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Ignorância intencional e induzida

13 de Outubro de 2014, 6:27 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Somos ignorantes? Somos intencionalmente ignorantes?
Quem frequenta este como outros blogues tenta encontrar informações ou respostas. Lê, participa, pensa, discute.

Mas isso somos nós, um universo composto por quantas pessoas? Juntamos todos os Leitores de todos os blogues de informação alternativa: muitos? Sim, muitos. Mas sempre poucos.

Não há dados oficiais, mas não é difícil imaginar que, em comparação, Facebook tenha um número enormemente superior de participantes. E se existem páginas do social network que tratam de assuntos iguais ou parecidos, é verdade que não é difícil dar de cara com fotografias de Justin Bieber, Violetta, gatos com os óculos, bebés que choram, etc.
Youtube é ainda pior.

A internet dos media? Diários, revistas? Melhor pôr de lado.

Então, faltam recursos? Não há informações fidedignas disponíveis?
Pelo contrário. Se há uma coisa que não falta em internet é a informação. Aliás, o problema é este: há demasiada informação. Pensem num assunto, um qualquer: em internet há. Só que há também a informação contrária.

Tratar o cancro? Eis a marijuana. Não, é melhor o bicarbonato. Olhem, experimentem a agave. Mas pode não ser mal o mangustão também. Aliás, fiquem com a quimioterapia, os dados não mentem. Quais dados? Todos apresentam dados, como podemos distinguir dados "bons" e dados "maus"?

Isso é o que podemos encontrar acerca dum assunto sério. E assuntos sérios não faltam. O complicado é encontrar informação séria.

Sushi e piri-piri

Na Sexta-feira fui jantar num centro comercial (mea culpa). Sentado, com um prato de sushi na frente e molho de piri-piri ao lado, olhava as outras pessoas.

Após uma semana de trabalho, as famílias enchem os corredores, com as crianças que choram, o telemóvel numa mão e o saco das compras no outro. Em volta, ecrãs com um jogo de futebol (por acaso: Italia - Azerbaijão), a fila que nunca acaba do McDonald's (sempre cheio), os vendedores do Citibank que tentam convencer-te (mas estão a brincar?) e uma música demasiado forte como banda sonora.

Como digestivo, um passeio pelo parque subterrâneo à procura do carro, numa atmosfera feita de gases no meio dos quais nem os mosquitos se atrevem a esvoaçar (porque serão mosquitos, mas não são totalmente estúpidos). 

Este é chamado de "tempo livre", o ideal para relaxar.
Podemos pensar: pouco mal, é Sexta-feira. Mas não é bem assim: os centros comerciais raramente estão vazios. E se não for passado entre montras com saldos e promoções, o "tempo livre" é muitas vezes feito de trânsito, de miúdos que saem da escola, de pequenas tarefas talvez inúteis mas que "têm" de ser feitas.

A nossa vida está cheia, mesmo quando o enchimento não for feito de trabalho.
A sociedade está pensada para que o tempo realmente "livre" seja reduzido ao mínimo.

Até poucas décadas atrás não era assim.
Era normal ter um componente da família que trabalhava (normalmente o marido), enquanto o outro ficava a tratar do resto (casa, filhos, compras, etc.).
Hoje é raro ter uma família onde apenas um dos pais trabalha. Emancipação da mulher? Não, questão de sobrevivência: um só ordenado não dá.

Assim, há menos crianças nas ruas também: jogam na mesma, mas no interior duma instituição (a escola) onde ficam desde manhã cedo até o fim da tarde. É aí que gastam o "tempo livre" delas, é aí que aprendem a rotina do mundo civilizado.

No meio de tudo isso, surge uma pergunta: a ignorância das pessoas é intencional? Se sim, até a que ponto?

Eu não sei responder, começo a ter dúvidas.

Sugeri várias vezes de não passar à noite sentados na frente da televisão para dedicar-se a algo que, pelo menos, não tente dizimar os nossos neurónios. Tal como ler, por exemplo. Mas reconheço: isso é um esforço. E não estou a ser irónico: é mesmo assim.

É normal voltar para casa, jantar, acabar com outras tarefas menores mas necessárias e depois atirar-se para o sofá, à procura de verdadeiro relaxamento. E perto do sofá há o comando da televisão. É só estender o braço e deixar que a televisão pense por nós, até o sono ditar o tempo para a cama.

Excluímos as pessoas que por definição nunca pegariam num livro, as que estiverem verdadeiramente cansadas e que nem a tv conseguem ver, aquelas que após o jantar ainda voltam a trabalhar um bocado... Sobra um exército de pessoas cansadas, cujo único desejo não é preocupar-se com as desgraças do mundo mas tentar descansar. Só isso: descansar o corpo e o cérebro.

O Capital do Homem Aranha

Acabado o sushi, uma volta na Fnac.
Toneladas de iPod, iPad, iPed, telemóveis, jogos, descontos para aderentes.

Secção livros. Oh, este é interessante: O Capital no Século XXI de Thomas Piketty.
Quais são as grandes dinâmicas que regem a acumulação e a distribuição de capital? As questões sobre a evolução da desigualdade a longo prazo, a concentração da riqueza e as perspetivas de crescimento económico estão no cerne da economia política. Mas é difícil obter respostas satisfatórias devido à falta de dados corretos e de teorias claras. Em "O Capital no Século XXI", Thomas Piketty analisa um conjunto exclusivo de dados de vinte países, que percorrem mais de três séculos, para discernir os padrões socioeconómicos fundamentais. As suas descobertas transformarão o debate e as prioridades da reflexão sobre riqueza e desigualdade das próximas gerações.
Sim senhor, parece interessante, quase quase...
Quanto custa? 24.40 Euros. Fogo...24 Euros, quase 800 Reais, é o preço dum discreto par de sapatos. Ou dum jantar para duas pessoas. Com 24 Euros de gasolina faço 300 quilómetros (sem correr). 24 Euros para um livro não é pouco. Ok, vou pensar nisso.

Área dos filmes. O Fantástico Homem Aranha 2: o Poder de Electro.
É óptimo ser o Homem-Aranha (Andrew Garfield). Para Peter Parker, não há sensação igual a balançar-se entre arranha-céus, meter-se na pele do herói e passar tempo na companhia de Gwen (Emma Stone).
Dvd em edição especial com postais (wow!), 16.90 Euros. Em gasolina quase 200 quilómetros.

Assim:
  • um livro que tenta explicar como funciona a nossa sociedade, escrito por uma pessoa, custa-me 300 quilómetros.
  • um filme onde participaram dezenas de actores, figurantes, técnicos, onde deve haver uma boa margem para o lucro da produtora, distribuidora, revendedora, para justificar o marketing, as acções de promoção, etc. custa-me 200 quilómetros.
Algo não bate certo. Ou se calhar sim.
Eu sei: há razões bem precisas que justificam esta discrepância, um livro "complicado", traduzido e imprimido em português tem menos compradores, um vídeo do Homem Aranha vende sempre e muito.

Mas neste caso, não deveria haver uma ajuda, uma forma de facilitar o acesso aos assuntos mais "importantes"? Não deveria ser facilitada a difusão da cultura?

Não. E porque raio deveria ser difundida a cultura? O que pode haver de melhor duma pessoa cansada, sempre ocupada, que chega à noite e a última coisa que deseja fazer é empenhar o cérebro para algo de construtivo?

Na verdade existe o perigo de que alguém, apesar de tudo, possa desejar perceber um pouco mais daquilo que temos em volta, possa querer informar-se.
Por isso também foi inventado o medo. Porque não é só a preguiça, é também a tentativa, assumida ou não, de ficar longe de assuntos que assustam, que bem podem entristecer.

Ignorância: nova e antiga fronteira 

Resumindo, temos um sistema muito bem estudado.

Uma mole enorme de informação, um autentico labirinto contido na internet no qual orientar-se não é nada simples; um mundo de trabalho que paga pouco e limita o tempo livre disponível; uma cultura cara, bem balançada por entretenimento de baixo custo; uns meios de comunicação de massa que espalham notícias filtradas e superficiais; uma pitada de medo qual toque final.

Somos intencionalmente ignorantes? A maioria das pessoas é intencionalmente ignorante?

É complicado responder. Acho que a resposta é "sim", tendencialmente sim. A tal maioria da pessoas não deseja empenhar o seu próprio tempo em assuntos "complicados", mesmo que esta alegada "complicação" signifique perceber (ou tentar perceber, aos menos) como funciona o nosso mundo, porque fazemos o que fazemos.

Mas verdade seja dita: vivemos numa sociedade que faz da ignorância uma arma de eleição.

Atenção: não é esta a tentativa de justificar quem simplesmente recusa aprofundar certos assuntos. Acho ser os citados um conjunto de factos reais, que todos podem constatar. Temos que assumir uma simples verdade: a ignorância faz o jogo de quem está no poder, sempre foi assim e hoje não é diferente.

A nossa sociedade está doente, cada vez mais superficial e simples (paradoxalmente e danadamente simples): normal que tente reproduzir-se em indivíduos igualmente superficiais e simples. A informação pode trazer perguntas e com as perguntas nascem as dúvidas.

A sociedade não gosta de dúvidas: tem que existir uma resposta para tudo, e quanto mais simples esta for, melhor será. A sociedade está presente em todos os lugares, a sociedade somos nós. Por isso fugir deste esquema é cada vez mais difícil.


Ipse dixit.

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/d_bALxoKoPQ/ignorancia-intencional-e-induzida.html

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