Do Sul até o Norte, tudo em três semanas, sem parar um dia. Com meios de transportes públicos e privados. Espreitar, falar, ouvir. Comer, claro: afinal sempre Italia é. E comparar.
Já fazia um tempo que não passeava pelo "Bel Paese" e a altura foi a melhor: um País em crise, no meio duma campanha eleitoral, após o reinado do homem da Goldman Sachs, Mario Monti.
Começamos pelo fim: a crise. Seria difícil convencer um português de que a Italia está no meio duma profunda crise. Aparentemente tudo continua na mesma, é preciso falar com as pessoas para entender. E, verdade seja dita, mesmo assim pode não ser simples. A razão é óbvia: a Italia goza ainda dum padrão de vida bem superior.
Se no Sul existem problemas antigos (melhorados mas nunca resolvidos), com o Norte a comparação é impiedosa. É suficiente parar à beira duma estrada e observar os carros passar: na maioria são automóveis novos, e não, não são Fiat Panda.
Um pouco mais de atenção: há lojas, muitas. Nada de ruas com montras fechadas (tipo Almada), o comercio tradicional está vivo. Talvez não em excelente saúde, mas vivo. Mas este pode depender de outro factor: aqui, como em França por exemplo, não há centros comerciais no meio da cidades, e isso tem uma enorme importância. A falsa ideia de que "afinal o centro comercial gera emprego" não pegou, para boa sorte.
E os preços?
Os preços. Uma pizza simples (tomate, mozzarella), massa fina (a massa é sempre fina: a massa alta não é pizza, é um bolo!), 35/40 cm. de diâmetro (o tamanho é único, não existem pequenas/médias/grandes, a pizza não é uma t-shirt): 3,5 Euro (trêsvirgulacinco). Isso em Napoli. Em Milano um pouco mais, já estamos na casa dos 5,5 Euros.
Mas a pizza é italiana, lógico que custe menos. Não conta.
Já uma camisola é menos italiana e custa 10 Euros. Uma carteira para senhora 9,9 Euros, para homem em pele 10/12 Euros. Um kg. de esparguetes 0,50 cêntimos.
Um aluguer duma casa, 3 locais em Napoli: 450 Euros.
Um carro Fiat Punto gasolina 3 porte: desde 11.650 Euros (mesmo modelo em Portugal: 13.500, no Brasil: 39.350 Reais, mais ou menos 15.000 Euros).
A Fiat é italiana? Ok, então uma Volkswagen Golf gasolina 3 portas, modelo base: em Italia 17.800 Euros, em Portugal 21.382 Euros, no Brasil 49.930 Reais (19.000 Euros, mas é o modelo antigo, já não vendido na Europa).
O que custa mais é a gasolina, muito cara, sem dúvida (em autoestrada roça os 2 Euros por cada litro, na estrada 1.7/1.8 €, um exagero sem justificação).
Mas, no geral, quem pensa numa Italia muito mais cara quando comparada com Portugal está redondamente enganado.
Melhor é ouvir as pessoas.
Genova, passo um pouco de tempo com o dono do hotel. Está zangado, fala da Merkel, do spread, começa a citar dados, a dívida da Alemanha, do Japão, da Espanha, dos bancos. Tenho uma dúvida: será que foi espreitar Informação Incorrecta? Nada disso: o mesmo se passa em outros lugares também.
Em Venezia dois gondolieri (os homens dos típicos barcos) falam entre eles do ordenado e da reforma de Monti. Em Bergamo, num café, o assunto é o mesmo, política e economia.
Onde ficam os bons velhos tempos nos quais as pessoas entretinham-se com aprofundadas discussões acerca do futebol? Estão em Napoli, no Sul, no barco que liga a cidade com Capri. Não é um acaso: problemas antigos.
Nos cartazes da campanha eleitoral fala-se de coisas que em Portugal aparecem só nos contos da ficção científica ou em blogues desesperados: como a soberania monetária ou a saída do Euro.
Claro, depois há os media mainstream e aqui o discurso muda radicalmente. O processo de estupidificação avança com boa velocidade e não conhece paragem. Um jornalista vendido é igual em todos os lados, seja em Portugal, seja em qualquer outro lugar. Entreter com assuntos banais é o lema, apresentar aberrações como sucessos faz parte do jogo.
Barack Obama autoriza o bombardeamento de civis americanos? É uma "mudança histórica", não um crime digno dos piores delírios nazistas.
Tudo normal.
Melhor voltar para a realidade. E volto para Almada. Abro a caixa do correio, eis uma missiva do Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo (16% nas últimas sondagens). Um programa simples, sem ideologias ou palavras de ordem, dividido em pontos entre os quais:
Parece o programa eleitoral dum qualquer partido português, não é verdade? Pois parece.
E se a ideia for criar um movimento na própria cidade, 5 Stelle ajuda. O importante é não ter uma condenação, não pertencer a outro partido, residir na localidade escolhida, não recobrir já cargos.
Como em Portugal, mesma coisa.
Interessante é que o Movimento 5 Stelle de Grillo não é o único: há mais na mesma calha, menos conhecidos mas nem por isso menos activos, todos com um forte enraizamento local. Nenhum deles ganhará as eleições, disso não há dúvida. Mas até 5 anos atrás nada disso existia.
O fim da Zona Euro, desta união degenerada, começa também aqui.
Complicado? Sem dúvida. Por isso agradeço ter voltado em Portugal. Ontem Ronaldo marcou três golos e hoje jogam Benfica, Sporting e Porto: não há tempo a perder, tenho que preparar-me psicologicamente.
Ipse dixit.
Já fazia um tempo que não passeava pelo "Bel Paese" e a altura foi a melhor: um País em crise, no meio duma campanha eleitoral, após o reinado do homem da Goldman Sachs, Mario Monti.
Começamos pelo fim: a crise. Seria difícil convencer um português de que a Italia está no meio duma profunda crise. Aparentemente tudo continua na mesma, é preciso falar com as pessoas para entender. E, verdade seja dita, mesmo assim pode não ser simples. A razão é óbvia: a Italia goza ainda dum padrão de vida bem superior.
Se no Sul existem problemas antigos (melhorados mas nunca resolvidos), com o Norte a comparação é impiedosa. É suficiente parar à beira duma estrada e observar os carros passar: na maioria são automóveis novos, e não, não são Fiat Panda.
Um pouco mais de atenção: há lojas, muitas. Nada de ruas com montras fechadas (tipo Almada), o comercio tradicional está vivo. Talvez não em excelente saúde, mas vivo. Mas este pode depender de outro factor: aqui, como em França por exemplo, não há centros comerciais no meio da cidades, e isso tem uma enorme importância. A falsa ideia de que "afinal o centro comercial gera emprego" não pegou, para boa sorte.
E os preços?
Os preços. Uma pizza simples (tomate, mozzarella), massa fina (a massa é sempre fina: a massa alta não é pizza, é um bolo!), 35/40 cm. de diâmetro (o tamanho é único, não existem pequenas/médias/grandes, a pizza não é uma t-shirt): 3,5 Euro (trêsvirgulacinco). Isso em Napoli. Em Milano um pouco mais, já estamos na casa dos 5,5 Euros.
Mas a pizza é italiana, lógico que custe menos. Não conta.
Já uma camisola é menos italiana e custa 10 Euros. Uma carteira para senhora 9,9 Euros, para homem em pele 10/12 Euros. Um kg. de esparguetes 0,50 cêntimos.
Um aluguer duma casa, 3 locais em Napoli: 450 Euros.
Um carro Fiat Punto gasolina 3 porte: desde 11.650 Euros (mesmo modelo em Portugal: 13.500, no Brasil: 39.350 Reais, mais ou menos 15.000 Euros).
A Fiat é italiana? Ok, então uma Volkswagen Golf gasolina 3 portas, modelo base: em Italia 17.800 Euros, em Portugal 21.382 Euros, no Brasil 49.930 Reais (19.000 Euros, mas é o modelo antigo, já não vendido na Europa).
O que custa mais é a gasolina, muito cara, sem dúvida (em autoestrada roça os 2 Euros por cada litro, na estrada 1.7/1.8 €, um exagero sem justificação).
Mas, no geral, quem pensa numa Italia muito mais cara quando comparada com Portugal está redondamente enganado.
Melhor é ouvir as pessoas.
Genova, passo um pouco de tempo com o dono do hotel. Está zangado, fala da Merkel, do spread, começa a citar dados, a dívida da Alemanha, do Japão, da Espanha, dos bancos. Tenho uma dúvida: será que foi espreitar Informação Incorrecta? Nada disso: o mesmo se passa em outros lugares também.
Em Venezia dois gondolieri (os homens dos típicos barcos) falam entre eles do ordenado e da reforma de Monti. Em Bergamo, num café, o assunto é o mesmo, política e economia.
Onde ficam os bons velhos tempos nos quais as pessoas entretinham-se com aprofundadas discussões acerca do futebol? Estão em Napoli, no Sul, no barco que liga a cidade com Capri. Não é um acaso: problemas antigos.
Nos cartazes da campanha eleitoral fala-se de coisas que em Portugal aparecem só nos contos da ficção científica ou em blogues desesperados: como a soberania monetária ou a saída do Euro.
Claro, depois há os media mainstream e aqui o discurso muda radicalmente. O processo de estupidificação avança com boa velocidade e não conhece paragem. Um jornalista vendido é igual em todos os lados, seja em Portugal, seja em qualquer outro lugar. Entreter com assuntos banais é o lema, apresentar aberrações como sucessos faz parte do jogo.
Barack Obama autoriza o bombardeamento de civis americanos? É uma "mudança histórica", não um crime digno dos piores delírios nazistas.
Tudo normal.
Melhor voltar para a realidade. E volto para Almada. Abro a caixa do correio, eis uma missiva do Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo (16% nas últimas sondagens). Um programa simples, sem ideologias ou palavras de ordem, dividido em pontos entre os quais:
- Abolição dos reembolsos das despesas eleitorais
- Limite de dois mandatos para os parlamentares e qualquer outro cargo público
- Ordenado dos parlamentares em linha com a média nacional
- Proibição de ser candidato no caso de cidadãos com problemas judiciais
- Participação gratuita via internet dos cidadãos às reuniões do Parlamento
- Referendos propositivos
- Leis tornadas públicas online três meses antes da publicação para serem comentadas pelos cidadãos
- Possibilidade de vender electricidade produzida com sistemas "limpos" abaixo de 20 kW (actualmente o cidadão pode vender a electricidade em excesso à rede eléctrica nacional só se o sistema de produção tiver capacidade superior aos 20 kW)
- Incentivos e liberalização para a produção de bio-combustíveis, mantendo limites em termos de superfície agrícola utilizada, em particular do biogás produzido com a fermentação anaeróbia dos resíduos orgânicos
- Cidadania digital por nascimento, acesso gratuito à internet por cada cidadão
- Nenhum canal televisivo nacional ou jornal de propriedade dum só sujeito privado, limite de 10% na participação da propriedade
- Rede telefónica nacional só pública
- Propriedade intelectual das obras limitadas a 20 anos
- Abolição dos múltiplos cargos no caso de administradores de sociedade presentes na Bolsa
- criação de estruturas representativas dos pequenos accionistas na Bolsa
- Proibição dos "cruzamentos" de acções entre sistema bancário e sistema produtivo na Bolsa
- Introdução da responsabilidade das instituições financeiras acerca dos produtos oferecidos ao público, com comparticipação no caso de perdas
- Limite máximo para os ordenados das empresas presentes na Bolsa e/ou estatais
- Proibição de nomeação para cargos públicos (inclusive empresas com participação estatal) no caso de pessoas já condenadas em via definitiva
- Obrigatoriedade de parqueamento para bicicletas nos prédios e parqueamentos públicos nas áreas urbanas
- Utilização dos fundos destinados ao Ministério da Defesa para a pesquisa científica
- Possibilidade do cidadão de destinar 8/1000 da taxa sobre os próprios rendimentos para a pesquisa científica
- Acesso público e gratuito às lições universitárias
Parece o programa eleitoral dum qualquer partido português, não é verdade? Pois parece.
E se a ideia for criar um movimento na própria cidade, 5 Stelle ajuda. O importante é não ter uma condenação, não pertencer a outro partido, residir na localidade escolhida, não recobrir já cargos.
Como em Portugal, mesma coisa.
Interessante é que o Movimento 5 Stelle de Grillo não é o único: há mais na mesma calha, menos conhecidos mas nem por isso menos activos, todos com um forte enraizamento local. Nenhum deles ganhará as eleições, disso não há dúvida. Mas até 5 anos atrás nada disso existia.
O fim da Zona Euro, desta união degenerada, começa também aqui.
Complicado? Sem dúvida. Por isso agradeço ter voltado em Portugal. Ontem Ronaldo marcou três golos e hoje jogam Benfica, Sporting e Porto: não há tempo a perder, tenho que preparar-me psicologicamente.
Ipse dixit.
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