Desde o começo da crise, em 2008, teve início uma ampla produção de mentiras, vendidas como "realidade económica", especialmente pelo líderes políticos. Aqui estão quatro delas.
Não interessa aqui o discurso duma sociedade já não baseada no crescimento: esta é teoria, a realidade é que o nosso mundo funciona, aqui e agora, com base no crescimento, e sem crescimento não há lugares de trabalho. Ponto.
Esta mentira é particularmente insidiosa porque faz pressão naquela que aparece uma lógica inabalável do mundo real: tanto tenho, tanto posso gastar. Mas é uma mentira com "as pernas curtas", pois se assim fosse, ninguém ou quase poderia comprar uma casa. Na verdade, existem os bancos que fornecem os empréstimos. Viver numa casa adquiria com mútuo significa morar numa habitação para a qual agora não temos o dinheiro suficiente para poder paga-la. Mesmo assim continuamos a viver nela, mesmo sendo algo "acima das nossas possibilidades".
Simplificando ao máximo: na altura em que um Estado decide financiar-se com a Dívida Pública, é como se fosse ao banco para contrair um empréstimo. E, de facto, empréstimo é, com tanto de juros e prestações. Mas há uma enorme diferença entre nós e o Estado: nós temos que viver com o nosso ordenado, o Estado não, pois pode imprimir moeda. Então qual o problema em pagar as prestações? (Isso, repito mais uma vez, de forma extremamente simplificada: o que conta aqui é o conceito).
Voltemos ao assunto anterior: foi John Maynard Keynes que identificou o "paradoxo da poupança", segundo o qual, se todos tentam poupar mais em tempos difíceis, a procura agregada cai, reduzindo as poupanças totais devido à diminuição do consumo e do crescimento económico.
Se o governo tenta reduzir o deficit, as famílias e as empresas terão de apertar os cordões da bolsa, o que resulta numa redução da despesa total. Consequentemente, enquanto o governo corta os gastos, o deficit será reduzido de pouco. E se todos os Países procurarem simultaneamente a austeridade (pois é disso que estamos a falar), haverá menor procura por bens em cada País, o que levará a um consumo interno e estrangeiro inferiores. E todos vamos ficar pior.
O Estado não pode gastar o dinheiro que você não tem Esta idiotice, muitas vezes repetida pelo primeiro ministro britânico David Cameron (e pelo Primeiro Minsitor de Portugal entre os outros), trata os Estados como se estes tivessem os mesmos constrangimentos orçamentais das famílias ou das empresas.
Que fique claro duma vez por todas: o Estado (ou uma empresa) não pode ser gerido como se fosse uma família. Como lembrado antes, um Estado pode emitir moeda ou, em alternativa (caso dos Países da Zona NEuro), emitir de obrigações (os Títulos de Estado), com cuja venda recolher fundos.
Pergunta: mas um Estado não tem que pagar cada vez mais taxas de juros sobre a dívida, até que o custo da dívida (os juros) no final consomem todos rendimentos do Estado? A resposta é "não": o banco central pode imprimir dinheiro extra, suficiente para reduzir o custo da dívida pública. Isso é o que costuma ser chamada Quantitative Easing (literalmente: flexibilização quantitativa).
Mais: na realidade, a maioria dos Estados ocidentais não pode deixar de pedir dinheiro emprestado (com a emissão dos Títulos): se os Estados tivessem que ser geridos só com as entradas fiscais (taxas, impostos, etc.), nem o dinheiro para a luz nas ruas haveria.
Obviamente, este argumento não se aplica no caso dum Estado sem o seu próprio banco central, como no caso dos alegres Países da Zona NEuro. Neles, existe a mesma restrição orçamental da dona de casa frequentemente citadas. Sem a possibilidade de financiar-se com a criação de dinheiro, o Estado tem que buscar os trocos nos bolsos dos cidadãos. Mas aqui voltamos ao paradoxo de Keynes: menos gastos dos cidadãos, menos procura agregada, mais desemprego.
Este raciocínio bastante contorcido parte da ideia de que os Estados sejam obrigados a "pagar" as suas dívidas. Mas melhor que as palavras, um exemplo: o caso de Portugal.
Portugal entrou em falência com uma Dìvida Pública que era pouco mais de 80% do PIB, o Produto Interno Bruto. Após alguns anos de administração conjunta FMI-Banco Mundial-União Europeia (a famigerada Troika), todos a bater as palmas: Portugal é o aluno perfeito, o que consegue seguir à risca as ordens da Troika, há uma luz no fundo do túnel.
Pormenor interessante: a Dívida Pública de Portugal ultrapassa agora 130% do PIB.
Mas o problema não era a Dívida?
A Dívida nunca foi um problema. Os Estados raramente pagam a própria Dívida, preferindo renovar as maturidades através da emissão de novos títulos. Um pouco como dizer: substituir os Títulos cujos prazos estão prestes a acabar com a emissão de novos Títulos. Quanto mais "longas" forem as maturidades das obrigações, com menos frequência o Estado deve ir ao mercado para novos empréstimos.
Ainda mais importante: quando existem recursos não utilizados, por exemplo quando o desemprego é muito maior do que o normal, o novo empréstimo contraído pelo Estado permite activar estes recursos (por exemplo, com a criação de obras públicas), aumentam as receitas (mais gastos dos trabalhadores) portanto é possível eventualmente pagar o empréstimo extra sem ter que aumentar os impostos.
A Dívida é um fardo para as gerações futuras Esta mentira é repetida tantas vezes ao pinto de ter entrado no inconsciente colectivo. O argumento é que, se a actual geração gastar mais do que ganhar, a próxima geração será forçada a ganhar mais do que gasta para pagar a dívida.
Quando um Estado emite obrigações, estas são compradas principalmente por investidores estrangeiros. Caso prático: Portugal adquiriu Dívida Pública da Grécia.
O que significa isso? Significa que a Grécia tem uma dívida com Portugal. Mas também Portugal tem uma dívida com alguém. E isso repete-se quase até o infinito: a minha dívida é a riqueza dum outro, tal como o meu crédito é a dívida dum outro. Na verdade, não haverá nenhum onere líquido para as gerações futuras.
Ainda sobre Portugal: se a Dívida Pública fosse uma desgraça do ponto de vista das gerações futuras, o facto de ter passado de 80% do PIB para 130% deveria ser visto como uma calamidade. Mas assim não é. As gerações futuras sofrerão (e de que forma) a falta de investimentos na cultura, no trabalho, nos serviços. Mas não pela maior Dívida. Porque tal como Portugal tem dívidas, da mesma forma tem créditos. E isso acontece em Portugal como em qualquer outro País.
Se a maior dívida fosse utilizada agora de forma construtiva (e infelizmente não é), isso criaria pessoas com mais cultura, mais qualificadas, um Estado com mais e melhores serviços, mais trabalho, um sistema de saúde melhor, reformas mais altas. E as gerações futuras iriam abençoar a previdência desta geração, pois o Estado hoje teria feito o que tem que fazer: investir apostando no futuro.
As mentiras prosperam na economia, porque não é uma ciência exacta como a física ou química. As proposições em economia raramente são absolutamente verdadeiras ou absolutamente falsas. O que é verdadeiro em algumas circunstâncias, pode ser falso em outras. Acima de tudo, a verdade de muitas afirmações depende das expectativas das pessoas.
Considerarmos a crença segundo a qual quanto mais o governo tomar dinheiro emprestado, maior será a carga tributária futura. Se as pessoas raciocinassem com base nesta afirmação, ficariam todas a poupar mais agora para poder pagar os maiores impostos no futuro: mas, como efeito, qualquer gastos públicos feito hoje não teria nenhum efeito sobre a actividade económica porque, como a firmado, na nossa sociedade é preciso que as pessoas gastem para que a economia possa funcionar.
Curiosamente, neste cenário de "máxima poupança", o Estado teria uma queda de receitas e, então, deveria realmente aumentar os impostos: e a falácia torna-se uma profecia auto-realizável.
Ipse dixit.
Fonte: Robert Skidelsky
- A dona de casa
É preciso perguntar a dona de casa. Ela nos diria que não podemos viver acima das possibilidades.Esta lógica aparentemente racional é a base de austeridade, com todas as consequentes desgraças. O problema é que esta sabedoria "popular" não pode ser aplicada aos Estados, pois ignora os efeitos da "poupança" da dona de casa sobre a procura: se todas as famílias começassem a poupar nas despesas, o consumo iria cair a pique e , como resultado, haveria um corte nos lugares de trabalho. E se o marido da dona de casa perder o emprego, a família fica bem pior do que antes.
Não interessa aqui o discurso duma sociedade já não baseada no crescimento: esta é teoria, a realidade é que o nosso mundo funciona, aqui e agora, com base no crescimento, e sem crescimento não há lugares de trabalho. Ponto.
Esta mentira é particularmente insidiosa porque faz pressão naquela que aparece uma lógica inabalável do mundo real: tanto tenho, tanto posso gastar. Mas é uma mentira com "as pernas curtas", pois se assim fosse, ninguém ou quase poderia comprar uma casa. Na verdade, existem os bancos que fornecem os empréstimos. Viver numa casa adquiria com mútuo significa morar numa habitação para a qual agora não temos o dinheiro suficiente para poder paga-la. Mesmo assim continuamos a viver nela, mesmo sendo algo "acima das nossas possibilidades".
Simplificando ao máximo: na altura em que um Estado decide financiar-se com a Dívida Pública, é como se fosse ao banco para contrair um empréstimo. E, de facto, empréstimo é, com tanto de juros e prestações. Mas há uma enorme diferença entre nós e o Estado: nós temos que viver com o nosso ordenado, o Estado não, pois pode imprimir moeda. Então qual o problema em pagar as prestações? (Isso, repito mais uma vez, de forma extremamente simplificada: o que conta aqui é o conceito).
Voltemos ao assunto anterior: foi John Maynard Keynes que identificou o "paradoxo da poupança", segundo o qual, se todos tentam poupar mais em tempos difíceis, a procura agregada cai, reduzindo as poupanças totais devido à diminuição do consumo e do crescimento económico.
Se o governo tenta reduzir o deficit, as famílias e as empresas terão de apertar os cordões da bolsa, o que resulta numa redução da despesa total. Consequentemente, enquanto o governo corta os gastos, o deficit será reduzido de pouco. E se todos os Países procurarem simultaneamente a austeridade (pois é disso que estamos a falar), haverá menor procura por bens em cada País, o que levará a um consumo interno e estrangeiro inferiores. E todos vamos ficar pior.
Que fique claro duma vez por todas: o Estado (ou uma empresa) não pode ser gerido como se fosse uma família. Como lembrado antes, um Estado pode emitir moeda ou, em alternativa (caso dos Países da Zona NEuro), emitir de obrigações (os Títulos de Estado), com cuja venda recolher fundos.
Pergunta: mas um Estado não tem que pagar cada vez mais taxas de juros sobre a dívida, até que o custo da dívida (os juros) no final consomem todos rendimentos do Estado? A resposta é "não": o banco central pode imprimir dinheiro extra, suficiente para reduzir o custo da dívida pública. Isso é o que costuma ser chamada Quantitative Easing (literalmente: flexibilização quantitativa).
Mais: na realidade, a maioria dos Estados ocidentais não pode deixar de pedir dinheiro emprestado (com a emissão dos Títulos): se os Estados tivessem que ser geridos só com as entradas fiscais (taxas, impostos, etc.), nem o dinheiro para a luz nas ruas haveria.
Obviamente, este argumento não se aplica no caso dum Estado sem o seu próprio banco central, como no caso dos alegres Países da Zona NEuro. Neles, existe a mesma restrição orçamental da dona de casa frequentemente citadas. Sem a possibilidade de financiar-se com a criação de dinheiro, o Estado tem que buscar os trocos nos bolsos dos cidadãos. Mas aqui voltamos ao paradoxo de Keynes: menos gastos dos cidadãos, menos procura agregada, mais desemprego.
- A dívida pública é imposto diferido.
Este raciocínio bastante contorcido parte da ideia de que os Estados sejam obrigados a "pagar" as suas dívidas. Mas melhor que as palavras, um exemplo: o caso de Portugal.
Portugal entrou em falência com uma Dìvida Pública que era pouco mais de 80% do PIB, o Produto Interno Bruto. Após alguns anos de administração conjunta FMI-Banco Mundial-União Europeia (a famigerada Troika), todos a bater as palmas: Portugal é o aluno perfeito, o que consegue seguir à risca as ordens da Troika, há uma luz no fundo do túnel.
Pormenor interessante: a Dívida Pública de Portugal ultrapassa agora 130% do PIB.
Mas o problema não era a Dívida?
A Dívida nunca foi um problema. Os Estados raramente pagam a própria Dívida, preferindo renovar as maturidades através da emissão de novos títulos. Um pouco como dizer: substituir os Títulos cujos prazos estão prestes a acabar com a emissão de novos Títulos. Quanto mais "longas" forem as maturidades das obrigações, com menos frequência o Estado deve ir ao mercado para novos empréstimos.
Ainda mais importante: quando existem recursos não utilizados, por exemplo quando o desemprego é muito maior do que o normal, o novo empréstimo contraído pelo Estado permite activar estes recursos (por exemplo, com a criação de obras públicas), aumentam as receitas (mais gastos dos trabalhadores) portanto é possível eventualmente pagar o empréstimo extra sem ter que aumentar os impostos.
Quando um Estado emite obrigações, estas são compradas principalmente por investidores estrangeiros. Caso prático: Portugal adquiriu Dívida Pública da Grécia.
O que significa isso? Significa que a Grécia tem uma dívida com Portugal. Mas também Portugal tem uma dívida com alguém. E isso repete-se quase até o infinito: a minha dívida é a riqueza dum outro, tal como o meu crédito é a dívida dum outro. Na verdade, não haverá nenhum onere líquido para as gerações futuras.
Ainda sobre Portugal: se a Dívida Pública fosse uma desgraça do ponto de vista das gerações futuras, o facto de ter passado de 80% do PIB para 130% deveria ser visto como uma calamidade. Mas assim não é. As gerações futuras sofrerão (e de que forma) a falta de investimentos na cultura, no trabalho, nos serviços. Mas não pela maior Dívida. Porque tal como Portugal tem dívidas, da mesma forma tem créditos. E isso acontece em Portugal como em qualquer outro País.
Se a maior dívida fosse utilizada agora de forma construtiva (e infelizmente não é), isso criaria pessoas com mais cultura, mais qualificadas, um Estado com mais e melhores serviços, mais trabalho, um sistema de saúde melhor, reformas mais altas. E as gerações futuras iriam abençoar a previdência desta geração, pois o Estado hoje teria feito o que tem que fazer: investir apostando no futuro.
As mentiras prosperam na economia, porque não é uma ciência exacta como a física ou química. As proposições em economia raramente são absolutamente verdadeiras ou absolutamente falsas. O que é verdadeiro em algumas circunstâncias, pode ser falso em outras. Acima de tudo, a verdade de muitas afirmações depende das expectativas das pessoas.
Considerarmos a crença segundo a qual quanto mais o governo tomar dinheiro emprestado, maior será a carga tributária futura. Se as pessoas raciocinassem com base nesta afirmação, ficariam todas a poupar mais agora para poder pagar os maiores impostos no futuro: mas, como efeito, qualquer gastos públicos feito hoje não teria nenhum efeito sobre a actividade económica porque, como a firmado, na nossa sociedade é preciso que as pessoas gastem para que a economia possa funcionar.
Curiosamente, neste cenário de "máxima poupança", o Estado teria uma queda de receitas e, então, deveria realmente aumentar os impostos: e a falácia torna-se uma profecia auto-realizável.
Ipse dixit.
Fonte: Robert Skidelsky
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