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A minhoca moderna

28 de Outubro de 2012, 22:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Enquanto israel bombardeia o Sudão, nós falamos de...nós. E viva a originalidade.

Normalmente, em tempos "normais", a condição de escravidão, de subordinação social e de marginalização compacta os indivíduos numa espécie de acordo não escrito, consagrado nas intenções de "redenção" que se expressa numa luta de classe (armada ou civil, tanto faz), com o fim de restaurar os direitos violados, a equidade social, o valor da dignidade.

É importante realçar que aqui a expressão "luta de classe" não tem nada a ver com a condição marxista-leninsta: falamos da "classe" dos cidadãos, dos marginalizados, dos que não tem acesso aos corredores do poder.

Mas nesses dias, a Idade das Trevas, onde tudo é invertido e relativizado, qualquer conceito de pensamento lógico e crítico fica alegremente deitado no lixo. Assim, os novos sujeitos sociais (nós), recusam a ideia duma vida "calma" e até solitária para viver numa caótica metrópole, poluída, disfuncional, ensurdecedora. Com o resultado de partilhar as frustrações, a repressão, as fobias, a ansiedade e a depressão com os nossos vizinhos, afectos pelos mesmo problemas.

A força de vontade, que tinha a função de poder produzir diversidade e mérito, desapareceu. Ou melhor: foi substituída por objectivos que têm como função esgotar as nossas energias na tentativa de alcançar resultados inúteis e temporários, obtidos os quais surgem novas metas, sempre inúteis e temporárias.

Exemplos? Demasiado fácil. O carro já não é um simples meio de transporte, é a exteriorização da nossa condição na escala social. O telemóvel já não é um instrumento que permite comunicar, é também ele a medida do nosso sucesso.

O facto dos vários modelos (automóveis, telemóveis, roupa...) terem uma vida excepcionalmente curta, sendo logo substituídos por versões aprimoradas, em nada parece perturbar esta filosofia: o frustrado social cedo será obrigado a comparar o objecto na própria posse com as últimas novidades e concluir que sim, de facto é altura de mudar. Pouco importa se nem conseguiu explorar as funcionalidades do presente, já há novas metas neste horizonte induzido.

A força de vontade, portanto, é canalizada na tentativa de obter o "novo", num martírio sem fim que tem pontos de contacto com o fado do pobre Tântalo.

Mas porquê? O que torna o indivíduo moderno, protagonista e realizador desta comédia do horror, o centro dum martírio sem fim?

Resposta: falhas.

O individuo moderno sabe muito bem qual a realidade: está longe da sua condição natural, o caminho que envergou implica a recusa de vertentes fundamentais daquela que chamamos "vida". Os fetiches são a tentativa de substituir os objectivos naturais com equivalentes artificiais.

Obviamente, esta substituição é bem vinda por parte da sociedade que até encoraja uma tal atitude. É preciso vender, para vender é preciso criar o desejo, e se este já for em parte presente no indivíduo (com a procura de fetiches-substitutos), o jogo é simples.

Paradoxalmente, o indivíduo procura substitutos que, por sua vez, provocam mais solidão. O indivíduo, portanto, escolhe viver numa comunidade (a metrópole, a versão moderna e anabolizada da tribo) e, ao mesmo tempo, cria as bases para uma maior solidão. Para obter os fetiches, é preciso trabalhar cada vez mais, aceitar as regras e os ritmos impostos, o que deixa menos tempo para os relacionamentos sociais.

O individuo partilha assim a solidão.

Só isso? Não. A solidão é a aceitação da própria covardia, espelho da covardia de massa, um estado de dependência psicológica do tipo "mal comum pela metade", que representa a resposta ao estado existencial patológico. Na verdade, ninguém gosta dum autocarro esgotado, com o cheiro do suor, as crianças que gritam, os malcriados, os sacos das compras que batem nas pernas. Mas o indivíduo aceita isso, pois entende que esta é a única forma de aceitar e ser aceite no rebanho.

Enquanto a força da vontade grita "dá um muro na cabeça desta mulher que grita no ouvido", o lado covarde (o mais forte após anos ou décadas de treino) reprime o surto de liberdade e responde vade retro. É preciso afastar o desconhecido, que assusta. Bem mais tranquila é a aceitação da nossa condição, infeliz mas conhecida.

A cooperação, a caridade, a solidariedade?
É esquisito: numa sociedade como aquela descrita, estas componentes deveriam ter um papel, até importante, pois poderiam ser uma excelente "válvula de ventilação".
Poderiam.

Mas aqui entra em cena o medo e, sobretudo, o facto de conhecermos as nossas essências: não ajudamos os outros porque sabemos que os outros são como nós. São simulacros de pessoas, ruínas, seres afastados da realidade, componentes duma máquina sem sentido mas potente. Nós somos os outros, e isso não é nada bom. Nas caras das outras pessoas podemos ver as nossas falhas, mas sobretudo os mesmos objectivos, a mesma perversão. Por isso os outros assustam.

Somos seres mutilados, porque já não temos aquela paixão essencial para obter as respostas às nossas perguntas, e sem a qual não pode haver vida. Foi esta paixão que permitiu abandonar as cavernas, deveria ser parte integrante do DNA, mas já não é.

O homem sem vontade substituiu a acção e os factos com a auto-piedade, a fim de absolver a sua indolência física e moral e tornar legítimas as fraquezas, a dependência e o medo.

Não admira, portanto, a propensão para a difamação o servilismo, a traição. não admira uma sociedade morta, não participativa, na qual uma elite pode tranquilamente apoderar-se e exercer o poder incontestado. Também a força das emoções é o resultado dum empenho, e nós estamos cansados, demasiado cansados para poder vislumbrar o único impulso regenerador que poderia transformar esta larva num Homem.

Meus amigos, não adianta procurar conspirações. Antes procurem um espelho, depois haverá tempo para falar dos conspiradores. Não são os "outros": somos nós. Os "outros" apenas limitam-se a explorar as nossas fraquezas, as mesmas às sombra das quais gostamos descansar.

Sim, eu sei: há as corporações, as elites, a televisão, a publicidade...há muitas coisas. Concordo. Mas qual o nosso lugar no meio de tudo isso? Apenas, só, inexoravelmente, perdidamente vitimas? Sem vontade própria, sem capacidade de reacção? Afinal qual a diferença entre um ser humano e uma minhoca? Além das pernas, entendo.

Não concordam? Paciência, hoje chove, o céu é cinzento, tanto faz.
Post demasiado pessimista? Bah, "amanhã é outro dia": haverá sol, boa disposição e será possível voltar a falar mal dos "outros".


Ipse dixit. 

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/t6SicyzsvbQ/a-minhoca.html

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