Jorge Costa nasceu em 1975 e é licenciado em Comunicação Social.
Colaborou em diversas publicações jornalísticas e é co-autor dos seguintes livros:
Grandes Planos- Oposição estudantil à ditadura (1956-1974), com Paulo Pena e Gabriela Lourenço
A Guerra Infinita, com Francisco Louçã
Os Donos de Portugal (Cem anos de poder económico 1910-2010), com Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas.
Eis a entrevista realizada após a apresentação do documentário Donos de Portugal a cidade de Almada:
Jorge Costa, qual foi a mais forte das motivações que estiveram na base de Donos de Portugal?
Dizem-nos que a austeridade resulta de termos vivido "acima das nossas possibilidades". O meu objectivo com este filme foi intervir num debate que se tornou ainda mais forte, já depois da saída do livro "Donos de Portugal" (co-autores: Francisco Louçã, Fernando Rosas, Cecília Honório, Luís Fazenda e eu próprio), a partir da intervenção externa. Esse debate é sobre quem foi que, afinal, viveu acima das nossas possibilidades. Essa é a história de um século de poder económico em Portugal.
O filme transmite uma ideia: Portugal com uma classe empresarial bem fechada. Mas qual a razão? Um simples atraso no âmbito da evolução capitalista, uma conjuntura de factores ou algo mais?
O filme apresenta uma conclusão forte do livro: é o Estado quem faz a burguesia - através de financiamento directo, leis que protegem, privilégios fiscais, monopólios e rendas garantidas, privatizações. A classe dominante prefere a acumulação com baixo risco. Além desta articulação da desigualdade social, o Estado arbitra os conflitos que por vezes emergem entre grupos económicos. Resulta daqui um modelo de atraso e dependência externa cada vez mais acentuada.
Sempre a propósito de Donos de Portugal. Desde 1974 o País é uma democracia, parte integrante dum Velho Continente onde as lógicas do mercado regulam cada vez mais as vidas das Nações. Todavia parece que a globalização não conseguiu quebrar este "círculo restrito" que nos factos gere o País. Achas ser assim?
A "globalização" reforçou o poder destes grupos financeiros, que têm na especulação bolsista uma fonte essencial dos seus rendimentos. A desregulação dos mercados financeiros reforçou a sua acumulação. Estes grupos são intermediários para Portugal das tendências da globalização liberal que nos trouxeram a este ponto.
Um dos outros pontos marcantes do documentário é a inversão dos papeis entre Estado e classe empresarial: hoje já não é o primeiro que dita as regras. Foi uma evolução interna, com o Estado que conscientemente abandonou o leme, foi a classe empresarial que ficou mais forte ou houve outras componentes neste processo?
O traço essencial dessa relação é a promiscuidade entre política e negócios. Ela sempre existiu, mas alterou-se depois do 25 de Abril e sobretudo depois das privatizações, com o trânsito permanente entre cargos em governos do PS e do PSD e lugares de remunerações milionárias nos grupos privados. Essas remunerações correspondem a uma ascensão social rápida, facilmente acessível a estes responsáveis políticos. De qualquer modo, os grupos económicos continuam a depender da articulação do Estado, do seu permanente apoio financeiro. É também por isso que apoiam as medidas actuais, que diminuem os gastos sociais do Estado para financiar bancos ou pagar juros de PPPs...
E aqui podemos aproveitar para comentar os acontecimentos dos últimos dias. O Ministro Miguel Relvas, as secretas: parece haver mais do que empreendedores e políticos neste País...
Miguel Relvas é mais um caso que ilustra aquele trânsito. A empresa a que esteve ligado (e onde foi substituído pelo antigo vice-presidente da Câmara de Lisboa, o socialista Marcos Perestrello), a Finertec, é um veículo importante dos interesses angolanos em Portugal, os mesmos que o agora ministro pode favorecer.
A intervenção dos serviços secretos tem tanto de anedótico como de grave, porque se trata de usar recursos do Estado para obscuros fins privados, com práticas pidescas que têm que ser punidas.
O filme acaba com os acontecimentos que são a historia dos últimos semestres. Mas recuamos de alguns anos, até 1986: a classe empresarial apoiou a entrada na futura União Europeia. A pergunta é: porquê? Isso significou a transferência de poderes de Lisboa para Bruxelas: o capital não perdeu desta forma a capacidade de controlar inteiramente o panorama político nacional?
Os sectores mais poderosos da elite económica beneficiaram directamente da devastação que atingiu o aparelho produtivo a partir do modelo de integração europeia que triunfou. A moeda única e os sucessivos tratados foram desenhados à medida das economias dominantes do centro da Europa. Mas a elite financeira nacional, beneficiária de fundos estruturais e intermediária do negócio do crédito barato, esteve sempre a ganhar enquanto a economia portuguesa ficava mais fraca. O resultado está a à vista. Só uma reconfiguração completa da própria União Europeia, com a recusa dos seus tratados e e do monetarismo podem abrir perspectivas aos países da periferia e, de resto, a toda a União.
Este blog insiste num ponto: a austeridade não será a cura para os actuais problemas do País, bem pelo contrário. Acho ser esta também a tua posição... Consegues imaginar o futuro de Portugal? Nos próximos 12 ou 24 meses, entendo...
A entrada em cena do protagonista principal, que está a começar a acontecer na Grécia, está a mudar a figura de toda a crise europeia. O futuro imediato que está reservado pela senhora Merkel e pelo governo português para o nosso povo é igual ao presente da Grécia. Mas aqui também é possível mudar os dados da situação. É de uma grande onda de esquerda na Europa, rompendo com a troika e a austeridade, que se pode evitar o declínio.
Renegociar a dívida é uma das tuas ideias. Mas a maior parte da dívida portuguesa foi contraída por privados. Porque os Portugueses deveriam pagar as dívidas dos bancos privados?
A auditoria à dívida é uma ferramenta que permite o cancelamento da dívida ilegítima, a dívida resultante de contratos contra o interesse público ou da cobrança de juros extorsionários. A renegociação da dívida é uma prioridade no futuro imediato. É necessário cortar montantes, prolongar prazos e diminuir juros. O Estado português tem compromissos constitucionais com os seus cidadãos que são prioritários face ao interesse particular dos credores externos.És um dos dirigentes do Bloco de Esquerda, uma das cinco maiores formações políticas do País: faz sentido tentar mudar o actual sistema a partir do "interior"? Achas que ainda há espaço para isso? Penso na escassa participação dos cidadãos nos eventos eleitorais... Como é possível trazer de volta a política para as ruas?
O Bloco nunca acreditou que uma mudança de fundo da nossa vida, da economia e da sociedade, possa ocorrer a partir de dentro das quatro paredes do parlamento ou de um governo. Pelo contrário, sempre usámos a nossa representação para "correr por fora" de alianças que nos teriam levado a um banquete que recusámos à nascença.
No tempo político actual, a disputa do poder, sobre a capacidade de decidirmos colectivamente o nosso futuro, só é possível com a intervenção de muitos milhares de pessoas e com a convergência concreta de quantos recusam a política da troika. O sectarismo diminui esse apelo, desacredita a utilidade da luta e atrasa aquela acumulação de forças. No próximo período, continuarão a irromper momentos de indignação. Essas mobilizações poderão crescer se predominar uma cultura de unidade e abrangência política que acrescente sectores sociais ao combate.Última pergunta: Donos de Portugal é um sucesso. Quais os próximos projectos?
Para já, mostrar o filme o mais possível. Já passámos os 160 mil views na internet, fizemos muitas sessões de projecção pelo país e temos muitas mais marcadas. Depois, logo se vê.
Ipse dixit.
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