Porquê a austeridade não funciona?
Boa pergunta.
Pegamos num País qualquer...olha: Portugal.
Após mais de um ano de austeridade, o Primeiro Ministro Passas e Coelhos anuncia que os objectivos não serão alcançados: o deficit fica além do pretendido. Tristeza, surpresa.
A mágica receita segundo a qual para emagrecer é preciso cortar um braço parece não funcionar.
Curioso, sem dúvida.
Curioso porque de facto cortar um braço é emagrecer: é uma forma um pouco drástica, verdade, mas sempre emagrecimento é. E mesmo assim Portugal não emagreceu. Porquê será?
A explicação é surpreendentemente simples: se o desejo for emagrecer, a solução passa por fornecer ao organismo menos calorias. E, já que estamos na altura de exames médicos, controlar que não haja uma outra doença qualquer.
Calorias.
O quê engorda o Estado? A burocracia.
Atenção, é importante não confundir: um dependente público não é burocracia; burocracia pode ser o papel desenvolvido pelo dependente público. E aqui surge uma pergunta: porquê o Estado encarrega um dependente público de fazer um trabalho redundante que terá como único desfecho complicar o já complexo processo administrativo?
Resposta: porque não há trabalho para todos. É inútil chorar, entrar em desespero, gritar: no Estado não há trabalho para todos. Ponto final.
Meus senhores, estamos na época dos computadores, do digital, as informações viajam com a mesma velocidade da luz. Mas se o meu desejo for renovar a carta de condução tenho que esperar um ano (experiência pessoal). A máquina pública parece constituída por milhões de monges que copiam a mão os documentos e enviam os mesmos com um serviço de anões coxos.
Qual é a resposta do governo perante este descalabro? Fechar os centros de saúde, por exemplo.
Reparem: há demasiada burocracia? Eliminamos os serviços públicos.
É como dizer: furaste um pneu? Muda o óleo.
Porquê? Porque nenhum governo terá alguma vez a coragem para despedir eleitores. Tão simples.
Melhor fechar os serviços e transferir os dependentes públicos.
Hospitais, escolas, obras públicas, cultura...basta, acabou. Austeridade. Que não funciona, porque os dependentes públicos que antes ganhavam ordenados sem produzir continuam a ganhar ordenados sem produzir. Simplesmente já não oferecem o antigo serviço, mas as despesas continuam. E pior: agora tratam dum outro serviço redundante. Porque, repito mais uma vez: não há trabalho para todos. Alguns devem ser pagos para não trabalhar.
Mas não seria possível simplesmente despedir estes trabalhadores em excesso?
Resposta: não. Porque não há trabalhadores em excesso.
Como assim? Acabei de dizer que não há trabalho para todos, que alguém deve ser pago para não trabalhar...como é possível que não haja trabalhadores em excesso?
Um passo atrás.
Uma das funções do Estado deveria ser a optimização dos serviços prestados aos cidadãos. Coisa simples: afinal trata-se de fazer que os vários serviços funcionem duma forma eficiente, só isso. Simples mas terrivelmente importante. Porque se eu, investidor estrangeiro, quero abrir uma empresa num País e logo descubro que o iter burocrático é uma espécie de via crucis, procuro outro País, mais funcional.
O que aconteceu em Portugal ao longo dos anos, pelo contrário, foi juntar dependentes públicos (que são também eleitores) independentemente das necessidades do Estado. Logo: há dependentes que não têm nada para fazer, porque o trabalho está já feito. Como disse: não há trabalho para todos.
Mas isso significa também que haverá repartições do Estado que enfrentam o problema inverso: muito trabalho e poucos funcionários.
Esta é a realidade portuguesa (mas não apenas portuguesa).
Para perceber, nada melhor do que os dados:
Fica claro: Portugal tem muitos dependentes públicos, mas nada de avassalador. A Suécia, muitas vezes tomadas como modelo de sociedade mais evoluída (e assim é, de facto) tem quase 5 pontos percentuais mais dependentes de que Portugal. Que fica atrás da França, por exemplo, ou da Finlândia.
Resumindo: não é o número de dependentes públicos que interessa mas a maneira como são utilizados. Um dependente público custa um ordenado mensal ao Estado: e este ordenado pode representar um custo ou um investimento, depende unicamente da capacidade do Estado.
Mais: despedimos os trabalhadores públicos de Portugal? E quantos deles? A República Checa, por exemplo, tem mais ou menos o mesmo número de habitantes de Portugal e apenas 96.000 funcionários públicos. Ok, então vamos fazer isso: despedimos 500.000 funcionário do Estado, ficamos apenas com 243.000, pode ser?
Resultado: 500.000 desempregados com a perspectiva praticamente nula de encontra um novo emprego.
Porque, meus senhores, na China ou na Índia qualquer empresa cuspe uma camisa em troca de 50 cêntimos: e é a mesma camisa que depois encontramos nas nossas lojas, aqui na Europa. Então produzir o quê? Qual sector hoje tem a capacidade productiva (e a rentabilidade)para dar trabalho a 500.000 pessoas?
O governo de Passas e Coelhos ficou todo contente com os dados da exportação: maravilha, exportou-se mais de quanto foi importado!
É esta uma razão para fazer festa? Pensamos nisso: aumentaram as exportações ou diminuíram as importações? Porque um País que não importa é também um País que não consome, sobretudo no caso de Portugal que não consegue produzir tudo: necessita importar.
Então numa situação como esta vamos aumentar o desemprego em 500.000 unidades?
Fica claro, portanto, que fechar serviços não adianta. Aliás: não apenas não adianta, mas prejudica. Porque fechar um hospital ou um centro de saúde não significa poupar nos ordenados: significa obrigar os utentes
a ausentar-se mais do trabalho para percorrer distâncias maiores (isso sem considerar os aspectos humanitários, óbvio).
A máquina do Estado que engole boa parte dos recursos do País é tal simplesmente porque não há nenhum governante com a coragem (ou a capacidade ou as duas coisas) suficiente para reorganizar os serviços públicos duma forma mais eficiente.
Doutro lado o objectivo de qualquer governo português nesta altura não é tornar o Estado mais eficiente: é desmantelar o Estado para dar mais espaço aos privados. É o mesmo objectivo perseguido em boa parte do continente europeu.
Haveria depois o discurso dos privilegios; mas não é por aí que o País pode resolver os próprios problemas. Sim, sem dúvida, os políticos gozam de privilegios que não têm comparação com a realidade do normal trabalhador; e é verdade também que o dependente público goza de privilegios não indiferentes quando comparados com o homologo do sector privado. Tudo verdadeiro, são situações que deveriam ser corrigidas, não há dúvida. Mas não foi por isso que Portugal faliu.
Meus amigos, não sou dependente público nem é meu desejo defender uma categoria que goza de inegáveis privilegios quando comparada com o sector privado: mas, repito mais uma vez, não foi por isso que Portugal faliu e o excesso de burocracia demonstra cada vez mais a falta de capacidade da classe política local.
Além de que, em qualquer caso, um bibliotecário em excesso é sempre dinheiro movimentado...
Cancro.
Portanto, temos um País falido (Portugal, mas poderia ser a Grécia, Espanha, Itália...), mergulhado numa austeridade que não traz benefícios.
Agora vamos ver o que acontece "lá fora".
Por exemplo: o que faz Mario Draghi, o simpático presidente do Banco Central Europeu?
Diz: "Olha só, os bancos estão em sofrimento e precisam de dinheiro, coitadinhos". Então pega no telefone e liga para os homens da impressora: "Parasitas, imprimam uns milhões de Euros que os bancos estão em sofrimento, coitadinhos. Não, não coitadinhos vocês, os bancos".
A seguir inventa um nome charmoso, porque defini-la "operação para dar dinheiro aso bancos" fica um pouco mal. Ltro (Long-term refinancing operations) é bem melhor, há algo de técnico nele.
Pergunta: porquê o BCE pode fazer isso e Portugal (ou qualquer outro Estado da Zona NEuro em dificuldade) não pode?
Resposta: porque Portugal perdeu a soberania monetária e já não pode criar moeda com um simples click do rato. O rato do computador, não o rato verdadeiro, que nem "click" faz.
Não vamos falar disso agora, é um assunto que foi enfrentado muitas vezes. Assim como foi enfrentado o discurso dos bancos e da dívida pública. Nesta altura do campeonato alguns conceitos deveriam estar claros.
É importante, todavia, não esquecer estes factores que, em conjunto, constituem o cancro que corrói Portugal. Porque além do excesso de calorias (que seria melhor definir como gordura não utilizada) há uma doença de fundo que nenhum governo (seja qual for a cor) quer encarar: esta Europa já foi.
Podemos esconder a verdade com o conto dos dependentes públicos em excesso, podemos atingir picos de masoquismo com o mantra de "vivemos acima das possibilidades, temos que sofrer para festejar depois", podemos fechar hospitais, escolas, cortar ordenados e reformas, proibir a cultura, podemos fazer isso e mais ainda: mas a grande doença tem um sinistro sotaque alemão.
(nota final: a doença "alemã" também tem origem numa outra doença, uma verdadeira epidemia espalhada por todo o planeta e cujo termo científico é "democracia representativa". Mas disso já falámos também...).
Ipse dixit.
Boa pergunta.
Pegamos num País qualquer...olha: Portugal.
Após mais de um ano de austeridade, o Primeiro Ministro Passas e Coelhos anuncia que os objectivos não serão alcançados: o deficit fica além do pretendido. Tristeza, surpresa.
A mágica receita segundo a qual para emagrecer é preciso cortar um braço parece não funcionar.
Curioso, sem dúvida.
Curioso porque de facto cortar um braço é emagrecer: é uma forma um pouco drástica, verdade, mas sempre emagrecimento é. E mesmo assim Portugal não emagreceu. Porquê será?
A explicação é surpreendentemente simples: se o desejo for emagrecer, a solução passa por fornecer ao organismo menos calorias. E, já que estamos na altura de exames médicos, controlar que não haja uma outra doença qualquer.
Calorias.
O quê engorda o Estado? A burocracia.
Atenção, é importante não confundir: um dependente público não é burocracia; burocracia pode ser o papel desenvolvido pelo dependente público. E aqui surge uma pergunta: porquê o Estado encarrega um dependente público de fazer um trabalho redundante que terá como único desfecho complicar o já complexo processo administrativo?
Resposta: porque não há trabalho para todos. É inútil chorar, entrar em desespero, gritar: no Estado não há trabalho para todos. Ponto final.
Meus senhores, estamos na época dos computadores, do digital, as informações viajam com a mesma velocidade da luz. Mas se o meu desejo for renovar a carta de condução tenho que esperar um ano (experiência pessoal). A máquina pública parece constituída por milhões de monges que copiam a mão os documentos e enviam os mesmos com um serviço de anões coxos.
Qual é a resposta do governo perante este descalabro? Fechar os centros de saúde, por exemplo.
Reparem: há demasiada burocracia? Eliminamos os serviços públicos.
É como dizer: furaste um pneu? Muda o óleo.
Porquê? Porque nenhum governo terá alguma vez a coragem para despedir eleitores. Tão simples.
Melhor fechar os serviços e transferir os dependentes públicos.
Hospitais, escolas, obras públicas, cultura...basta, acabou. Austeridade. Que não funciona, porque os dependentes públicos que antes ganhavam ordenados sem produzir continuam a ganhar ordenados sem produzir. Simplesmente já não oferecem o antigo serviço, mas as despesas continuam. E pior: agora tratam dum outro serviço redundante. Porque, repito mais uma vez: não há trabalho para todos. Alguns devem ser pagos para não trabalhar.
Mas não seria possível simplesmente despedir estes trabalhadores em excesso?
Resposta: não. Porque não há trabalhadores em excesso.
Como assim? Acabei de dizer que não há trabalho para todos, que alguém deve ser pago para não trabalhar...como é possível que não haja trabalhadores em excesso?
Um passo atrás.
Uma das funções do Estado deveria ser a optimização dos serviços prestados aos cidadãos. Coisa simples: afinal trata-se de fazer que os vários serviços funcionem duma forma eficiente, só isso. Simples mas terrivelmente importante. Porque se eu, investidor estrangeiro, quero abrir uma empresa num País e logo descubro que o iter burocrático é uma espécie de via crucis, procuro outro País, mais funcional.
O que aconteceu em Portugal ao longo dos anos, pelo contrário, foi juntar dependentes públicos (que são também eleitores) independentemente das necessidades do Estado. Logo: há dependentes que não têm nada para fazer, porque o trabalho está já feito. Como disse: não há trabalho para todos.
Mas isso significa também que haverá repartições do Estado que enfrentam o problema inverso: muito trabalho e poucos funcionários.
Esta é a realidade portuguesa (mas não apenas portuguesa).
Para perceber, nada melhor do que os dados:
Fica claro: Portugal tem muitos dependentes públicos, mas nada de avassalador. A Suécia, muitas vezes tomadas como modelo de sociedade mais evoluída (e assim é, de facto) tem quase 5 pontos percentuais mais dependentes de que Portugal. Que fica atrás da França, por exemplo, ou da Finlândia.
Resumindo: não é o número de dependentes públicos que interessa mas a maneira como são utilizados. Um dependente público custa um ordenado mensal ao Estado: e este ordenado pode representar um custo ou um investimento, depende unicamente da capacidade do Estado.
Mais: despedimos os trabalhadores públicos de Portugal? E quantos deles? A República Checa, por exemplo, tem mais ou menos o mesmo número de habitantes de Portugal e apenas 96.000 funcionários públicos. Ok, então vamos fazer isso: despedimos 500.000 funcionário do Estado, ficamos apenas com 243.000, pode ser?
Resultado: 500.000 desempregados com a perspectiva praticamente nula de encontra um novo emprego.
Porque, meus senhores, na China ou na Índia qualquer empresa cuspe uma camisa em troca de 50 cêntimos: e é a mesma camisa que depois encontramos nas nossas lojas, aqui na Europa. Então produzir o quê? Qual sector hoje tem a capacidade productiva (e a rentabilidade)para dar trabalho a 500.000 pessoas?
O governo de Passas e Coelhos ficou todo contente com os dados da exportação: maravilha, exportou-se mais de quanto foi importado!
É esta uma razão para fazer festa? Pensamos nisso: aumentaram as exportações ou diminuíram as importações? Porque um País que não importa é também um País que não consome, sobretudo no caso de Portugal que não consegue produzir tudo: necessita importar.
Então numa situação como esta vamos aumentar o desemprego em 500.000 unidades?
Fica claro, portanto, que fechar serviços não adianta. Aliás: não apenas não adianta, mas prejudica. Porque fechar um hospital ou um centro de saúde não significa poupar nos ordenados: significa obrigar os utentes
a ausentar-se mais do trabalho para percorrer distâncias maiores (isso sem considerar os aspectos humanitários, óbvio).
A máquina do Estado que engole boa parte dos recursos do País é tal simplesmente porque não há nenhum governante com a coragem (ou a capacidade ou as duas coisas) suficiente para reorganizar os serviços públicos duma forma mais eficiente.
Doutro lado o objectivo de qualquer governo português nesta altura não é tornar o Estado mais eficiente: é desmantelar o Estado para dar mais espaço aos privados. É o mesmo objectivo perseguido em boa parte do continente europeu.
Haveria depois o discurso dos privilegios; mas não é por aí que o País pode resolver os próprios problemas. Sim, sem dúvida, os políticos gozam de privilegios que não têm comparação com a realidade do normal trabalhador; e é verdade também que o dependente público goza de privilegios não indiferentes quando comparados com o homologo do sector privado. Tudo verdadeiro, são situações que deveriam ser corrigidas, não há dúvida. Mas não foi por isso que Portugal faliu.
Meus amigos, não sou dependente público nem é meu desejo defender uma categoria que goza de inegáveis privilegios quando comparada com o sector privado: mas, repito mais uma vez, não foi por isso que Portugal faliu e o excesso de burocracia demonstra cada vez mais a falta de capacidade da classe política local.
Além de que, em qualquer caso, um bibliotecário em excesso é sempre dinheiro movimentado...
Cancro.
Portanto, temos um País falido (Portugal, mas poderia ser a Grécia, Espanha, Itália...), mergulhado numa austeridade que não traz benefícios.
Agora vamos ver o que acontece "lá fora".
Por exemplo: o que faz Mario Draghi, o simpático presidente do Banco Central Europeu?
Diz: "Olha só, os bancos estão em sofrimento e precisam de dinheiro, coitadinhos". Então pega no telefone e liga para os homens da impressora: "Parasitas, imprimam uns milhões de Euros que os bancos estão em sofrimento, coitadinhos. Não, não coitadinhos vocês, os bancos".
A seguir inventa um nome charmoso, porque defini-la "operação para dar dinheiro aso bancos" fica um pouco mal. Ltro (Long-term refinancing operations) é bem melhor, há algo de técnico nele.
Pergunta: porquê o BCE pode fazer isso e Portugal (ou qualquer outro Estado da Zona NEuro em dificuldade) não pode?
Resposta: porque Portugal perdeu a soberania monetária e já não pode criar moeda com um simples click do rato. O rato do computador, não o rato verdadeiro, que nem "click" faz.
Não vamos falar disso agora, é um assunto que foi enfrentado muitas vezes. Assim como foi enfrentado o discurso dos bancos e da dívida pública. Nesta altura do campeonato alguns conceitos deveriam estar claros.
É importante, todavia, não esquecer estes factores que, em conjunto, constituem o cancro que corrói Portugal. Porque além do excesso de calorias (que seria melhor definir como gordura não utilizada) há uma doença de fundo que nenhum governo (seja qual for a cor) quer encarar: esta Europa já foi.
Podemos esconder a verdade com o conto dos dependentes públicos em excesso, podemos atingir picos de masoquismo com o mantra de "vivemos acima das possibilidades, temos que sofrer para festejar depois", podemos fechar hospitais, escolas, cortar ordenados e reformas, proibir a cultura, podemos fazer isso e mais ainda: mas a grande doença tem um sinistro sotaque alemão.
(nota final: a doença "alemã" também tem origem numa outra doença, uma verdadeira epidemia espalhada por todo o planeta e cujo termo científico é "democracia representativa". Mas disso já falámos também...).
Ipse dixit.
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