É verdade que, num primeiro momento, serve-se porque forçados e vencidos pela força, mas aqueles que virem depois servem sem arrependimentos e fazem de bom grado o que os seus antecessores haviam feito com a força.
É assim que os homens nascidos sob o jugo e, em seguida, criados e educados na servidão, sem já olhar para a frente, contentam-se em viver como nasceram e não pensam em ter outro bem nem outro direito excepto aquele que receberam, e assumem como natural a condição do nascimento deles. [ ...]
Assim, apesar da natureza humana ser livre, o hábito tem sobre os indivíduos efeitos maiores do que não a natureza dele, e por isso aceitam a servidão pois sempre foram educados como escravos: "A natureza do homem é o direito de ser livre e querê-lo ser, mas a sua atitude é tal que naturalmente preserva a inclinação que lhe dá a educação".
Os teatros, os jogos, as farsas, os espectáculos, os gladiadores , as feras exóticas, as medalhas e outras distracções semelhantes pouco sérias eram para os povos antigos a isca da servidão, o preço da sua liberdade, os instrumentos da tirania.
Estes eram os métodos, as práticas que usavam os tiranos antigos para adormecer os seus súbditos sob o jugo.
Assim, os povos, estupidificados, achando bonitos aqueles passatempos, apreciando um prazer vão que passava na frente dos seus olhos, adaptavam-se a servir mais normalmente das crianças que, observando as imagens brilhantes dos livros ilustrados, aprendem a ler. [...]
Queria só ser capaz de entender porque tantos homens, tantas vilas e cidades, por vezes tantas nações, têm um tirano que não tem nenhuma força excepto aquela que lhe for dada, não tem poder para prejudicar a não ser que ele seja tolerado. Onde ele foi capaz de encontrar tantos olhos que espiam se não foram vocês que lhe forneceram? Como pode ele ter tantas mãos para apanhar-vos se não foi de vocês que as recebeu? Portanto, sejam determinados a não servir mais e estarão livres.
Discours sur la servitude volontaire
("Discurso sobre a servidão voluntária")
Étienne de La Boétie
Ano 1549 d.C.
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