Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
Houve um tempo, ainda no Brasil Império, em que cidades como Damasco, capital síria, ou Beirute, no Líbano, eram oásis humanistas em um mundo com a Europa em guerras constantes, quando os EUA eram menos selvagens do que hoje. A construção de uma sociedade plurireligiosa e cada vez mais socialista, nestes países situados no entroncamento da Humanidade, ameaça o stablishment e coloca em risco a City londrina e sua filial, na Wall Street.
O extremismo religioso originário da Arábia Saudita, e sunita, sempre foi uma ameaça às sociedades seculares e democratas na região. A corrida ao petróleo promovida pelo Ocidente com os yankees na liderança, no auge do American Way of Life, desestabilizou o já frágil equilíbrio de forças e, com o advento da criação do Estado de Israel e a Guerra dos Seis Dias que se seguiu, o Oriente Médio passou a viver aos solavancos os dias que antecederam a atual crise humanitária que atinge centenas de milhares de pessoas. A Síria tem suas peculiaridades, como a manutenção dos Al Assad no poder há décadas mas, na outra extremidade, o profundo respeito à convivência entre todos os credos, os mais diversos e ancestrais de que se tem notícia.
Imobilizados na luta contra o Estado Islâmico — de longe o grupo extremista mais consistente desde os califados medievais — os EUA se veem presos, de um lado aos acordos com os sauditas e, de outro, ao declínio da supremacia diplomática e bélica após fracassos na Líbia e no Magreb como um todo, sem contar o enclave no Iêmen. Para a distinta audiência, Washington esbraveja contra o EI mas, de fato, vinha mantendo os confrontos em fogo baixo, à espera de uma possível reação dos grupos religiosos tão extremistas quanto as bandeiras negras que proliferam na Síria, na luta contra o governo secular do presidente Bashar Al Assad.
A intervenção russa, extremamente eficaz e precisa, em apenas alguns dias minou as defesas do EI, bem guarnecidas com equipamentos norte-americanos de última geração, e redefiniu o desenho geopolítico do Oriente Médio. Com a presença chinesa no Mar Mediterrâneo, segundo relatos de especialistas, aumenta a possibilidade dos coturnos marcharem sobre as áreas hoje dominadas pelos extremistas, entre elas Palmira, onde destruíram monumentos milenares, e Aleppo, onde decapitam e crucificam ‘infiéis’ de toda sorte.
Esta nova realidade política na região serve como um janela aberta aos novos ares de um mundo plural, cada vez mais livre do domínio norte-americano na vida dos países onde resolve impor, à força, seu ponto de vista e seus costumes, na máxima: “If you want it. Take it. If you take it. Pay it” que, traduzido livremente, significa “se eu quiser, pego. Se pegar, pago por isso o quanto e quando achar mais conveniente”. Por essas e outras, após patrocinar as desastradas ‘Primaveras Árabes’, os EUA agora vivem o ‘Outono do Império’.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do jornal Correio do Brasil.