Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com ele, deixar morrer o egoísmo que nos impregna e fazer emergir todas as boas energias
Por Frei Betto – do Rio de Janeiro:
Há certa doçura na festa de Natal: o reencontro familiar; a alegre expectativa das crianças; a mesa farta (para quem pode); a celebração do nascimento de Jesus (para quem crê); o recesso no trabalho. E algo arde no coração como pimenta braba: o presente compulsório; o consumismo papainoélico; a crise brasileira; a violência global. Tempo de doçuras entremeado de amarguras.
Somos todos feitos do imponderável. De “insustentável leveza do ser”. Embora, por vezes, sentimentos negativos nos fazem pesar toneladas. Como reza a ciência, tudo é energia condensada. Nossas células são feitas de moléculas filhas de átomos que abrigam o baile quântico de partículas elementares. No sistema solar, cabrochas planetárias rodopiam em torno da própria cintura e, anualmente, circundam o Mestre Sol. E todo o Universo dança ao som da sinfonia cósmica.
No céu, os enfeites de Natal nunca somem. Mas nem sempre há brilho em nossos olhos.
Em tudo a fantasia nos precede. Daí a ânsia em desembrulhar presentes de Natal. O que sairá desse pacote? A força da ficção na literatura e no cinema. O Papai Noel antitropical vara a noite estrelada em seu trenó puxado por renas. Da casa em que habitamos à roupa que vestimos, do design da tela do computador à diagramação da página do jornal, tudo se fez, primeiro, antes de se tornar realidade, fantasia na mente criativa. Por isso, nunca morre o menino que um dia fomos. O mundo seria insuportavelmente asfixiante sem a beleza da fantasia.
Natal é época de deixar a fantasia solta. Não a que encobre o corpo, reservada ao Carnaval. Mas a que inebria a alma. Livrá-la de tudo que a polui: ressentimentos, mágoas, invejas. Sintonizá-la com os valores encarnados pelo Menino Jesus – Deus entre nós. Sobretudo, fazer-se presente em vidas repletas de ausências: de saúde, de dignidade, de liberdade, de afeto, de autoestima.
O presépio em família, recoberto de lirismo, sublima o relato bíblico que enfeixa tantos fatores infelizmente atuais: Maria e José, recusados na casa da família, ocupam um pasto na periferia de Belém; Herodes manda degolar todos os bebês da cidade; para fugir da opressão, Maria, José e o Menino emigram para o Egito. Deus presente na conflitividade humana.
Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com ele. Deixar morrer o egoísmo que nos impregna e fazer emergir todas as boas energias que fazem do amor a matéria – prima e última – de todo programa centrado no advento de novas relações, pessoais e sociais.
Há que escolher entre Herodes e o Menino. Entre Dionísio e o Menino. Para se fazer uma festa, a receita é simples: convidar um punhado de gente, misturar em torno de uma grande mesa, acrescentar bebida e comida sem sabor de comunhão. Agitar com bastante música, rechear com muitos presentes, e servir como se fosse Natal.
Já a receita para se fazer um Natal requer reunir um grupo de irmãos e irmãs, ligados pela mesma fé, unidos em uma única esperança. Adicionar Cristo e deixar fermentar até nascer o homem e a mulher novos. Servir evangelicamente a quem tem fome e sede de justiça.
Como os pastores de Belém, devemos dar glória a Deus, que habita o recôndito de nossos corações, na esperança de que esta menina tão bela e frágil, a democracia brasileira, não seja sacrificada pelos acordos oportunistas de Herodes.
Feliz Natal, Brasil.
Frei Betto, é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.