The Cure, One Hundred Years
O medo é provavelmente a mais potente das armas.
O medo paralisa, não permite raciocinar, tenta escolher a fuga quando possível.
E a nossa sociedade está embebida de medo.
Não que não houvesse algo parecido nas épocas passadas. A Guerra Fira, por exemplo, tinha o espectro da inverno nuclear, a radiação, o fall out. Mas hoje atingimos um patamar superior.
Além do medo atómico, nunca totalmente exorcizado, temos o medo do terrorismo.
Curioso neste aspecto salientar como o melhoramento da tecnologia aumentou os medos em vez do contrário. Quem tiver um computador conhece o medo dos vírus informáticos, com os riscos de roubo de identidade, dados pessoais sensíveis, acesso aos serviços bancários.
Há o medo ligado ao trabalho, o terror de perder o rendimento, não poder pagar a casa, a escola dos filhos, a roupa.
Há o medo ligado à saúde, com a qualidade da comida, do ar, as vacinas, os medicamentos.
Há o medo de envelhecer: hoje ficar idoso não é uma possibilidade, é uma condenação.
Há o medo da criminalidade, aquela que podemos encontrar nas ruas, e os adereços conexos, tal como as drogas. Ler a crónica local ou nacional num diário é uma espécie de viagem no mundo do terror. Quem são os nossos vizinhos? As pessoas normais que cumprimentam à porta do prédio ou será que escondem um lado negro?
Há o medo do fim dos recursos: o petróleo vai acabar, e quando? E a água? E o clima, vamos assar todos ou seremos sepultados por uma nova vaga de frio?
Há o medo da incerteza, bem conhecido este na Europa: qual o nosso destino, para onde vamos?
Há o medo dos diversos, ligado ao factor imigração.
Há o medo da crise: acabará?
Não satisfeitos, nos tempos livres criamos novos medos, justo para nos entreter um bocado: Nibiru e várias cometas aproximam-se, tal como dezenas de asteróides que querem esterilizar o planeta.
Depois, para relaxar, há sempre os cinemas: Twilight, vampiros e zombies com fartura.
O nosso é um mundo de medo.
Um acaso? Acho que não.
Como afirmado no início, o medo é uma arma devastadora. Quem controlar o medo, controla a sociedade, não precisa de exércitos nas ruas.
Mas um passo atrás. Qual a origem do medo? Quem está atrás do medo da guerra? De perder o trabalho? Da criminalidade, informática e não? Do fim dos recursos? Dos diversos? Da crise? Do não saber envelhecer? Da incerteza?
A resposta é óbvia: nós, os homens. Somos nós que criamos os nossos medos, todos. Alguns são criados para controlar outros homens, alguns são espelho do alma da nossa sociedade. O medo nutre-se de medo, num processo que se auto-alimenta e que tem como consequência a falta de acção. O resultado é a aceitação da nossa condição, numa penosa quanto injustificada auto-comiseração.
Os poucos que recusam baixar os braços são olhados com desconfiança: afinal falam com qual objectivo? O que escondem as boas palavras e as nobres intenções? Quem paga?
O grande sucesso da nossa sociedade foi ter conseguido eliminar as responsabilidades. Com as responsabilidades vêm os culpados e, uma vez individuados os culpados, surge a esperança de poder mudar. O medo enfraquece.
Mas hoje os culpados não são pessoas, são um conjunto indefinido, uma nuvem cinzenta da qual não se consegue distinguir os limites. É inútil culpar um político: foi eleito democraticamente, se querem um culpado olhem para um espelho.
A crise é culpa dos bancos? Da finança? Mas quem é um banco? Quem é a finança? Quem é o dono da Goldman Sachs? Quem é o dono da BP? Quem é o verdadeiro dono do banco do Leitor? Quem são os especuladores? George Soros é um especulador? Um culpado? Sim, sem dúvida: mas quantos George Soros existem? Muitos, e bem poucos dão a cara.
Não há um inimigo, há um conjunto de pessoas que detêm o poder, mas não conseguimos distingui-las. Fica, portanto, a nuvem cinzenta, uma amalgama cujos componentes estão desconhecidos. E o desconhecido é o pai do medo.
Solução? Difícil, quando tudo é construído para manter a ignorância e o medo.
Mas se o objectivo for a ignorância e o filho dela, o medo, então a solução pode só passar pela aprendizagem.
Perguntem.
Perguntem, perguntem, perguntem sempre. E se ninguém responder, procurem as vossas respostas sozinhos. Nunca tomar nada como garantido. Perguntar é lícito, sempre. Ter uma resposta também.
Procurem, tentem enquadrar as caras, ouvir as palavras, entender as ideias e os objectivos.
Ver as correntes não chega, é preciso encontrar os donos das chaves.
Uma chave está connosco: o nome dela é curiosidade.
E a outra? Eis o grande segredo: a outra também.
Ipse dixit.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo