Uma nova guerra?
A Coreia do Norte que ataca a Coreia do Sul e bombardeia os Estados Unidos?
Um conselho: não é o caso para ficar preocupados.
Poucos levam a sério as belicosas declarações dos comandos da Coreia do Norte. O nível de retórica do jovem Kim Jong Un parece querer furar a nossa atenção aumentando os tons, e consegue: se um chefe de Estado ameaça arrasar as cidades os EUA, inevitavelmente ganha os créditos dos meios de comunicação, faz levantar algumas sobrancelhas e também mais alguns helicópteros.
Pouco sabemos sobre a dinâmica interna do poder na Coreia do Norte, um estado eremita, mas não é difícil apostar que ninguém acha que pode vencer uma guerra contra os Estados Unidos, mesmo uma guerra termonuclear. Em Pyongyang não são suicidas, ou pelo menos não até este ponto.
Como ler os factos, então?
Talvez no futuro será possível saber algo mais, mas já há alguns pontos fixos.
É um teste importante: não pode mostrar fraquezas perante os inimigos, pelo contrário, precisa reforçar a sua posição com uma atitude ainda mais decidida. Inútil esperar uma linguagem tipo Papa Francisco, nada de "ternura" aqui: Kim Jong Un é um ditador imaturo que tem de justificar o próprio papel, não tanto aos olhos do mundo quanto aos dos seus compatriotas, que vivem numa bolha mediática separada da nossa.
Entretanto, Moscovo não gosta: normal, é retórica, mas entretanto os meios são activados e pode ser suficiente pouco, até um erro, para transformar tudo num jogo mais sério.
Nem em Pequim estão felizes: a situação perturba a esfera de acção mais próxima numa altura em que o clima já está agitado por causa das novas tensões com o Japão (em disputa as ilhas de Senkaku-Diaoyu). E, claro está, ninguém gosta dum vizinho instável com armas nucleares: nas Nações Unidas, Pequim até votou contra os Estados Unidos para que fossem impostas novas sanções sobre o programa nuclear de Pyongyang.
A União Europeia perdeu outra ocasião para ficar calada: além das vazias declarações do costume (não “alimentar as tensões” e “retomar” o caminho da paz e da segurança), a UE considera “deplorável” a reactivação do reactor nuclear norte-coreano de Yongbyon. Só que Bruxelas esqueceu-se de explicar porque um País como a Coreia do Norte não pode utilizar a energia nuclear enquanto outros, que nem aderem ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (israel: entre 200 e 400 misseis nucleares, Índia: entre 60 e 90 mísseis), podem e até são considerados "amigos".
Depois temos as declarações do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, que afirma estar “profundamente preocupado”, mas nesta altura a questão já perdeu toda a seriedade.
E os Estados Unidos? Afinal qual a reacção do principal alvo da campanha mediática de Pyongyang?
Na semana passada, dois bombardeiros Stealth B-2 dotados de armas nucleares voaram até a Coreia do Sul para depois voltar, numa clara manobra de demonstração. Estes aviões "invisíveis" podem carregar bombas do tipo GBU-43/B MOAB, 13 toneladas cada uma, capazes de fazer um "buraco" no cimento até uma profundidade de 70 metros; o que representa, portanto, uma séria ameaça para as instalações nucleares subterrâneas e os principais centros de comando da Coreia do Norte.
Nos primeiros dias do mês, os bombardeiros americanos realizaram simulações de ataques aéreos com "efeito surpresa" nos céus da Coreia do Sul, úteis também para calcular os tempos de voo exigidos no caso da Coreia do Norte, o que faz lembrar os enormes e devastadores bombardeamentos efectuados sempre pelos EUA durante a Guerra da Coreia, em 1950.
Os jogos de guerra organizados em Março entre EUA, Austrália e Coreia do Sul, que foram concebidos como preparação para uma possível guerra contra o Norte, foram ignorados pelos media ocidentais, mas estão na base da reacção de Pyongyang. De facto, o novo líder norte-coreano Kim Jong-Un foi apenas eleito e já EUA, Japão e Coreia do Sul começam a colocá-lo à prova.
Mas qual o real grau de perigosidade da Coreia do Norte? Pyongyang ameaçou repetidamente arrasar a capital da Coreia do Sul, Seul, com o uso de 11 mil peças de artilharia pesada e baterias de mísseis escondidas em cavernas ao longo da DMZ, a zona desmilitarizada entre os dois Países. Os commandos e as baterias de mísseis do Norte têm também a tarefa de atacar todas as bases aéreas norte-americanas e as centrais de comando no Sul, tal como os 28.500 efectivos dos Estados Unidos na península.
Os mísseis de médio alcance norte-coreanos são apontados contra as bases continentais dos EUA no Japão, em Okinawa e Guam. O exército da Coreia do Norte, composto por 1.100.000 homens, está pronto para atacar o Sul, enquanto a imponente Força Aérea dos EUA deveria desviar parte da própria força actualmente utilizada em outros cenários, como o Afeganistão, numa altura em que as reservas de mísseis e a disponibilidade de bombas escasseiam e também os equipamentos apresentam sinais de desgaste. A crise é crise...
Todavia não podemos esquecer que os Estados Unidos estão acostumados a entrar em guerra contra pequenos Países, cujo perigo é propositadamente exagerado (Granada, Somália, Iraque, Líbia...): a Coreia do Norte é um País muito pobre, um dos mais pobres do planeta. A Marinha e a Força Aérea de Pyongyang seriam rapidamente destruídas pelos americanos e uma guerra poderia acabar após poucos dias.
No entanto, não está no interesse de Washington avançar neste sentido. Além dos óbvios problemas com a China (formalmente aliada da Coreia do Norte), sobraria um obstáculo não indiferente, representado pelo exército do Norte: 1 milhão e 100 mil homens, que o Pentágono traduz em perdas de 250 mil homens do exército americano. Além disso, é verdade que Pyongyang não dispõe de mísseis de longo alcance, mas poderia bombardear o Japão, eventualmente até com armas nucleares, o que pioraria ainda mais a situação.
Resumindo: entrar em guerra seria um suicídio do ponto de vista da Coreia do Norte e seria péssimo do ponto de vista americano, também consideradas as dificuldades económicas de Washington (o Ministério do Tesouro já "queimou" 2.000 biliões de Dólares no Iraque e no Afeganistão) e o facto das tropas actualmente empenhadas no Oriente Médio e Afeganistão não serem capazes de resistir a uma verdadeira guerra na Coreia.
Doutro lado, ninguém deseja uma guerra nesta altura: o objectivo de Pyongyang é chegar a um acordo de não-agressão com os Estados Unidos, em favor de relações directas e normais também com a Coreia do Sul. É verdade que Washington encontra uma resistência interna neste aspecto, dado que os neocons querem derrubar o regime da Coreia do Norte para que este deixe de fornecer armas aos inimigos de israel no Médio Oriente: mas, como vimos, as condições estão longe de ser ideais para uma intervenção armada e o simpático Obama nesta altura tem bem outros problemas.
Por isso, lamento, mas nada de guerra termonuclear. Não desta vez, pelos menos.
Ipse dixit.
Fontes: LewRockwell, Público, Megachip, Wikipedia
A Coreia do Norte que ataca a Coreia do Sul e bombardeia os Estados Unidos?
Um conselho: não é o caso para ficar preocupados.
Poucos levam a sério as belicosas declarações dos comandos da Coreia do Norte. O nível de retórica do jovem Kim Jong Un parece querer furar a nossa atenção aumentando os tons, e consegue: se um chefe de Estado ameaça arrasar as cidades os EUA, inevitavelmente ganha os créditos dos meios de comunicação, faz levantar algumas sobrancelhas e também mais alguns helicópteros.
Pouco sabemos sobre a dinâmica interna do poder na Coreia do Norte, um estado eremita, mas não é difícil apostar que ninguém acha que pode vencer uma guerra contra os Estados Unidos, mesmo uma guerra termonuclear. Em Pyongyang não são suicidas, ou pelo menos não até este ponto.
Como ler os factos, então?
Talvez no futuro será possível saber algo mais, mas já há alguns pontos fixos.
- O contexto das ameaças
- O novo líder
É um teste importante: não pode mostrar fraquezas perante os inimigos, pelo contrário, precisa reforçar a sua posição com uma atitude ainda mais decidida. Inútil esperar uma linguagem tipo Papa Francisco, nada de "ternura" aqui: Kim Jong Un é um ditador imaturo que tem de justificar o próprio papel, não tanto aos olhos do mundo quanto aos dos seus compatriotas, que vivem numa bolha mediática separada da nossa.
- A crise
Entretanto, Moscovo não gosta: normal, é retórica, mas entretanto os meios são activados e pode ser suficiente pouco, até um erro, para transformar tudo num jogo mais sério.
Nem em Pequim estão felizes: a situação perturba a esfera de acção mais próxima numa altura em que o clima já está agitado por causa das novas tensões com o Japão (em disputa as ilhas de Senkaku-Diaoyu). E, claro está, ninguém gosta dum vizinho instável com armas nucleares: nas Nações Unidas, Pequim até votou contra os Estados Unidos para que fossem impostas novas sanções sobre o programa nuclear de Pyongyang.
A União Europeia perdeu outra ocasião para ficar calada: além das vazias declarações do costume (não “alimentar as tensões” e “retomar” o caminho da paz e da segurança), a UE considera “deplorável” a reactivação do reactor nuclear norte-coreano de Yongbyon. Só que Bruxelas esqueceu-se de explicar porque um País como a Coreia do Norte não pode utilizar a energia nuclear enquanto outros, que nem aderem ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (israel: entre 200 e 400 misseis nucleares, Índia: entre 60 e 90 mísseis), podem e até são considerados "amigos".
Depois temos as declarações do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, que afirma estar “profundamente preocupado”, mas nesta altura a questão já perdeu toda a seriedade.
13 toneladas invisíveis
E os Estados Unidos? Afinal qual a reacção do principal alvo da campanha mediática de Pyongyang?
Na semana passada, dois bombardeiros Stealth B-2 dotados de armas nucleares voaram até a Coreia do Sul para depois voltar, numa clara manobra de demonstração. Estes aviões "invisíveis" podem carregar bombas do tipo GBU-43/B MOAB, 13 toneladas cada uma, capazes de fazer um "buraco" no cimento até uma profundidade de 70 metros; o que representa, portanto, uma séria ameaça para as instalações nucleares subterrâneas e os principais centros de comando da Coreia do Norte.
Nos primeiros dias do mês, os bombardeiros americanos realizaram simulações de ataques aéreos com "efeito surpresa" nos céus da Coreia do Sul, úteis também para calcular os tempos de voo exigidos no caso da Coreia do Norte, o que faz lembrar os enormes e devastadores bombardeamentos efectuados sempre pelos EUA durante a Guerra da Coreia, em 1950.
Os jogos de guerra organizados em Março entre EUA, Austrália e Coreia do Sul, que foram concebidos como preparação para uma possível guerra contra o Norte, foram ignorados pelos media ocidentais, mas estão na base da reacção de Pyongyang. De facto, o novo líder norte-coreano Kim Jong-Un foi apenas eleito e já EUA, Japão e Coreia do Sul começam a colocá-lo à prova.
Mas qual o real grau de perigosidade da Coreia do Norte? Pyongyang ameaçou repetidamente arrasar a capital da Coreia do Sul, Seul, com o uso de 11 mil peças de artilharia pesada e baterias de mísseis escondidas em cavernas ao longo da DMZ, a zona desmilitarizada entre os dois Países. Os commandos e as baterias de mísseis do Norte têm também a tarefa de atacar todas as bases aéreas norte-americanas e as centrais de comando no Sul, tal como os 28.500 efectivos dos Estados Unidos na península.
Os mísseis de médio alcance norte-coreanos são apontados contra as bases continentais dos EUA no Japão, em Okinawa e Guam. O exército da Coreia do Norte, composto por 1.100.000 homens, está pronto para atacar o Sul, enquanto a imponente Força Aérea dos EUA deveria desviar parte da própria força actualmente utilizada em outros cenários, como o Afeganistão, numa altura em que as reservas de mísseis e a disponibilidade de bombas escasseiam e também os equipamentos apresentam sinais de desgaste. A crise é crise...
Todavia não podemos esquecer que os Estados Unidos estão acostumados a entrar em guerra contra pequenos Países, cujo perigo é propositadamente exagerado (Granada, Somália, Iraque, Líbia...): a Coreia do Norte é um País muito pobre, um dos mais pobres do planeta. A Marinha e a Força Aérea de Pyongyang seriam rapidamente destruídas pelos americanos e uma guerra poderia acabar após poucos dias.
Dinheiro e armas
No entanto, não está no interesse de Washington avançar neste sentido. Além dos óbvios problemas com a China (formalmente aliada da Coreia do Norte), sobraria um obstáculo não indiferente, representado pelo exército do Norte: 1 milhão e 100 mil homens, que o Pentágono traduz em perdas de 250 mil homens do exército americano. Além disso, é verdade que Pyongyang não dispõe de mísseis de longo alcance, mas poderia bombardear o Japão, eventualmente até com armas nucleares, o que pioraria ainda mais a situação.
Resumindo: entrar em guerra seria um suicídio do ponto de vista da Coreia do Norte e seria péssimo do ponto de vista americano, também consideradas as dificuldades económicas de Washington (o Ministério do Tesouro já "queimou" 2.000 biliões de Dólares no Iraque e no Afeganistão) e o facto das tropas actualmente empenhadas no Oriente Médio e Afeganistão não serem capazes de resistir a uma verdadeira guerra na Coreia.
Doutro lado, ninguém deseja uma guerra nesta altura: o objectivo de Pyongyang é chegar a um acordo de não-agressão com os Estados Unidos, em favor de relações directas e normais também com a Coreia do Sul. É verdade que Washington encontra uma resistência interna neste aspecto, dado que os neocons querem derrubar o regime da Coreia do Norte para que este deixe de fornecer armas aos inimigos de israel no Médio Oriente: mas, como vimos, as condições estão longe de ser ideais para uma intervenção armada e o simpático Obama nesta altura tem bem outros problemas.
Por isso, lamento, mas nada de guerra termonuclear. Não desta vez, pelos menos.
Ipse dixit.
Fontes: LewRockwell, Público, Megachip, Wikipedia
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