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Como Don Quixote

1 de Julho de 2014, 15:40 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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O que pensam de nós os líderes?
De nós, pessoas comuns, que frequentam internet, que estão descontentes com a actual situação.

Um estudo bastante original, encomendado por um dos think tank mais importante, responde ao quesito.

Falamos do Aspen Institute, financiado em grande parte por fundações como a Carnegie Corporation, o Fundo dos Irmãos Rockefeller, a Fundação Ford; falamos de pessoa como Madeleine Albright, Henry Louis Gates, David H. Koch, Condoleezza Rice. meio de taxas de inscrição para seminários e doações individuais. Entre os seus membros há líderes intelectuais, políticos, económicos.

Teoricamente, um dos objectivos do Instituo Aspen é "a criação de uma base comum de entendimento num cenário não ideológico". Deve ser por isso que os membros são todos pessoas de topo do Capitalismo.
O estudioso encarregado da pesquisa? Ivan Krastev, búlgaro de 50 anos, presidente do "Centro para as Estratégias Liberais" de Sofia e membro do Council of Foreing Relations, um típico exponente da nova classe dominante da Europa Oriental, que cresceu à custa de comissões internacionais, liberalismo e "formação na liderança Liberal".

Porque é interessante algo produzido a partir deste conjunto? Porque fornece a visão que os "donos do mundo" têm acerca da actual situação, em que há a sensação generalizada de que estamos perante o fim de uma determinada ordem mundial; mas um fim, além do qual não há nada, sendo impossível desenha-lo, descreve-lo. Porque para criar um fim  deve existir uma concepção de mundo, uma visão geral capaz de superar o actual padrão de vida e de produção. Também Krastev pensa isso.

Mas essa capacidade de visão foi retirada, desapareceu:. a única "ideologia" que ganha corações e mentes, aparentemente oposta ao Capitalismo mecânico, permanece a religião. Então temos problemas.

Talvez haja algo de errado nesta posição: talvez os motins surgem a partir da crise económica, da deterioração das condições de vida, do sentimento confuso que "não há futuro": a ideologia pode vir depois, como explicação. Talvez.

No entanto a realidade é cinzenta: não há perspectivas. Chegamos a um ponto de limite e ninguém sabe como construir uma transição histórica para um outra forma de vida.

Aspen, obviamente, não quer "ultrapassar" o Capitalismo. Nem lhe passa pela cabeça uma coisa destas: a posição ideológica é firmemente conservadora. Mas isso não impede que os "donos do mundo" tenham que enfrentar os problemas reais, entender as mudanças ou os desejos delas. E Krastev, verdade seja dita, faz um bom trabalho, capaz de capturar os momentos importantes dos fenómenos sociais que ocorreram em Países que são muito diferentes uns dos outros.

É preciso dizer a verdade: nos andares superiores do Capitalismo global investigam minuciosamente a realidade, na Esquerda (se ainda é que existe algo que assim possa ser definido) ou simplesmente no mundo da informação alternativa, o termo "teoria" provoca arrepios: a necessidade é também aqui de algo pronto a comer, possivelmente notícias bombásticas e grandes conspirações. A palavra "projecto" assusta como o desconhecido...

Parenteses

Antes de proceder para o estudo, vamos fazer um exemplo prático: uma empresa multinacional de distribuição que pretende abrir novas lojas numa cidade, encomenda estudos sobre a dinâmica do consumo, os fluxos de tráfego, as áreas de imobiliários com relativos custos, a resposta do consumidor, a campanhas publicitárias, etc.

Nesta base, o programa de investimentos convence (ou "convence") os investidores, os vereadores municipais, que concedem as áreas e as infraestruturas (estradas, esgotos, etc), enquanto a empresa recruta: já sabe que os fluxos de vendas vai oscilar entre um mínimo e um máximo, que terá que cumprir um período de "implementação local" para ser conhecido, para erradicar a concorrência dos pequenos comerciantes, etc.

Tudo isso é algo baseado em dados científicos sólidos.

Um aspirante comerciantes que faz? Olha para o dinheiro que tem e começa a sua aventura com base em algumas convicções que amadureceu ao longo do tempo, escolhe o espaço com o "faro", depois é só esperar que alguns santos ajudem. Ciência de zero.

Pergunta para os Leitores portugueses: quantas lojas viram abrir e fechar no último ano?
Segunda pergunta para os Leitores portugueses: quantos centros comerciais viram abrir e fechar no mesmo período?

Estamos falados.

O estudo

Agora: o estudo.
O negociante de "aspirações subjectivas" é muito parecido com o italiano saiu hoje.

Krastev analisa os movimentos de revolta como um observador exterior, dissociando os detalhes que confundem ao invés de esclarecer as ideias:
Os protestos eram diferentes, mas as palavras de ordem eram incrivelmente semelhantes nos quatro cantos do globo, os manifestantes atiraram contra a corrupção da elite, as crescentes desigualdades económicas, a falta de solidariedade e de justiça social e o desprezo pela dignidade humana.
E sim, fala mesmo da nossa sociedade. É este o fenómeno que tem de ser estudado.
Mas a primeira afirmação já é mel para os ouvidos do capital.
Os manifestantes, ao contrário dos seus pais revolucionários, não querem uma derrubada violenta da ordem estabelecida.
Verdade. Nada de comparação com os movimentos dos anos '60 e '70: aqui ninguém quer derrubar algo, também porque uma vez derrubado ninguém saberia o que fazer. E a segunda observação é ainda melhor:
Esta é uma revolução sem ideologia e sem objectivos definidos: na ausência de alternativas políticas, resulta numa explosão de indignação moral.
Portanto, uma febre temporária, quase uma pequena gripe, nada mais: não há algo aqui que possa assustar os líderes. E as razões são simples:
Os novos movimentos são concebidos como redes, na convicção de que podem ultrapassar a hierarquia. A sempre presente Rede é a arma de escolha, da mesma forma que o pequeno mas disciplinado partido revolucionário era a arma de eleição dos comunistas.
É impossível não ver aqui o senso de pena que Krastev experimenta perante estes movimentos ingénuos: sabe que a rede está nas mãos do capital, sabe que não é um instrumento "revolucionário" mas de controle, de dissuasão, para criar mais divisões e confusão. É uma propriedade privada nas mãos do capital, não uma neutra ferramenta disponível para qualquer pessoa.
Os governos têm aprendido rapidamente a exercer o controle e a manipulação no mundo digital. "Caro usuário, você foi arquivado como participante numa perturbação maciça de ordem pública" foi a mensagem que os manifestantes ucranianos encontraram no telemóvel em meados de Janeiro, no exacto momento em que a legislação anti-manifestações era aprovada pelo parlamento. A mesma tecnologia que tinha levado o povo na rua avisava-o ​​para voltar para casa.
Fica claro assim? Acho que sim.
E quem pensa que estas coisas aconteçam só na Ucrânia, bom, vive num outro planeta de certeza: o pacote dos perfis do Facebook das pessoas "sensibilizadas com o movimento" de Occupy Wall Street foi avaliado em cerca de 25 milhões de Dólares. E fiquem descansado: alguém comprou-o.
Os protestos não afectaram as políticas dos governos; em vez disso, mudaram a forma como as comunicações são geridas.
Basta pouco para fazer contente o povo. E os governos podem usufruir dos aconselhamentos dos expert in Public Relations. A forma é tudo o que vê o cidadão, o conteúdo é sempre decidido pelos líderes.
Hoje, o sistema não interessa a ninguém. A Revolução não é feita de leitores reais, os estudantes radicais de hoje só se preocupam por como eles vivem o sistema, e não a natureza deste ou o mecanismos que o regem. [...] Estes jovens têm uma experiência comum, mas falta uma identidade colectiva.
É a ausência duma cultura política.
A política hoje é vista como algo "sujo", feita só de pessoas sem escrúpulos, que querem ganhar com pouco esforço, parasitas. Esta ideia, em parte verdadeira, foi espalhada com insistência ao ponto que hoje os que mandam têm pouca concorrência. Sem cultura política, sem entender que o simples facto de adquirir uma garrafa de água é já por si um acto político, o que sobra? Sobra o "movimento", feito de boas ideias mas irremediavelmente afogado no culto do "eu" que tão bem foi implementado na nossa sociedade.

Egoísmo? Não, um natural reflexo: recolhe-se o que foi semeado.

Reflectindo sobre a lógica política dos protestos no Verão passado em São Paulo, o pesquisador brasileiro Pablo Ortellado observou que no Brasil os manifestantes protestavam tendo como base duas mensagens simultâneas e contraditórias: "O governo não nos representa" e "Queremos melhores serviços públicos". Mais do que um protesto de revolucionários eram manifestações de consumidores radicais.

O problema é estamos habituados ao nosso sistema e isso vale ainda mais para as gerações mais novas: aqueles que vivem inteiramente dentro de um sistema percebem esta condição como "natural", e não "perde tempo" estudando os mecanismos de funcionamento. Quando a condição de vida se torna intolerável, não acham que os sistema pode ter problemas, acham que há uma "injustiça" que faz funcionar mal um mecanismo naturalmente bom.
De facto, é um pensamento pré-político.
Os manifestantes são indivíduos exasperados. Amam ficar juntos e lutar juntos, mas não têm um projecto colectivo. Desconfiam das instituições, não estão interessados ​​em tomar o poder, são uma mistura entre um o desejo genuíno de comunidade e um individualismo irreprimível.
É possível lutar contra as instituições dominantes se tivermos na cabeça outras instituições para substituí-las (então há um projecto político que deve ser explicado), ou sonhando com um mundo "sem instituições", que, todavia, fica como não realizável (como é possível desejar um serviço público sem que haja uma instituição para oferece-lo?).

O atraso político, cientifico e projectual demonstrado pelos "novos movimentos" é tal que o analista de Aspen mergulha a faca com autêntica alegria:
Os protestos do século XXI assemelham-se, em alguns aspectos, aos medievais. Naquela época, as pessoas não iam às ruas com a ambição de derrubar o rei ou substituí-lo por outro mais aceitável; demonstravam para forçar o rei a fazer algo ou para impedi-lo de fazer.
Uma fase pré-política, agitação medieval, ausência de projectos. Não é um retrato bonito. Essa é uma visão da sociedade e da sua necessária evolução.
Não peçam aos manifestantes o que eles querem: eles só sabem o que não querem. A sua ética pode ser a rejeição radical e total, como a rejeição total do Capitalismo global que tem caracterizado o movimento Occupy Wall Street; ou moderada e localista, como os protestos contra a nova estação ferroviária em Stuttgart. Mas o princípio é o mesmo: a abdicação de qualquer escolha e activismo político confinado apenas à rejeição. Os protestos podem ter sucesso ou falhar, mas o que define o perfil político é um generalizado "não". Para ser gritado, este "não" não precisa de líderes ou instituições: apenas de telemóveis e redes sociais.
E esta "recusa" sem alternativas aparece num momento muito particular:
A ascensão da política antagonista é um resultado natural da viragem oligárquica ocorrida nas políticas democráticas.

Na nova era da política, as eleições democráticas já não dominam a cena, perdem a ligação com o futuro. Hoje, as eleições são um juízo sobre o passado, não uma aposta de longo prazo. O eleitor hoje desempenha essencialmente o mesmo papel que o lendário Pavel Pichugin, o segurança da popular discoteca russa mais exclusiva que tem o poder de decidir quem deixar entrar e quem não; mas não tem a palavra no que toca à música no clube.
Em muitos aspectos, os protestos em massa de hoje são provavelmente actos à procura de conceitos, uma prática sem teoria. São a expressão mais evidente da crença generalizada de que as elites não governam no interesse do povo e que o eleitorado tem perdido o controle sobre os funcionários eleitos.
Massas sem projectos, impotente por falta de ideias.
O que mais poderia desejar o poder? Só uma coisa: a certeza de que o fermento de protestos que varre o planeta não tenha a possibilidade tornar-se um perigo.
E não é o caso de preocupar-se:
Na Ucrânia, por exemplo, foi a tentativa do governo de reprimir as manifestações com violência que trouxe à tona as formações reaccionários como Pravyj Sektor ou as Forças de Auto-Defesa de Majdan. O sucesso da luta armada é o túmulo da revolução sem líderes: a luta, tal como o voto, faz derreter estes protestos como neve ao sol.
Considerado tudo aquilo que foi dito até agora, é uma observação óbvia, uma lógica consequência.
Sem uma ideal, sem um projecto no qual crer, basta pouco para esvaziar as praças. E no final Krastev torna-se explícito:
"O você olha para algo que não vê, ou jura que viu algo lá." O método do detective Fell funciona bem para resolver o mistério da vaga de protestos. Estes não têm marcado o regresso da revolução: os protestos, como as eleições, servem para manter afastada tanto quanto possível a revolução e a sua promessa de um futuro radicalmente diferente. O "pós-graduação sem futuro" não é o novo proletariado: as revoluções precisam de uma ideologia e a actual onda de protestos não conseguiu oferecer uma visão alternativa do futuro. Nenhuma ideologia, nenhuma revolução.
Os protestos dos últimos cinco anos?
O ponto de referência mais adequado para essa explosão de política energética que estamos a testemunhar são as revoluções de 1848. Hoje, como na altura, estamos num ponto de viragem. Mas o mundo não consegue virar.

Seremos capazes de ligar o cérebro? Voltar a conecta-lo? A alternativa é ficar contente com protestos justos sem futuro.


Ipse dixit.

Fonte: Ivan Krastev: La Protesta Globale (ficheiro Pdf, italiano)

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/x1vKe1zgJVs/como-don-quixote.html

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