Nos momentos cruciais na vida, é preciso ter lado, não se esconder e, no extremo e, se preciso, morrer abraçados juntos
Por Selvino Heck – de Porto Alegre, RS:
“Cumprimos com o nosso dever. Não fizemos uma revolução. Apenas assumimos uma atitude de inabalável resistência. Decidimos não abrir mão da nossa autonomia e procuramos lá, não apenas resguardar as liberdades públicas e individuais, garantias, mas não permitir que atentassem contra elas, como também resolvemos nos opor ativamente contra as que querem atentar contra a ordem jurídica, contra as liberdades, contra a ordem institucional em nosso país.” As palavras são do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, em 1961.
A Brigada Militar gaúcha postou-se em frente ao Palácio Piratini, Brizola transferiu os microfones da Rádio Guaíba, então os mais potentes do Estado, para os porões do Palácio Piratini. Chamou o povo às ruas para defender e exigir a posse do vice-presidente João Goulart, que estava em viagem à China, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros. Era a histórica Campanha e Rede da Legalidade. Fruto da resistência, da mobilização e unidade do povo gaúcho, Jango voltou ao Brasil e tomou posse como presidente.
Agora, 2015, de novo fatos históricos. Instalou-se o Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o Golpe no Brasil. O ato foi registrado por uma foto, que diz tudo. Na linha de frente, o ex-governador Olívio Dutra, Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, Jussara Cony, do PCdoB, o ex-governador Tarso Genro, Ary Vanazzi, presidente estadual do PT, Luciana Genro do PSOL, prefeito de Porto Alegre José Fortunati, dirigentes de movimentos sociais como a presidenta do Centro dos Professores (CPERS), Helenir Aguiar Schürer, deputadas/os, vereadoras/es, todas e todos em frente ao busto de Brizola, que fica ao lado do Palácio Piratini.
Carta Maior faz a manchete: ‘Rio Grande do Sul reedita Campanha da Legalidade para defender o mandato da presidenta Dilma Rousseff.’ Sul21 registra:‘Junto ao busto de Brizola, autoridades lançam nova Campanha da Legalidade.’
Nas palavras do ex-governador Olívio Dutra, “temos que garantir que o processo democrático não seja interrompido. Temos críticas ao governo, mas é importante que nós recuperemos a autoridade da presidenta. Problemas na democracia se resolvem com mais democracia”.
Palavras do ex-governador Tarso Genro: “Desde a revolução de 1930 temos espasmos de autoritarismo e reação contra democracias quando há redução das desigualdades sociais, da melhoria do padrão de vida das populações, de democratização do espaço público. Isso ocorreu contra Getúlio, contra Jango, contra Juscelino, Brizola e tentaram fazer isso contra o Lula. Agora, existe um movimento no mesmo sentido, reacionário e conservador, utilizando instâncias democráticas para interromper um mandato legitimamente eleito.”
A Carta de adesão ao Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o golpe no Brasil, lida pelo prefeito José Fortunati, diz que “com este ato, hoje, 11 de dezembro de 2015, estamos nos somando a milhares de homens e mulheres que, no exercício pleno de sua cidadania, atuam em defesa da Legalidade, da Democracia e do Estado de Direito”.
A Carta diz ainda: “Neste momento, declaramos nossa adesão ao Movimento Rede da Legalidade contra o Impeachment e o golpe no Brasil. Fazemos nossas as palavras do então governador Leonel Brizola, proferidas em 1961. A democracia é maior que tudo e este pensamento nos permite separar, neste momento, divergências ideológicas, programáticas, visões sobre a economia e projetos políticos para o País. É com este discernimento que afirmamos que não há embasamento legal para o pedido de impeachment da presidenta Dilma.”
Se em algum momento alguém perguntasse a um gaúcho ou gaúcha se um acontecimento desses seria de novo possível, quase todos diriam que não. Mas a sexta-feira, 11 de dezembro de 2015, produziu um fato histórico, desses que não acontecem todos os dias.
O ano de 2015, obviamente, não é 1961. Mas 44 anos depois de 1961, forças e elites conservadoras, os chamados formadores de opinião, importantes parcelas da grande mídia mais uma vez ameaçam a democracia.
Felizmente hoje, 2015, as forças populares são mais organizadas e a democracia está mais consolidada. É mais difícil perpetrar um golpe. Porém, o que não foi feito nos anos 1960, e permanece não feito em 2015, são as Reformas de Base, isto é, reformas estruturantes para mudar o Brasil, entre as quais, em primeiro lugar, a reforma política.
Por isso, em 2015, é decisivo acontecer em todo Brasil o movimento de unidade do Rio Grande do Sul, tal como em 1961, com as forças populares nas ruas, não mais com o microfone da Rádio Guaíba, mas com as redes sociais e a internet: impedir o impeachment/golpe antidemocrático e exigir que finalmente aconteçam as Reformas de Base, mais que urgentes e necessárias.
Os democratas de todas as origens e vertentes não podem omitir-se nessa quadra histórica. Nos momentos cruciais na vida, é preciso ter lado, não se esconder e, no extremo e, se preciso, morrer abraçados juntos.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).