Aproveitamos um comentário de Rafael, que agradeço, para falar da reserva fraccionária.
Começamos pelo comentário (que é uma resposta para Krowler, que fica agradecido também):
Os bancos emprestam dinheiro (ou deveriam). O dinheiro emprestado, no imaginário colectivo, é igual ao dinheiro que o banco tem nos cofres. Mas assim não é: na verdade, os bancos emprestam muito mais dinheiro daquele que efectivamente possuem. As instituições financeiras são obrigadas a "possuir" apenas uma percentagem do dinheiro emprestado.
Passamos da teoria aos factos? Boa ideia.
O Leitor ganha 1.000 Euros, gasta 800 e poupa 200. Então decide guardar esta quantia num banco.
O Leitor deposita os 200 Euros no banco e este que faz? Empresta os 200 Euros a outra pessoa?
Não, empresta 10.000 Euros.
Porquê? Pelo sistema da reserva fraccionária: o banco tem que respeitar um coeficiente de reserva fraccionária de 2%, isso é: 200/0.02 = 10.000.
Dito ainda de outra forma: com uma reserva fraccionária de 2% (percentagem esta obrigatória na Europa, mas o esquema é igual em outras partes do mundo), quando o banco encaixar 200 Euros está habilitado a emprestar 10.000 Euros.
10.000 que obviamente não tem, então que faz? Cria (literalmente) o dinheiro.
Pode parecer uma coisa esquisita, afinal como é possível criar dinheiro do nada?
A verdade é que só uma pequena parte das trocas comerciais vê envolvido dinheiro físico: na maior parte dos casos, o dinheiro é electrónico, virtual.
Pensem nisso: já utilizaram uma cartão de crédito ou de dívida (o português Multibanco é um cartão de dívida)? Isso significa que:
Esta é a razão pela qual os bancos podem criar dinheiro do nada: simplesmente introduzindo alguns dígitos no computador.
Todavia este mecanismo tem profundas implicações, as mesmas pelas quais acho que a reserva fraccionária deveria ser abolida.
Em primeiro lugar: com este sistema são os privados que geram a maior parte do dinheiro em circulação, não os Estados. Este é um poder enorme. Não falo aqui dos lucros brutais que ficam nos bolsos dos bancos (porque o dinheiro emprestado será virtual e criado do nada, mas os juros pagos pelo cliente são bem "reais" e saem dos ordenados), falo mesmo do poder de emitir e gerir enormes quantias de dinheiro, que é o oxigénio da economia.
Porque depois acontece quanto é possível observar nestes dias em Portugal:
É simples emprestar dinheiro em tempos de "vacas gordas", mais complicado fazer o mesmo em tempos de crise: e esperar que os privados arrisquem o próprio dinheiro em prol da sociedade é pura fantasia, pelo que, demandar esta tarefa aos privados significa inevitavelmente entrar neste tipo de situações.
Ao mesmo tempo, o Estado falha nas suas competências, pois uma das prerrogativas dele é desenvolver o potencial económico do País: mas sem controle na emissão do dinheiro, nas mãos dos bancos privados, isso torna-se impossível.
Há depois outro aspecto, em nada secundário.
Imaginemos uma ilha na qual haja um banco, algumas empresas, 1.000 pessoas e o Euro como moeda oficial (uma ilha azarada).
Cada uma destas pessoas no final do mês deposita 200 Euros: no total, são depositados 200.000 Euros.
O banco aplica o coeficiente da reserva fraccionária e a cada mês empresta 10.000.000 de Euros ao circuito económico: as empresas, portanto, começam a fazer investimentos, actualizar as máquinas, produzir mais, encher os armazéns de mercadorias.
No final do ano a situação será a seguinte: o banco terá emprestado:
10.000.000 (Euros) x 12 (meses) = 120.000.000 Euros
Nas contas os 1.000 habitantes terão:
200 (Euros) x 1.000 (habitantes) x 12 (meses) = 2.400.000 Euros mais juros (esta uma quantia não significativa)
Este é o poder de compra dos habitantes: 2.400.000 Euros, face a uma produção que provavelmente aproxima-se dos 100.000.000 de Euros.
Portanto, a ilha nesta altura terá os armazéns cheios de bens que não é possível vender.
Podemos pensar nas exportações como uma solução: afinal a ilha que utiliza o Euro pode exportar os bens produzidos para a ilha mais próxima, que utiliza Euros também, ou aquela mais afastada, que troca em Dólares. Pena que também estas ilhas apresentem o mesmo problema, pois o sistema da reserva fraccionária funciona também aí.
Nesta altura há um problema: os cidadãos continuam a depositar 200 Euros mensais, as empresas já não sabem o que fazer com os 10.000.000 Euros que o banco pode emprestar mensalmente, o banco fica com uma quantia de dinheiro criado do nada mas que se torna inutilizado.
A não ser...exacto: a não ser que alguém invente uma qualquer alquimia financeira para tornar aquele dinheiro todo rentável. E assim nasce a bolha, com tudo o que sabemos.
E mais: a reserva fraccionária implica a sobre-produção de bens, com as consequentes crises cíclicas.
Mais um problema, desta vez uma questão de princípio.
Voltamos para a nossa ilha. Nela vivem também Rafael e Max, o primeiro um sério trabalhador, o segundo um empresário com uma conduta suspeita.
Rafael deposita 200 Euros e, logo a seguir, Max pede ao banco um empréstimo de 10.000 Euros.
Acontece que Max tem um golpe de sorte e, pela primeira vez, consegue obter um lucro lícito e abundante com o investimento do dinheiro emprestado. Até consegue que em breve tempo o próprio negócio multiplique 5 vezes o capital inicialmente investido (que eram sempre os 10.000 Euros gerados pelos 200 de Rafael).
Max fica contente, o banco também pois ganha com os juros...e Rafael? Rafael fica na mesma, ganha apenas os juros miseráveis que o banco reconhece aos 200 Euros depositados.
Não acham que há algo que não funciona neste esquema? Quem foi o "motor de economia"?
Max? Não, porque sem o empréstimo não poderia ter feito investimento nenhum.
O banco? Nem por isso, o banco serviu-se do dinheiro de Rafael para criar dinheiro.
O verdadeiro motor da economia foi Rafael, isso é, a poupança: e, paradoxalmente, é a parte que recebe menos benefícios.
Mais do que isso: a maior parte dos clientes com depósitos (os que poupam, por exemplo) não fazem ideia de que o dinheiro depositado na conta deles é na verdade re-emprestado várias vezes.
Mais ainda: num recente estudo do Cobden Center no Reino Unido (ano 2010), 74% dos entrevistados estava convencido de ser o legítimo proprietário do dinheiro depositado na própria conta. Poucos sabem que, uma vez depositado, o dinheiro torna-se "propriedade" do banco (aspas necessárias).
Artigo 1834 do Código Civil italiano:
Não consultei o código português, mas tenho a certeza existir um artigo equivalente.
É importante aqui realçar as nuances: quem deposita não é o dono do dinheiro, é o "depositante", e o banco "adquire a propriedade". O dinheiro pertence ao banco enquanto estiver depositado nas contas da instituição. Este é um passo necessário para que a reserva fraccionária assuma um aspecto de legalidade.
Mas mesmo que o banco, enquanto "dono" do nosso dinheiro depositado, possa utiliza-lo da forma que melhor entender, a questão não está ainda resolvida, como podemos ver a seguir.
Admitimos que o actual sistema seja modificado: admitimos que o dinheiro volte a ser o que era, a expressão duma riqueza real. Isso tanto para realçar como o problema não esteja apenas ligado aos papeis sem valor que hoje definimos como "notas".
Tomemos o exemplo do ouro e imaginemos que o rico herdeiro Rafael deposite no próprio banco 100 gramas de ouro e que cada grama tenha o valor de 1 Euro. O que faz o banco? Como vimos, multiplica este valor tendo como base o coeficiente da reserva fraccionária: isso é, "multiplica" artificialmente o valor recebido de forma a poder emprestar muito mais do que 100 Euros (100 gramas de ouro = 100 Euros).
Isso significa que o dinheiro do rico Rafael é emprestado muitas vezes. E, dado que o dinheiro neste caso é a representação duma riqueza real (o ouro) acontece que o banco empresta muitas vezes o mesmo ouro a muitas pessoas, na mesma altura.
É como se eu decidisse emprestar o meu carro a duas pessoas na mesma altura, sem avisar que o empréstimo é compartilhado: cada uma teria a impressão de ter a plena e exclusiva disponibilidade do carro, sem todavia saber que existe outra pessoa que pensa exactamente o mesmo.
Isso tem um nome: fraude.
Aqui chegados, acho ser preciso efectuar uma distinção: existe uma profunda diferença entre o multiplicador da reserva fraccionária (isso é, o facto dos bancos "multiplicar" várias vezes o dinheiro obtido para empresta-lo) e o multiplicador de Keine (MMT, Modern Money Theory).
No primeiro caso estamos perante um esquema piramidal que cria moeda, sim, mas uma moeda que tende por natureza a seguir determinados canais, que são os canais da especulação (o tal dinheiro que "sobrar" na ilha).
No segundo caso, a circulação do dinheiro não "cria" nova moedas: os rendimentos extra são gerados com a despesa pública que passa de mãos várias vezes.
Resultado? O esquema piramidal da reserva fraccionária funciona até quando a maioria dos clientes não decidir retirar o próprio dinheiro das contas bancárias. O que aconteceria se a maior parte dos clientes dum banco decidisse retirar o próprio dinheiro? Aconteceria uma coisa simples: o banco seria obrigado a devolver também o dinheiro criado do nada, o dinheiro "virtual". Mas não poderia, porque falamos dum dinheiro que na prática nunca existiu, apareceu apenas nos computadores das instituições.
Claro, neste caso seria precisa uma intervenção estatal para salvar os bancos. É o que vimos no caso de algumas instituições na altura dos subprimes, em 2007/2008. Outras, pelo contrário, foram deixadas simplesmente mergulhar numa espiral de dívida que não era possível repagar e fecharam.
Mas a intervenção do Estado não é feita com dinheiro "de borla": é dinheiro dos contribuintes, de toda a sociedade, que assume as dívidas das instituições privadas em dificuldades. É a socialização das perdas. Alguém se lembra duma socialização dos lucros?
Moral: de Capitalismo ou de livre mercado aqui nem a sombra.
Ipse dixit.
Fonte: Cobden Centre, Public Attitudes to Banking (ficheiro Pdf, em inglês)
Começamos pelo comentário (que é uma resposta para Krowler, que fica agradecido também):
Trocar o sistema de reserva fracionária pelo sistema de reserva total tem consequências. É verdade que os bancos ganham mais com o sistema fracionário e preferem-no, porém eles ganham, porque o sistema permite-lhes emprestar mais dinheiro. Esse dinheiro que não foi emprestado iria para alguém e iria ser utilizado para alguma coisa. A situação precária atual dos portugueses deve-se mais à influência da banca, ao não emprestar dinheiro, que à austeridade imposta pelo governo. O crédito tem uma função útil na economia.Vamos recapitular, apesar deste ser um assunto que já foi tratado no blog.
Agora, é verdade que o sistema de reservas total limita a inflação, dá mais controlo ao governo na impressão de moeda e, em último caso, previne até a criação de bolhas na economia. No entanto, o sistema de reservas fracionário permite que haja muito mais crédito na economia e é regulado exatamente por ser mais instável.
Qual prefiro? Sinceramente, não sei.
A reserva fraccionária em pílulas
Os bancos emprestam dinheiro (ou deveriam). O dinheiro emprestado, no imaginário colectivo, é igual ao dinheiro que o banco tem nos cofres. Mas assim não é: na verdade, os bancos emprestam muito mais dinheiro daquele que efectivamente possuem. As instituições financeiras são obrigadas a "possuir" apenas uma percentagem do dinheiro emprestado.
Passamos da teoria aos factos? Boa ideia.
O Leitor ganha 1.000 Euros, gasta 800 e poupa 200. Então decide guardar esta quantia num banco.
O Leitor deposita os 200 Euros no banco e este que faz? Empresta os 200 Euros a outra pessoa?
Não, empresta 10.000 Euros.
Porquê? Pelo sistema da reserva fraccionária: o banco tem que respeitar um coeficiente de reserva fraccionária de 2%, isso é: 200/0.02 = 10.000.
Dito ainda de outra forma: com uma reserva fraccionária de 2% (percentagem esta obrigatória na Europa, mas o esquema é igual em outras partes do mundo), quando o banco encaixar 200 Euros está habilitado a emprestar 10.000 Euros.
10.000 que obviamente não tem, então que faz? Cria (literalmente) o dinheiro.
Pode parecer uma coisa esquisita, afinal como é possível criar dinheiro do nada?
A verdade é que só uma pequena parte das trocas comerciais vê envolvido dinheiro físico: na maior parte dos casos, o dinheiro é electrónico, virtual.
Pensem nisso: já utilizaram uma cartão de crédito ou de dívida (o português Multibanco é um cartão de dívida)? Isso significa que:
- o empregador do Leitor depositou o ordenado na vossa conta bancária por via electrónica (dinheiro virtual)
- o banco guardou este dinheiro nos ficheiros do computador (dinheiro virtual)
- o Leitor gastou o dinheiro de forma electrónica (dinheiro virtual).
Esta é a razão pela qual os bancos podem criar dinheiro do nada: simplesmente introduzindo alguns dígitos no computador.
Todavia este mecanismo tem profundas implicações, as mesmas pelas quais acho que a reserva fraccionária deveria ser abolida.
O dinheiro em tempos de vacas magras
Em primeiro lugar: com este sistema são os privados que geram a maior parte do dinheiro em circulação, não os Estados. Este é um poder enorme. Não falo aqui dos lucros brutais que ficam nos bolsos dos bancos (porque o dinheiro emprestado será virtual e criado do nada, mas os juros pagos pelo cliente são bem "reais" e saem dos ordenados), falo mesmo do poder de emitir e gerir enormes quantias de dinheiro, que é o oxigénio da economia.
Porque depois acontece quanto é possível observar nestes dias em Portugal:
A situação precária atual dos portugueses deve-se mais à influência da banca, ao não emprestar dinheiro, que à austeridade imposta pelo governo.Não concordo com quanto escrito acerca da origem da situação precária, todavia é bem real o facto dos bancos terem decidido limitar o crédito e é verdade que isso tem profundas implicações negativas na economia.
É simples emprestar dinheiro em tempos de "vacas gordas", mais complicado fazer o mesmo em tempos de crise: e esperar que os privados arrisquem o próprio dinheiro em prol da sociedade é pura fantasia, pelo que, demandar esta tarefa aos privados significa inevitavelmente entrar neste tipo de situações.
Ao mesmo tempo, o Estado falha nas suas competências, pois uma das prerrogativas dele é desenvolver o potencial económico do País: mas sem controle na emissão do dinheiro, nas mãos dos bancos privados, isso torna-se impossível.
Dinheiro a mais: especulação e sobre-produção
Há depois outro aspecto, em nada secundário.
Imaginemos uma ilha na qual haja um banco, algumas empresas, 1.000 pessoas e o Euro como moeda oficial (uma ilha azarada).
Cada uma destas pessoas no final do mês deposita 200 Euros: no total, são depositados 200.000 Euros.
O banco aplica o coeficiente da reserva fraccionária e a cada mês empresta 10.000.000 de Euros ao circuito económico: as empresas, portanto, começam a fazer investimentos, actualizar as máquinas, produzir mais, encher os armazéns de mercadorias.
No final do ano a situação será a seguinte: o banco terá emprestado:
10.000.000 (Euros) x 12 (meses) = 120.000.000 Euros
Nas contas os 1.000 habitantes terão:
200 (Euros) x 1.000 (habitantes) x 12 (meses) = 2.400.000 Euros mais juros (esta uma quantia não significativa)
Este é o poder de compra dos habitantes: 2.400.000 Euros, face a uma produção que provavelmente aproxima-se dos 100.000.000 de Euros.
Portanto, a ilha nesta altura terá os armazéns cheios de bens que não é possível vender.
Podemos pensar nas exportações como uma solução: afinal a ilha que utiliza o Euro pode exportar os bens produzidos para a ilha mais próxima, que utiliza Euros também, ou aquela mais afastada, que troca em Dólares. Pena que também estas ilhas apresentem o mesmo problema, pois o sistema da reserva fraccionária funciona também aí.
Nesta altura há um problema: os cidadãos continuam a depositar 200 Euros mensais, as empresas já não sabem o que fazer com os 10.000.000 Euros que o banco pode emprestar mensalmente, o banco fica com uma quantia de dinheiro criado do nada mas que se torna inutilizado.
A não ser...exacto: a não ser que alguém invente uma qualquer alquimia financeira para tornar aquele dinheiro todo rentável. E assim nasce a bolha, com tudo o que sabemos.
E mais: a reserva fraccionária implica a sobre-produção de bens, com as consequentes crises cíclicas.
Poupas? Problema teu, dinheiro nosso.
Mais um problema, desta vez uma questão de princípio.
Voltamos para a nossa ilha. Nela vivem também Rafael e Max, o primeiro um sério trabalhador, o segundo um empresário com uma conduta suspeita.
Rafael deposita 200 Euros e, logo a seguir, Max pede ao banco um empréstimo de 10.000 Euros.
Acontece que Max tem um golpe de sorte e, pela primeira vez, consegue obter um lucro lícito e abundante com o investimento do dinheiro emprestado. Até consegue que em breve tempo o próprio negócio multiplique 5 vezes o capital inicialmente investido (que eram sempre os 10.000 Euros gerados pelos 200 de Rafael).
Max fica contente, o banco também pois ganha com os juros...e Rafael? Rafael fica na mesma, ganha apenas os juros miseráveis que o banco reconhece aos 200 Euros depositados.
Não acham que há algo que não funciona neste esquema? Quem foi o "motor de economia"?
Max? Não, porque sem o empréstimo não poderia ter feito investimento nenhum.
O banco? Nem por isso, o banco serviu-se do dinheiro de Rafael para criar dinheiro.
O verdadeiro motor da economia foi Rafael, isso é, a poupança: e, paradoxalmente, é a parte que recebe menos benefícios.
Mais do que isso: a maior parte dos clientes com depósitos (os que poupam, por exemplo) não fazem ideia de que o dinheiro depositado na conta deles é na verdade re-emprestado várias vezes.
Mais ainda: num recente estudo do Cobden Center no Reino Unido (ano 2010), 74% dos entrevistados estava convencido de ser o legítimo proprietário do dinheiro depositado na própria conta. Poucos sabem que, uma vez depositado, o dinheiro torna-se "propriedade" do banco (aspas necessárias).
Artigo 1834 do Código Civil italiano:
Nos depósitos de dinheiro num banco, esta adquire a propriedade [do dinheiro, ndt] e é obrigado a devolve-lo na mesma espécie monetária ao acabar o prazo pré-estabelecido ou após pedido do depositante, com o respeito do período pré-aviso estabelecido pelas partes.
É importante aqui realçar as nuances: quem deposita não é o dono do dinheiro, é o "depositante", e o banco "adquire a propriedade". O dinheiro pertence ao banco enquanto estiver depositado nas contas da instituição. Este é um passo necessário para que a reserva fraccionária assuma um aspecto de legalidade.
Mas mesmo que o banco, enquanto "dono" do nosso dinheiro depositado, possa utiliza-lo da forma que melhor entender, a questão não está ainda resolvida, como podemos ver a seguir.
A fraude
Admitimos que o actual sistema seja modificado: admitimos que o dinheiro volte a ser o que era, a expressão duma riqueza real. Isso tanto para realçar como o problema não esteja apenas ligado aos papeis sem valor que hoje definimos como "notas".
Tomemos o exemplo do ouro e imaginemos que o rico herdeiro Rafael deposite no próprio banco 100 gramas de ouro e que cada grama tenha o valor de 1 Euro. O que faz o banco? Como vimos, multiplica este valor tendo como base o coeficiente da reserva fraccionária: isso é, "multiplica" artificialmente o valor recebido de forma a poder emprestar muito mais do que 100 Euros (100 gramas de ouro = 100 Euros).
Isso significa que o dinheiro do rico Rafael é emprestado muitas vezes. E, dado que o dinheiro neste caso é a representação duma riqueza real (o ouro) acontece que o banco empresta muitas vezes o mesmo ouro a muitas pessoas, na mesma altura.
É como se eu decidisse emprestar o meu carro a duas pessoas na mesma altura, sem avisar que o empréstimo é compartilhado: cada uma teria a impressão de ter a plena e exclusiva disponibilidade do carro, sem todavia saber que existe outra pessoa que pensa exactamente o mesmo.
Isso tem um nome: fraude.
...e para concluir:
Aqui chegados, acho ser preciso efectuar uma distinção: existe uma profunda diferença entre o multiplicador da reserva fraccionária (isso é, o facto dos bancos "multiplicar" várias vezes o dinheiro obtido para empresta-lo) e o multiplicador de Keine (MMT, Modern Money Theory).
No primeiro caso estamos perante um esquema piramidal que cria moeda, sim, mas uma moeda que tende por natureza a seguir determinados canais, que são os canais da especulação (o tal dinheiro que "sobrar" na ilha).
No segundo caso, a circulação do dinheiro não "cria" nova moedas: os rendimentos extra são gerados com a despesa pública que passa de mãos várias vezes.
Resultado? O esquema piramidal da reserva fraccionária funciona até quando a maioria dos clientes não decidir retirar o próprio dinheiro das contas bancárias. O que aconteceria se a maior parte dos clientes dum banco decidisse retirar o próprio dinheiro? Aconteceria uma coisa simples: o banco seria obrigado a devolver também o dinheiro criado do nada, o dinheiro "virtual". Mas não poderia, porque falamos dum dinheiro que na prática nunca existiu, apareceu apenas nos computadores das instituições.
Claro, neste caso seria precisa uma intervenção estatal para salvar os bancos. É o que vimos no caso de algumas instituições na altura dos subprimes, em 2007/2008. Outras, pelo contrário, foram deixadas simplesmente mergulhar numa espiral de dívida que não era possível repagar e fecharam.
Mas a intervenção do Estado não é feita com dinheiro "de borla": é dinheiro dos contribuintes, de toda a sociedade, que assume as dívidas das instituições privadas em dificuldades. É a socialização das perdas. Alguém se lembra duma socialização dos lucros?
Moral: de Capitalismo ou de livre mercado aqui nem a sombra.
Ipse dixit.
Fonte: Cobden Centre, Public Attitudes to Banking (ficheiro Pdf, em inglês)
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