Há uma sociedade em ebulição e movimento, não só pelo processo de impeachment anunciado, golpe contra a democracia, ou pelas denúncias de corrupção
Por Selvino Heck – de Porto Alegre, RS:
A luta social e a injustiça sentaram-se frente a frente para um longo e duro debate. Quem ganharia? Em frente às duas, a esperança, assistente privilegiada. Até que a esperança perguntou: “Quem vai desistir?” Ao que a luta respondeu: “Vou desistir quando ela, a injustiça, desistir. Como ela não desistirá enquanto não for derrotada…”
Foi parte da reflexão de Ricardo Spíndola, Professor da Universidade Católica de Brasília e educador popular, no 13º Encontro Nacional da Rede de Educação Cidadã (RECID), ao falar sobre ‘Participação social e educação popular: mecanismos de resistência, avanços e desafios para formação de consciências críticas’.
O Encontro da RECID, no final de novembro, teve a participação de 150 educadoras/es populares, lideranças de movimentos sociais e populares, representantes de Fóruns, Coletivos, Redes, ONG, Comitês Territoriais, com o tema ‘Participação Social e Popular e Educação Popular na Pátria Educadora’.
As perguntas e reflexões foram, entre muitas outras, em meio a cantos, danças, cirandas e místicas: “Como pensar respostas à conjuntura de crise? É necessário usar a energia crítico-criativa para repensar o que fazer frentes aos desafios da realidade. Como superar a lógica do individualismo, do ‘cada um que mate o seu leão do dia’, incentivadas pela perspectiva neoliberal, e construir pertencimento e solidariedade? Fortalecer os processos de organização, formação e lutas, sobretudo num contexto de crise. Promover maior diálogo entre as Redes que atuam nos diferentes territórios. – Num contexto da crise de representação, a educação popular é um componente central do fortalecimento da democracia participativa. Repactuar o projeto popular em torno de uma nova plataforma, repensando as bases de sua unidade, superando as fragmentações do campo popular e da esquerda, sem perder de vista a autonomia das diferentes organizações.”
Mas houve muito mais neste final de novembro e início de dezembro. Aconteceu o Seminário Nacional de Formação Artística e Cultural, promovido pela Secretaria de Educação e Formação Artística e Cultural (SEFAC) do Ministério da Cultura, com o objetivo de “construir uma política pública de formação artística, de forma colaborativa, reunindo gestores, artistas, educadores, movimentos sociais e sociedade civil na formulação do Programa Nacional de Formação Artística e Cultura e de estimular a criação de uma ampla rede que articule as diversas escolas livres, as escolas formais de arte e os formadores de arte em todas as regiões”.
Houve mais. Em torno da 15ª Conferência Nacional de Saúde, com cerca de 5 mil participantes, aconteceu o I Encontro Latino-americano de Entidades e Movimentos Populares: Pelo Direito Universal à Saúde. Aconteceu a 3ª Etapa da Articulação dos Coletivos de Educação Popular em Saúde e a Conferência Livre de Educação Popular em Saúde rumo à 5ª Conferência Nacional de Saúde, com centenas de lideranças dos movimentos populares de saúde de todo Brasil, e com “o objetivo de contribuir com o processo formativo permanente e de organização político-social dos movimentos dos coletivos e práticas de Educação Popular em Saúde, bem como subsidiar atores e atrizes para construírem de maneira crítica o processo de implementação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). E contribuir com a 15ª Conferência Nacional de Saúde”.
Aconteceu a Tenda Paulo Freire, com rodas de conversa sobre as Práticas integrativas e populares de cuidado: integrando saberes para cuidar bem das pessoas no SUS; Disputando o conceito do que seja uma Pátria Educadora: a Educação Popular em Saúde nas políticas de Saúde; Equidade em saúde: promovendo cuidado na diversidade; o Poder popular recriando a participação na saúde; Saúde e Cultura.
Há uma sociedade em ebulição e movimento, não só pelo processo de impeachment anunciado, golpe contra a democracia, ou pelas denúncias de corrupção que atingem os presidentes do Congresso e grandes lideranças políticas e empresariais.
Há luta social e esperança, que só vão terminar quando a injustiça desistir.
Ricardo Spíndola disse: O nosso grande educador é a estrada. Ou como alguém escreveu: ‘educa-a-dor’: a crise faz surgir oportunidades; a dor não só ensina a gemer, quanto produz respostas, conscientiza. Ou como respondeu Florestan Fernandes, quando perguntaram ao grande sociólogo e intelectual sobre sua trajetória de compromissos com o povo trabalhador e com a transformação social e econômica, ao lhe entregarem uma láurea quase ao fim de sua vida: “Foi a oportunidade de enfeitar o meu destino de engraxate.” Ele começou sua vida trabalhando como engraxate.
Há Redes de utopia em movimento. Há esperança no ar (e nem preciso falar das mobilizações de rua em crescimento, dos estudantes ocupando escolas em São Paulo e tantas coisas mais).
Ninguém será capaz de abafar a consciência e a organização popular e impedir a construção de políticas públicas com participação social e popular. Ninguém esmagará a democracia. E isso não é pouca coisa nestes tempos.
Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)