Hoje vamos contar uma história, para grandes e pequenos.
Uma história que não é inventada mas é resumo do que se passou num País longínquo, onde as pessoas passam o dia a comer massa, ouvir Toto Cutugno e ver as montras dos estilistas famosos. México? Não, mas qual México: é a Italia. A nossa história até tem um nome: Mani Pulite, "Mãos limpas".
Prontos? Vamos.
Corria o ano 1992 e o simpático Max (que depois sou eu) vivia num País chamado Italia. Este País era uma autêntica treta: na prática nada mudava, os políticos eram sempre os mesmos desde o final da guerra (ver caso de Giulio Andreotti), os partidos também: havia a Democrazia Crisitana (sempre no poder), o Partito Socialista (um pouco no poder, um pouco não) e o Partito Comunista (nunca no poder). Havia também outros partidos, mas sem alguma real importância.
O sistema político regido por estes movimentos tinha dado alguns frutos: o grande boom económico da década dos anos '50, por exemplo, ou o boom dos primeiro anos '80. Tinha também resistido ao fenómeno terrorista (anos '70 e início '80), todavia, além destes pontos positivos, a verdade é que tinha favorecido o surgimento dum grupo de poder fechado, onde dominavam a corrupção e os acordos com a Máfia no Sul do País.
As pessoas estavam fartas, o desacredito do mundo político era total. Só que não havia solução à vista. Até que a solução surgiu "sozinha", quase por acaso.
Milão é a capital económica do País: as sedes das empresas estão aí, os políticos em Roma.
Cresceu muito ao longo das décadas, em 1992 era a capital duma área metropolitana já com 7 milhões de pessoas. Milão não é bonita, mas tem o seu fascínio cinzento, feito de neve e nevoeiro, gente que nunca pára e grandes lojas.
Em 1992 Milão era governada por uma junta socialista, sendo o Presidente da Câmara Paolo Pillitteri. E foi quando Mani Pulite teve início.
Numa fria manhã de Fevereiro, o Público Ministério Antonio Di Pietro pediu ao Juíz Italo Ghitti uma ordem de captura para o engenheiro Mario Chiesa, presidente do Pio Albergo Trivulzio (um lar comual para os idosos).
Mario Chiesa tinha sido descoberto enquanto recebia uma tangente, isso é, dinheiro em troca de favores no âmbito dos negócios, "oferecida" pelo empreendedor Luca Magni (o qual, todavia, tinha alertado os Carabinieri).
Uma das tantas histórias de corrupção, mas um pormenor fazia a diferença: Mario Chiesa era um noto representante do Partido Socialista de Milão, o mesmo que governava a cidade.
Chiesa ficou preso na prisão de San Vittore, e numa primeira fase não parecia intencionado a colaborar. Mas a seguir mudou de ideia: começou a falar do sistema de corrupção, o sistema das tangenti, muito amplo. O que não era uma novidade pela maior parte dos cidadãos, mas neste caso a justiça havia à disposição um testemunho de relevo. Chiesa, então, explicou que a tangente tinha-se tornado uma espécie de taxa paga na maior parte dos concurso públicos: e este dinheiro acabava nos cofres dos principais partidos, sem exclusões (Partito Comunista incluído).
Nesta altura a Procuradoria de Milão decidiu pôr o segredo no resto da investigação, que continuou. Entretanto a Democrazia Cristiana subestimava o episódio enquanto o líder do Partito Socialista, Bettino Craxi, falava de "desenho político da magistratura" e o Partito Comunista ficava entretido coma própria reconstrução após a queda do regime soviético.
Mas logo após as eleições de Abril começaram as detenções: políticos e empreendedores, com a investigação que abandonava os limites de Milão para abranger todo o País. Era um inteiro sistema que ruía com uma rapidez impressionante. Os políticos presos agora confessavam, o que ampliava ainda mais o raio de acção da justiça.
Ficou famoso o episódio do dirigente socialista que confessou logo após os Carabinieri terem tocado a campainha de casa. Só depois percebeu que os agentes tinham chegado só por causa duma multa não paga. Mas era tarde.
Na base das confissões estava o facto dos líderes maiores retirarem o apoio aos líderes menores apanhados: isso difundia o sentimento de abandono e de vingança, o que facilitava ainda mais e desencadeava uma autêntica cadeia de confissões.
Lentamente (mas nem tanto) Mani Pulite entrou no Parlamento. O recém formado governo (com Socialistas e Partido Democrático) ficou muito fragilizado pelas detenções e quando em Maio chegou a altura para eleger o novo Presidente da República o caos era total.
Foi eleito Oscar Luigi Scalfaro, provavelmente um dos últimos democristianos incorruptos. Uma pessoa de velho estilo, ainda com alguns valores entre os quais o mais importante dada a altura: honestidade.
Scalfaro recusou as nomeações de políticos próximos dos indagados (o Presidente da Câmara de Milão, por exemplo, era genro do Secretário do Partito Socialista, Craxi) e a escolha como novo Primeiro Ministro acabou no socialista Gabriele Amato (outras das "raridades" não corruptas).
Mas fora do Parlamento as investigações não pararam, raiva dos cidadãos aumentava e dois novos episódios arriscaram precipitar o País no caso: em Maio a Máfia assassinou o juiz Giovanni Falcone e em Julho o colega dele, Paolo Borsellino. Ambos gozavam do apoio da opinião pública e representavam a "cara limpa" do Italia e os assassinatos foram também vistos como uma tentativa de desviar a atenção da opinião pública.
No mês de Setembro, Bettino Craxi, líder do Partido Socialista (dizimado pela acção judiciária) atacava publicamente o P.M. Di Pietro e a Procuradoria de Brescia dava conhecimento duma investigação acerca do mesmo: mas o procedimento foi arquivado uma vez descoberto que dois amigos de Di Pietro tinham recebido ofertas em dinheiro para afirmar que o P.M. fazia uso de drogas.
Nesta altura a publica opinião apoiava em força a acção dos juízes e as eleições locais de Dezembro confirmaram a queda vertiginosa dos partidos tradicionais: o sistema das tangenti era claro e nenhum dos sectores políticos ou económicos parecia imune.
Em Fevereiro Craxi foi oficialmente indagado e teve que demitir-se como líder do Partito Socialista; o governo Amato foi forçado pedir a demissão de qualquer componente sob investigação, ministros incluídos. Silvano Larini, socialista, confirmou a existência duma conta bancária suíça, o assim chamado Conto Protezione (banco UBS) qual verdadeira conta do partido, gerido pelo vice-presidente Claudio Martelli e pelo ex-líder Bettino Craxi.
No dia 5 de Março de 1993 o governo aprovou uma lei que despenalizava o financiamento ilícito aos partidos: esta lei, definida desde logo como "golpe de esponja", ameaçava as investigações em curso pois tinha um contestado artigo que, na prática, conferia um valor retroactivo à medida. A reacção da opinião pública foi forte, houve protestos e manifestações no País: o Presidente da República, Scalfaro, recusou assinar a lei argumentado acerca da inconstitucionalidade.
No dia 30 de Abril o Parlamento negou a autorização pedida pelos juizes para continuara a investigar e interrogar o ex-líder do Partito Socialista (ainda deputado). No dia anterior, num famoso discurso, Craxi tinha admitido ter recebido financiamentos ilícitos em nome do partido e tinha também acusado de hipocrisia os outros antigos partidos, pois todos faziam parte do mesmo esquema. Mas isso não impediu que dois ministros pedissem as demissões como forma de protesto por causa da falta de autorização.
Estudantes ocuparam várias universidades e liceus, algumas sedes locais socialistas foram atacadas, incluída a sede nacional de Roma, onde foi precisa a intervenção da polícia para dispersar os manifestantes. Outros alcançaram o Hotel Raphael, residência romana de Craxi, e quando este saiu foi alvo de objectos atirados pelos cidadãos, sobretudo moedas (ao grito de "Bettino, queres estas também?").
Nas eleições nacionais de Junho de 1993 o Partito Socialista praticamente desapareceu enquanto a Democrazia Cristiana conseguiu metade dos votos. Na mesma altura, a Falange Armata, grupo terrorista suspeito de ter relacionamentos com os serviços secretos, enviou uma ameaça de morte ao P.M. Di Pietro enquanto segundo alguns mafiosos colaboradores de justiça a Máfia projectava a morte do mesmo Di Pietro como "favor a um político do Norte" (Craxi era de Milão, Norte do País).
Do ponto de vista político a situação era complexa: a queda dos antigos partidos e a avançada dos novos (Lega Nord) ainda não possibilitava a criação dum governo forte e o Presidente Scalfaro decidiu apostar num governo técnico que, entre as prioridades, tinha aquela de relançar a economia. O sector produtivo e a máquina pública encontravam-se numa estado de coma: ninguém tinha a coragem de comprar e vender, pois qualquer transicção era logo alvo de investigação. Era, de facto, a paragem da economia nacional.
As investigações acerca das tangenti tinham também levantado o véu acerca de outros escândalos e há uma vaga de suicídios entre os investigados enquanto parece não haver empresa que consiga fugir: Eni, Montedison, Fininvest (Berlusconi), as farmacêuticas internacionais Bayer e Baxter entre outras.
A situação permaneceu praticamente inalterada até 1994. É deste ano a primeira tentativa para repor a situação sob controle, não com a tentativa de travar os juízes mas criando uma frente política que possa ocupar o vazio deixado com o desaparecimento da Democrazia Cristiana e do Partito Socialista.
Esta tentativa tem a cara de Silvio Berlusconi, empreendedor de Milão, que entra na contenda política por varias razões (não última o facto da magistratura estar a aproximar-se perigosamente do Grupo Fininvest, a central do império Berlusconi).
Para salvar Craxi (amigo pessoal de Berlusconi) é demasiado tarde: procurado pelos juízes, foge para a Tunísia, onde falecerá no ano 2000. Todavia Berlusconi consegue fundar um partido no prazo de poucas semanas, a presentar-se às eleições de Março e ganhar.
Esta vitória pode parecer anómala quando observada do estrangeiro, mas na realidade é a lógica consequência de diversos factores:
1. a Italia sempre foi um País politicamente de Centro e Berlusconi ocupou logo aquele espaço (deixado vazio após o desaparecimento da Democrazia Cristiana).
2. a atitude do maior partido de Esquerda, o antigo Partito Comunista Italiano (em 1994 já Partito Democratico della Sinistra), que a) nos media já interpretava o papel de vencedor, b) que não conseguiu atrair o eleitorado do Centro, c) que decidiu aliar-se com Rifondazione Comunista (Esquerda radical), Verdes, Alleanza Democrática (na qual militavam alguns ex-democristianos) e até com os restos do Partito Socialista.
3. o facto de ignorar (e tentar "abafar") as investigações acerca da corrupção na área da Esquerda em vez que aproveitar para actuar uma profunda "limpeza" e afastar qualquer dúvida.
Estes três erros construiram a vitória de Berlusconi, em particular o segundo: os Italianos perceberam esta "sopa" de partidos como a tentativa de ganhar o poder à qualquer custo, mesmo com uma aliança com o Partito Socialista e com os restos da Democrazia Cristiana, ao longo de décadas o inimigo por excelência do povo da Esquerda.
Como primeira medida, Berlusconi convidou o juiz Di Pietro para exercer as funções de Ministro do Interior e o colega dele, o juiz Davigo, como Ministro da Justiça, mas ambos recusaram. Poucas semanas depois é o irmão de Berlusconi, Paolo, que é preso. E entra na fase mais quente a guerra entre o grupo de juízes de Milano e o novo governo liderado por Berlusconi, uma guerra que acabará em Novembro com as demissões de Di Pietro e com a queda do Governo poucas semanas depois.
Aqui acaba Mani Pulite.
Ipse dixit.
Uma história que não é inventada mas é resumo do que se passou num País longínquo, onde as pessoas passam o dia a comer massa, ouvir Toto Cutugno e ver as montras dos estilistas famosos. México? Não, mas qual México: é a Italia. A nossa história até tem um nome: Mani Pulite, "Mãos limpas".
Prontos? Vamos.
1992
Antonio Di Pietro |
O sistema político regido por estes movimentos tinha dado alguns frutos: o grande boom económico da década dos anos '50, por exemplo, ou o boom dos primeiro anos '80. Tinha também resistido ao fenómeno terrorista (anos '70 e início '80), todavia, além destes pontos positivos, a verdade é que tinha favorecido o surgimento dum grupo de poder fechado, onde dominavam a corrupção e os acordos com a Máfia no Sul do País.
As pessoas estavam fartas, o desacredito do mundo político era total. Só que não havia solução à vista. Até que a solução surgiu "sozinha", quase por acaso.
Milão é a capital económica do País: as sedes das empresas estão aí, os políticos em Roma.
Cresceu muito ao longo das décadas, em 1992 era a capital duma área metropolitana já com 7 milhões de pessoas. Milão não é bonita, mas tem o seu fascínio cinzento, feito de neve e nevoeiro, gente que nunca pára e grandes lojas.
Em 1992 Milão era governada por uma junta socialista, sendo o Presidente da Câmara Paolo Pillitteri. E foi quando Mani Pulite teve início.
Numa fria manhã de Fevereiro, o Público Ministério Antonio Di Pietro pediu ao Juíz Italo Ghitti uma ordem de captura para o engenheiro Mario Chiesa, presidente do Pio Albergo Trivulzio (um lar comual para os idosos).
Mario Chiesa tinha sido descoberto enquanto recebia uma tangente, isso é, dinheiro em troca de favores no âmbito dos negócios, "oferecida" pelo empreendedor Luca Magni (o qual, todavia, tinha alertado os Carabinieri).
Uma das tantas histórias de corrupção, mas um pormenor fazia a diferença: Mario Chiesa era um noto representante do Partido Socialista de Milão, o mesmo que governava a cidade.
Chiesa ficou preso na prisão de San Vittore, e numa primeira fase não parecia intencionado a colaborar. Mas a seguir mudou de ideia: começou a falar do sistema de corrupção, o sistema das tangenti, muito amplo. O que não era uma novidade pela maior parte dos cidadãos, mas neste caso a justiça havia à disposição um testemunho de relevo. Chiesa, então, explicou que a tangente tinha-se tornado uma espécie de taxa paga na maior parte dos concurso públicos: e este dinheiro acabava nos cofres dos principais partidos, sem exclusões (Partito Comunista incluído).
Nesta altura a Procuradoria de Milão decidiu pôr o segredo no resto da investigação, que continuou. Entretanto a Democrazia Cristiana subestimava o episódio enquanto o líder do Partito Socialista, Bettino Craxi, falava de "desenho político da magistratura" e o Partito Comunista ficava entretido coma própria reconstrução após a queda do regime soviético.
Mas logo após as eleições de Abril começaram as detenções: políticos e empreendedores, com a investigação que abandonava os limites de Milão para abranger todo o País. Era um inteiro sistema que ruía com uma rapidez impressionante. Os políticos presos agora confessavam, o que ampliava ainda mais o raio de acção da justiça.
Ficou famoso o episódio do dirigente socialista que confessou logo após os Carabinieri terem tocado a campainha de casa. Só depois percebeu que os agentes tinham chegado só por causa duma multa não paga. Mas era tarde.
Na base das confissões estava o facto dos líderes maiores retirarem o apoio aos líderes menores apanhados: isso difundia o sentimento de abandono e de vingança, o que facilitava ainda mais e desencadeava uma autêntica cadeia de confissões.
Lentamente (mas nem tanto) Mani Pulite entrou no Parlamento. O recém formado governo (com Socialistas e Partido Democrático) ficou muito fragilizado pelas detenções e quando em Maio chegou a altura para eleger o novo Presidente da República o caos era total.
Foi eleito Oscar Luigi Scalfaro, provavelmente um dos últimos democristianos incorruptos. Uma pessoa de velho estilo, ainda com alguns valores entre os quais o mais importante dada a altura: honestidade.
Scalfaro recusou as nomeações de políticos próximos dos indagados (o Presidente da Câmara de Milão, por exemplo, era genro do Secretário do Partito Socialista, Craxi) e a escolha como novo Primeiro Ministro acabou no socialista Gabriele Amato (outras das "raridades" não corruptas).
Mas fora do Parlamento as investigações não pararam, raiva dos cidadãos aumentava e dois novos episódios arriscaram precipitar o País no caso: em Maio a Máfia assassinou o juiz Giovanni Falcone e em Julho o colega dele, Paolo Borsellino. Ambos gozavam do apoio da opinião pública e representavam a "cara limpa" do Italia e os assassinatos foram também vistos como uma tentativa de desviar a atenção da opinião pública.
No mês de Setembro, Bettino Craxi, líder do Partido Socialista (dizimado pela acção judiciária) atacava publicamente o P.M. Di Pietro e a Procuradoria de Brescia dava conhecimento duma investigação acerca do mesmo: mas o procedimento foi arquivado uma vez descoberto que dois amigos de Di Pietro tinham recebido ofertas em dinheiro para afirmar que o P.M. fazia uso de drogas.
Nesta altura a publica opinião apoiava em força a acção dos juízes e as eleições locais de Dezembro confirmaram a queda vertiginosa dos partidos tradicionais: o sistema das tangenti era claro e nenhum dos sectores políticos ou económicos parecia imune.
1993
Bettino Craxi |
No dia 5 de Março de 1993 o governo aprovou uma lei que despenalizava o financiamento ilícito aos partidos: esta lei, definida desde logo como "golpe de esponja", ameaçava as investigações em curso pois tinha um contestado artigo que, na prática, conferia um valor retroactivo à medida. A reacção da opinião pública foi forte, houve protestos e manifestações no País: o Presidente da República, Scalfaro, recusou assinar a lei argumentado acerca da inconstitucionalidade.
No dia 30 de Abril o Parlamento negou a autorização pedida pelos juizes para continuara a investigar e interrogar o ex-líder do Partito Socialista (ainda deputado). No dia anterior, num famoso discurso, Craxi tinha admitido ter recebido financiamentos ilícitos em nome do partido e tinha também acusado de hipocrisia os outros antigos partidos, pois todos faziam parte do mesmo esquema. Mas isso não impediu que dois ministros pedissem as demissões como forma de protesto por causa da falta de autorização.
Estudantes ocuparam várias universidades e liceus, algumas sedes locais socialistas foram atacadas, incluída a sede nacional de Roma, onde foi precisa a intervenção da polícia para dispersar os manifestantes. Outros alcançaram o Hotel Raphael, residência romana de Craxi, e quando este saiu foi alvo de objectos atirados pelos cidadãos, sobretudo moedas (ao grito de "Bettino, queres estas também?").
Nas eleições nacionais de Junho de 1993 o Partito Socialista praticamente desapareceu enquanto a Democrazia Cristiana conseguiu metade dos votos. Na mesma altura, a Falange Armata, grupo terrorista suspeito de ter relacionamentos com os serviços secretos, enviou uma ameaça de morte ao P.M. Di Pietro enquanto segundo alguns mafiosos colaboradores de justiça a Máfia projectava a morte do mesmo Di Pietro como "favor a um político do Norte" (Craxi era de Milão, Norte do País).
Do ponto de vista político a situação era complexa: a queda dos antigos partidos e a avançada dos novos (Lega Nord) ainda não possibilitava a criação dum governo forte e o Presidente Scalfaro decidiu apostar num governo técnico que, entre as prioridades, tinha aquela de relançar a economia. O sector produtivo e a máquina pública encontravam-se numa estado de coma: ninguém tinha a coragem de comprar e vender, pois qualquer transicção era logo alvo de investigação. Era, de facto, a paragem da economia nacional.
As investigações acerca das tangenti tinham também levantado o véu acerca de outros escândalos e há uma vaga de suicídios entre os investigados enquanto parece não haver empresa que consiga fugir: Eni, Montedison, Fininvest (Berlusconi), as farmacêuticas internacionais Bayer e Baxter entre outras.
1994
Silvio Berlusconi |
Esta tentativa tem a cara de Silvio Berlusconi, empreendedor de Milão, que entra na contenda política por varias razões (não última o facto da magistratura estar a aproximar-se perigosamente do Grupo Fininvest, a central do império Berlusconi).
Para salvar Craxi (amigo pessoal de Berlusconi) é demasiado tarde: procurado pelos juízes, foge para a Tunísia, onde falecerá no ano 2000. Todavia Berlusconi consegue fundar um partido no prazo de poucas semanas, a presentar-se às eleições de Março e ganhar.
Esta vitória pode parecer anómala quando observada do estrangeiro, mas na realidade é a lógica consequência de diversos factores:
1. a Italia sempre foi um País politicamente de Centro e Berlusconi ocupou logo aquele espaço (deixado vazio após o desaparecimento da Democrazia Cristiana).
2. a atitude do maior partido de Esquerda, o antigo Partito Comunista Italiano (em 1994 já Partito Democratico della Sinistra), que a) nos media já interpretava o papel de vencedor, b) que não conseguiu atrair o eleitorado do Centro, c) que decidiu aliar-se com Rifondazione Comunista (Esquerda radical), Verdes, Alleanza Democrática (na qual militavam alguns ex-democristianos) e até com os restos do Partito Socialista.
3. o facto de ignorar (e tentar "abafar") as investigações acerca da corrupção na área da Esquerda em vez que aproveitar para actuar uma profunda "limpeza" e afastar qualquer dúvida.
Estes três erros construiram a vitória de Berlusconi, em particular o segundo: os Italianos perceberam esta "sopa" de partidos como a tentativa de ganhar o poder à qualquer custo, mesmo com uma aliança com o Partito Socialista e com os restos da Democrazia Cristiana, ao longo de décadas o inimigo por excelência do povo da Esquerda.
Como primeira medida, Berlusconi convidou o juiz Di Pietro para exercer as funções de Ministro do Interior e o colega dele, o juiz Davigo, como Ministro da Justiça, mas ambos recusaram. Poucas semanas depois é o irmão de Berlusconi, Paolo, que é preso. E entra na fase mais quente a guerra entre o grupo de juízes de Milano e o novo governo liderado por Berlusconi, uma guerra que acabará em Novembro com as demissões de Di Pietro e com a queda do Governo poucas semanas depois.
Aqui acaba Mani Pulite.
Ipse dixit.
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