Ao longo de 2015, as elites adotaram várias táticas, mas mantiveram sua unidade estratégia
Por Valter Pomar – São Paulo:
O ano de 2015 está perto de acabar. Que balanço fazemos deste ano? Qual foi o papel da Frente Brasil Popular? Quais desafios nos esperam no ano de 2016?
A principal característica de 2015 foi a ofensiva das elites contra os setores populares.Esta ofensiva teve diferentes protagonistas (os setores médios reacionários, o grande capital, os partidos de direita, o oligopólio da mídia, segmentos do aparato de Estado –com destaque para o judiciário, o MP, a PF e as forças armadas) e teve múltiplos alvos (os direitos trabalhistas, os direitos sociais, as liberdades democráticas, as mulheres, os negros, a juventude especialmente da periferia, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, a política do governo, o mandato presidencial).
A ofensiva das elites não teve um único comando, nem adotou uma única tática. Pelo contrário, desde o início de 2015 as elites estiveram divididas em torno de duas táticas: os que consideravam prioritário o ajuste fiscal recessivo, que teria o efeito colateral de desgastar o governo Dilma e a esquerda, ajudando a criar o ambiente para vitórias das candidaturas da elite em 2016 e 2018; e os que consideravam prioritário criar as condições para interromper imediatamente o mandato da presidenta Dilma, interditar o PT e Lula, com o objetivo de assumir desde já o controle integral do governo federal.
Apesar das divergências táticas, a ofensiva das elites foi e segue animada por objetivos estratégicos comuns: realinhar o Brasil aos EUA (afastando-nos dos Brics e da integração latino-americana e caribenha); reduzir o salário e a renda dos setores populares (diminuir as verbas das políticas sociais, alterar a legislação trabalhista, reduzir direitos, não reajustar salários e pensões, provocar desemprego e arrocho); e diminuir o acesso do povo às liberdades democráticas (criminalizar a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizar a justiça, ampliar o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinar o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredir os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas).
Ao longo de 2015, as elites adotaram várias táticas, mas mantiveram sua unidade estratégia. O campo popular, por sua vez, esteve dividido tanto na estratégia quanto na tática, com diferentes leituras da situação política internacional, continental e nacional, diferentes posturas táticas frente à ofensiva das elites e diferentes alternativas estratégicas.
Apesar disto, o ano de 2015:
Começou com os “coxinhas” dominando as ruas e terminou com os setores populares dominando as ruas; iniciou com Levy na Fazenda e terminou com Levy fora da Fazenda.
Ou seja: embora as elites continuem com a iniciativa política, embora os embates e os perigos continuem intensos, ainda assim em 2015 a véspera do Natal está sendo melhor do que o Dia de Reis. Ao que se deve isto?
Nada possui uma única explicação. Assim, o ano termina melhor do que começou por diversos motivos. Mas dentre estes motivos, há dois muito evidentes: no mês de dezembro de 2015, as elites viveram um momento de forte divisão, ao mesmo tempo que o campo popular unificou sua ação.
A divisão das elites ocorreu quando o (neste momento ainda) presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, para proteger seus interesses pessoais, deflagrou o processo de impeachment, recorrendo às já conhecidas “manobras” regimentais, tanto ao compor a comissão que analisaria o pedido de impedimento, quanto no Conselho de Ética da Câmara.
Embora parte das elites tenha apoiado a iniciativa, o processo de impeachment nasceu sob o estigma do golpe animado por objetivos criminosos. Como disse editorial de um importante jornal das elites: Cunha tornou-se “disfuncional”. Como resultado, as manifestações de 13 de dezembro de 2015 foram um fracasso de público e de crítica.
O início do processo de impeachment, marcado pelas características criminosas já descritas, colocou os setores populares diante de uma disjuntiva: unidade na ação ou derrota sem pena. É verdade que alguns setores minoritários (não apenas na oposição de esquerda, mas também nos partidos, bancadas e governo) “torceram o nariz” para a construção da unidade. Mas a imensa maioria dos setores progressistas, democráticos e de esquerda iniciou um processo em grande medida espontâneo de unificação, que ficou visível no caráter plural e massivo das manifestações de 16 de dezembro de 2015.
As manifestações de 16 de dezembro foram convocadas unitariamente, em torno das consignas “Contra o golpe, em defesa da democracia!”, “Fora Cunha!” e “Por uma nova política econômica!”. Não em torno de uma única palavra de ordem, mas em torno das três, deixando a cada setor envolvido a liberdade de estabelecer as hierarquias e as vinculações entre cada um dos aspectos.
Logo após as manifestações, a presidenta Dilma recebeu a Frente Brasil Popular; o Supremo Tribunal Federal derrotou os aspectos mais aberrantes dos procedimentos adotados por Eduardo Cunha; e o ministro da Fazenda Joaquim Levy deixou o governo. Medidas que não resultam do sucesso da mobilização de 16 de dezembro, mas que vistas de conjunto resultam num saldo positivo para os setores populares, ao término de um ano marcado pela ofensiva das elites.
Qual foi o papel da Frente Brasil Popular neste processo?Sem prejuízo de um balanço mais detalhado, e ao mesmo tempo tomando cuidado para não estimular uma disputa de protagonismos que apenas prejudica a unidade, consideramos que a Frente Brasil Popular, assim como cada uma das organizações e militantes que a integram, contribuímos muito para o processo anteriormente descrito. Especialmente porque desde o início apostamos na unidade, apostamos na mobilização social, apostamos na combinação das palavras de ordem, e foi este o caminho que nos levou ao resultado atual.
Entretanto, a Frente Brasil Popular não quer ter um grande passado pela frente. Nossos desafios maiores estão no futuro: a defesa dos direitos, a defesa da democracia, a defesa da soberania nacional, a luta pelas reformas estruturais e a defesa da integração latino-americana. E o ano de 2016 será, como 2015, de grandes enfrentamentos entre as elites e os setores populares.
A luta contra o golpismo continua. Não basta retirar Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Por um lado, ele precisa sair de lá em direção à cadeia. Em segundo lugar, as elites vão tentar eleger para seu lugar alguém mais “funcional” e certamente um setor importante buscará dar prosseguimento ao processo de impeachment. Ademais, a importância assumida pelo STF e o papel que o Supremo atribuiu ao Senado constituem uma “faca de dois gumes”, até porque o centro da questão é que não se pode retirar do povo o direito de eleger a presidência da República.
A luta por outra política econômica continua. Não basta substituir o ministro da Fazenda. É preciso adotar medidas imediatas e de médio prazo, que interrompam o ajuste fiscal recessivo, que recomponham as políticas e os direitos sociais e trabalhistas, que estimulem o emprego e o desenvolvimento. Medidas que passam por libertar nossa economia e nossa sociedade da ditadura do capital financeiro.
Se o governo insistir numa política econômica que provoca, direta ou indiretamente, desemprego, recessão e desassistência, tornar-se-á muito mais difícil derrotar a ofensiva das elites.
A luta por reformas estruturais continua. Sem reformas estruturais, as elites continuarão dispondo dos meios para sabotar, deter e tentar reverter os processos de mudança em nosso país. Sem reformas estruturais, a maioria do povo brasileiro continuará sem usufruir as riquezas que produz. Sem reformas estruturais, nosso desenvolvimento continuará conservador, dependente e aquém das potencialidades e necessidades do país.
A luta pela integração regional continua. O avanço das elites, em países como Argentina e Venezuela, amplia a importância do Brasil continuar firme na defesa dos processos de integração sul-latino-americanos e caribenhos, com destaque para o Mercosul, a Unasul e a Celac.
A luta pela construção da Frente Brasil Popular continua. É preciso lançar a FBP em todos os estados do Brasil, em todas as cidades brasileiras. Estimular as instâncias da FBP a terem um funcionamento regular, capaz de oferecer um espaço de debate político acolhedor principalmente para as centenas de milhares de militantes que ainda não fazem parte, nem pretendem necessariamente fazer, de nenhuma organização partidária, popular, sindical ou de juventude.
Investir energias na constituição de espaços unitários de comunicação, construídos a partir da cooperação entre os instrumentos já existentes. E continuar apostando na unidade de ação junto com outros setores e frentes.
E discutir como tratar, no âmbito da Frente, das eleições 2016.
Não devemos descartar que no período de festas de 2015, a direita promova ações espetaculares, por exemplo no âmbito da chamada Lava-Jato. Entretanto, sem baixar a guarda e sem deitar sobre os louros, podemos afirmar que travamos o bom combate e tivemos êxito porque ficamos do lado certo e adotamos a política correta. Buscaremos fazer o mesmo em 2016.
Valter Pomar, é Historiador pela Universidade de São Paulo, mestre e doutor em História Econômica pela mesma universidade. Iniciou sua militância política no final dos anos 1970, participando do movimento estudantil secundarista e integrando um organismo de base da esquerda do PCdoB. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde os anos 1980