Ir para o conteúdo

Correio do Brasil

Voltar a Política
Tela cheia Sugerir um artigo

Argentina é aqui?

4 de Dezembro de 2015, 10:40 , por Jornal Correio do Brasil » Política Arquivo | Jornal Correio do Brasil - | No one following this article yet.
Visualizado 12 vezes

Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro:

A última vez que a agenda neoliberal comandou a política econômica argentina foi durante o governo de Carlos Menem, nos Anos 90. O roteiro daqueles anos foi muito parecido ao do contemporâneo Brasil de Fernando Henrique Cardoso: um peronista agarrado ao clássico discurso social democrata do seu partido, que se rendeu ao Consenso de Washington assim que assumiu. As políticas econômicas importadas de Chicago tiraram o país da hiperinflação, mas o levaram a um quadro de recessão econômica que provocou o aumento da pobreza, o empobrecimento da classe média e o enfraquecimento da indústria nacional, especialmente as pequenas e médias.

Menem já havia recebido uma Argentina que os militares fizeram parar no tempo, imobilizada por uma inacreditável burocracia digna de papéis selados e lacrados. Os argentinos já conheciam a crise; com Menem foram embotados. Agora, a agenda neoliberal de Magri será confrontada com uma realidade que é o reverso dessa medalha. A Argentina cresce na última década a taxas em torno de 9%. O governo Cristina Fernández criou 3,5 milhões de postos de trabalho com carteira assinada. Entre 2003 e 2011, houve uma acentuada queda da taxa de desemprego. Em 2011, a taxa caiu para 7,4%. No mesmo ano, de acordo com a CEPAL, a pobreza foi reduzida em mais de 33,8%, chegando ao índice de 5,7% da população, a mais baixa da América Latina. Enfim, em seis anos, a classe média, conforme números do Banco Mundial, chegou a 18,6 milhões de argentino.

Maria Fernanda Arruda
Maria Fernanda Arruda

A agenda de Mauricio Magri, não a que ele alardeou em campanha mas aquela que o fez o candidato e agora presidente das elites argentinas, pressupõe que terá ele capacidade para oferecer à Nação o prato insalubre da recessão, aquela que está sempre no cardápio do FMI. A sua política econômica foi omitida durante a campanha, que se transformou, à semelhança do que aconteceu no Brasil, num discurso da mendacidade, quando afirmava defender programas de reestatização, manter os projetos de distribuição de renda e não fazer ajustes ficais.

Macri criou em 2003 o partido “Compromiso por el Cambio”, feito depois o atual PRO. Eleito deputado federal, não comparecia as reuniões, não votava, não participava. Está sendo processado pelo uso não autorizado de espia telefônica. Em muitos aspectos, ele repete a experiência feita pelas elites brasileiras com Fernando Collor de Mello. Mas, como brasileiros, devemos parar por aqui, e sabendo que o povo argentino é bravo e politizado, não é dado a concessões e acordos, como o que se faz aqui pelo Brasil.

Existe na Argentina uma aristocracia oligárquica consolidada desde a independência, formada pelas famílias senhoras e donas das terras e dos negócios, que desenvolveram em associação com capitais ingleses interessados especialmente na produção da lã que abasteceria a sua indústria têxtil. O número relativamente menor de famílias nobres conheceu uma apreciável expansão com a migração ocorrida entre fins do século XIX e começos do XX, até 1940. Foi quando a aristocracia argentina confundiu-se, inclusive com casamentos, com a nobreza europeia, colocando-se como “nobreza” argentina, composta por famílias, como as então famosas Três “AS”: os Anchorena, os Alzaga e os Alvear.

Atualmente, as dez famílias da burguesia senhora das terras aumentaram em muito as suas propriedades, quatro delas permanecendo no topo da linhagem de latifundiários, compondo-se como a espinha dorsal da classe alta argentina. Sem prejuízo disso, outros grupos vieram a somar-se ao grupo dos privilegiados.

A aristocracia argentina soube incorporar novos ricos. Conserva o patrimônio herdado, aumenta-o, mantém-se como os senhores das terras, conservadas como patrimônio familiar. Os seus membros se encontram na Sociedade Rural Argentina, no Jockey Club e outros clubes fechados, amando o rugby e o polo. Em Buenos Aires, ocupam seus bairros diferenciados, como Palermo, onde levantaram palácios de estilo afrancesado, pretendendo em tudo e sempre afirmar-se como corpo social privilegiado, com sua linguagem, seus códigos de comportamento, vindos desde os tempos de estudantes nos mesmos colégios, tudo facilitando alianças e negócios.

Maria Fernanda Arruda
Existe na Argentina uma aristocracia oligárquica consolidada desde a independência

A aristocracia oligárquica argentina não guarda quaisquer semelhanças com o coronelismo e o mandonismo que nasceram na casa grande. Ela não teve escravos, teve serviçais. Ela conservou e mantém até hoje os seus usos e costumes, uma visão elitista de um mundo que enxerga com desprezo aquele outro, o nosso, da casa grande & senzala. Em São Paulo, a avenida Paulista de começos do século XX foi implodida. Palermo está lá.

A partir de 1880, a aristocracia oligarca argentina reuniu-se em torno de um partido político que representasse ortodoxamente os seus valores, hoje Partido Democrata Nacional, conhecido como Partido Conservador. Politicamente, sempre esteve representada pelo Exército, com os seus quadros de oficiais recrutados nos seus meios. Ainda que não tivesse experimentado um regime político submetido a uma Coroa Imperial, a Argentina criou, consolidou e soube manter até hoje uma aristocracia, de ares europeus, que fez de seu País uma nação rica, sustentada pela exportação agropastoril, muito mais rentista do que empresária industrial, praticando violentamente a sua convicção de que o povo se controla com as patas dos cavalos. Quando preciso, até mais do que isso: os anarquistas da Patagônia, que se fizeram grevista em 1921, em prejuízo dos exportadores de lã, 1.500 deles foram fuzilados num mesmo dia e hora.

​C​omeçou o século XX como o país rico da América Latina, um país europeu que baseava a sua riqueza na exportação agropastoril. Mas, a começar doa anos 30, aconteceria uma reversão penosa, com a perda irrecuperável de mercados para a sua carne e para o trigo. A aristocracia rural argentina não soube promover uma acumulação capitalista, que levasse à industrialização, e nem uma distribuição de renda que desse proporções a um mercado interno consumidor. Não criaram condições para um desenvolvimento sustentável.

Entre 1930-1943, a Argentina, dominada ainda pela aristocracia latifundiária, associada ao capital inglês, e sustentada pela força militar, viveu um período e completa estagnação econômica, acompanhada de crise social e repressão violenta. Em 1943, um pronunciamento militar trouxe o nome de Juan Domingo Perón, nomeado para a Secretaria do Trabalho e Previdência Social. O líder populista surgiria em seguida, pragmático, despido de qualquer ideologia, um “populista” que repugnou às elites desde o primeiro momento.

A adesão de Macri à diretrizes do Departamento de Estado americano está sendo recebida com notável entusiasmo pelos “homens de negócios” no Brasil. Será necessária muita firmeza do governo Dilma Rousseff para opor-se às manobras que objetivam recolocar a América Latina sob as asas dos Estados Unidos: não mais pelos motivos criados com a “guerra fria”, que levou às décadas de chumbo ao sul do rio Grande, mas porque os “homens de negócios norte-americanos” assim o querem. E o grande problema está aí: o governo Dilma Rousseff é extremamente fraco.​

Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.


Fonte: http://www.correiodobrasil.com.br/argentina-e-aqui/

Rede Correio do Brasil

Mais Notícias