir movimentos sociais e sindicais colados à base popular, impulsionou a sociedade a se mobilizar por uma Constituição Cidadã.
Apoiou a possibilidade histórica de governos populares com Orçamento Participativo, contribuiu na resistência aos encantos neoliberais do mercado absoluto e do Estado mínimo nos anos 1990, e ajudou a abrir as portas para a construção de políticas públicas com participação social e popular.
A educação popular transformadora, pedagogicamente libertadora e sentido ético de valores de solidariedade, de amor às pessoas, às comunidades, aos saberes populares, tem sido um cimento de cidadania e de protagonismo de atores sociais sujeitos de direitos, que antes nunca tiveram oportunidade, vez e voz.
Os Territórios Educativos são a consciência/voz crítica de um tipo de educação onde basta ter boas notas e aprender matemática e português, educação que não se relaciona com a comunidade, não incorpora na vida e na educação a arte, a cultura, a dança, o esporte, as práticas agroecológicas, o cuidado com o meio ambiente, uma nova sociabilidade.
Os Territórios Educativos tiram a escola de dentro dos muros, fazem da escola um espaço de cidadania. São construção do novo.
Dialogar com os Pontos de Cultura, com os Territórios da Cidadania, a economia solidária, as práticas populares de saúde, as organizações em defesa dos direitos humanos, com os grupos e cooperativas agroecológicas e de produção orgânica, são práticas e experiências dos Territórios Educativos e Comitês Territoriais de Educação Integral. Essa é uma escola viva, que forma cidadãos e não apenas meros consumidores.
São crianças e jovens que se abrem para o mundo, respeitam a diversidade de opiniões, convivem com a diferença, não compactuam com o ódio e a intolerância, não acreditam que o mercado resolve tudo; cidadãs, cidadãos solidários, agentes da esperança, capazes de dialogar e pensar o mundo.
Os Comitês de educação integral e os Territórios Educativos precisam espraiar-se pelo Brasil, envolver as Universidades e o conjunto da sociedade. O Manifesto dos Comitês de Educação Integral, aprovado no III Fórum, reivindica:
“Respeito às nossas metas e à legitimidade conquistada; manutenção do Programa Mais Educação nos moldes pedagógicos atuais, ou seja, não nos rendemos ao ‘mais do mesmo’ (escola de português e matemática); garantia de repasses de recursos com mais previsibilidade e regularidade, que permitam planejamento das secretarias e escolas; injeção de recursos na formação através de Universidades; institucionalizar uma politica de educação integral, a partir do sistema nacional de educação e da base nacional comum, da qual participam necessariamente os Comitês.”
O Brasil está mudando, muitas vezes sem a gente perceber, de baixo para cima. Isso qualifica a democracia, isso representa cidadãos ativos e conscientes, isso constrói uma Pátria de Educadora na mais plena acepção da palavra e um Projeto Popular de país e Nação.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)