Por Marcelo Barros – de São Paulo:
Toda a humanidade consciente se sente ferida e ameaçada pelos ataques terroristas contra a sociedade civil e especificamente pessoas inocentes que, em Paris, andavam na rua, assistiam a um jogo de futebol ou participavam de um show. Além das pessoas mortas e feridas, a pior consequência de atos como esse é o de reforçar um pânico generalizado, legitimar maior rigidez nas fronteiras e marginalização dos imigrantes já discriminados.
Além disso, esses atos acabam suscitando na opinião pública o desejo de uma vingança que toma a forma de novas guerras “preventivas” como a que, depois dos ataques às Torres Gêmeas, legitimou as invasões norte-americanas ao Afeganistão, ao Iraque e a outros países.
Essas guerras massacraram populações civis, causaram milhares de mortos, destruíram a estrutura social e econômica de países inteiros e não deixaram nenhum saldo de paz ou de justiça. Nem mesmo trouxeram segurança ao Ocidente, cada dia mais ameaçado. Ao contrário, só torna o mundo cada vez mais inseguro e perigoso. Infelizmente, o que antes era a guerra contra a Al Qaeda, agora se volta contra o “Estado Islâmico”. Todos sabem que esse grupo terrorista não é um verdadeiro Estado. E são tão islâmico como os deputados fundamentalistas do nosso Congresso Nacional são evangélicos.
Responder a esses ataques de Paris com invasões e atos militares de guerra lançará o mundo em mais uma aventura cruel na qual quem mais sofre é sempre a população pobre dos países escolhidos como alvos.
O que está por trás do terrorismo desses grupos que usam o Islã como pretexto para o seu ódio ao Ocidente é uma ideologia de defesa que se apoia em um determinado fundamentalismo religioso. Não adianta matar um, dez ou 100 fanáticos para acabar com o fanatismo. Não é com foguetes e mísseis nucleares que se transformam mentes e corações.
O mundo nunca terá paz nem segurança enquanto as potências do Ocidente, especialmente os Estados Unidos e a França, não aceitarem rever suas posições e reconhecer erros graves cometidos, em décadas recentes, contra populações do Oriente Médio e da África.
Entre as décadas de 1950 e 1990, a associação entre os EUA e os grupos fundamentalistas esteve no epicentro de alguns fatos históricos. No governo do ditador Sukharno, mais de um milhão de comunistas indonésios foram assassinados pelos militantes do Sarakat-para-Islã, apoiados com dinheiro e armas norte-americanas. Em outras nações, como Síria e Egito, esse mesmo tipo de apoio logístico e militar foi empregado pelos norte-americanos para que os governos de esquerda perdessem seu respaldo.
No ano de 1979, os EUA forneceram armas e treinamento para que grupos afegãos lutassem contra os invasores soviéticos. Em contrapartida, naquele mesmo ano, os iranianos fundamentalistas derrubavam o governo apoiado pelos norte-americanos por meio da revolução. Nas décadas subsequentes, os Estados Unidos financiaram com dinheiro e muitas armas a chegada dos talibãs ao governo do Afeganistão.
Todo mundo sabe que Bin Laden e a sua organização Al- Qaeda nasceram sob o patrocínio político e econômico do governo dos Estados Unidos. Do mesmo modo o tal Estado Islâmico foi armado pelo governo norte-americano, que precisava de um pretexto para invadir a Síria, mas depois perdeu o controle sobre o grupo que armou. No Wikileaks, Julian Assage publicou sobre isso muitos documentos. Em uma entrevista ao Democracy Now, Noam Chomsky declarou que os Estados Unidos financiaram e financiam ainda o EIIL através da Arábia Saudita.
Só recentemente, essa aliança entre o Império americano e os terroristas foi se transformando em relação de ódio em que os “terroristas” confrontavam o poder do “demoníaco império do Ocidente”. Em 2001, essa rivalidade chegou ao seu ápice quando os integrantes da organização Al-Quaeda organizaram o ataque às torres do World Trade Center.
Na ascensão de grupos radicais que se denominam “islâmicos” e em sua luta contra a política externa norte-americana, a questão religiosa tem função quase acessória. A ideia de que o Islamismo em si fomenta essa situação de conflito é falsa, embora na natureza do Islã existam elementos que podem favorecer esse tipo de fanatismo.
Desde os anos 90, a ONU compreendeu que precisa de uma organização inter-religiosa que a ajude em situações de conflito nas quais o elemento religioso esteja presente. Assim nasceu a URI (United Religions Initiative), Iniciativa das Religiões Unidas e outros organismos que a assessoraram em alguns momentos.
A cultura religiosa presente em várias instituições, tanto cristãs como islâmicas, precisa ser revista e modificada para não ser conivente com nenhum ato terrorista ou violento que queira utilizar sua linguagem cultural. Nesse sentido, a ONU precisa de uma assessoria de teor teológico e espiritual que possa atuar em situações de conflito como essa que assistimos nesses dias.
É preciso preparar melhor as religiões para renunciar ao seu dogmatismo e conviver como irmãs em um mundo pluralista.
Marcelo Barros, Monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.