Pelo menos, até hoje, pois as coisas podem estar prestes a mudar. A falência do México é evidente. Não falência económica, mas politica e social: uma crise de autoridade, um desafio que arrisca destruir a relativa "tranquilidade" da América Central.
O desafio é aquele dos cartéis da droga. Têm nomes diferente, tais como "Ordem dos Templários" ou "Gang Sinaloa", grupo antigamente limitado à província da homónima cidade (Sinaloa, no Sul-Oeste do México), mas que rapidamente expandiu-se até "trabalhar" o resto do País. Cada banda tem específicas alianças regionais e sua própria cultura, mas todos elas usam o mesmo tipo de práticas: brutais. Para além da venda das drogas ilegais, os cartéis estão envolvidos em extorsão em massa, que atinge tanto os ricos empresários quanto os pobres camponeses: quem se recusa a pagar é eliminado, sem muitas cerimónias.
A polícia local não é útil: aliás, muitas vezes é entre as fileiras das autoridades que podem ser encontrados os criminosos ou os cúmplices deles, não menos violentos. Fortemente infiltrada também encontram-se as forças armadas do estado mexicano, impotentes contra os cartéis que têm armas superiores (em muitos casos de origem estadounidenses).
Os principais cartéis da droga no México |
criminosas grandes áreas do México. Isso até hoje, porque agora algo está a mexer-se: é a chamada revolta dos vigilantes, grupos de mexicanos comuns, de ricos donos de terras, de pobres trabalhadores que organizaram-se para obter de volta as suas vidas. No ano passado, os vigilantes tinham conquistado a cidade de Tierra Colorado, prenderam o chefe de polícia, organizaram bloqueios para limpar a cidade do cartel local. E conseguiram.
Agora, os vigilantes aumentaram a fasquia naquele que parece ser um golpe coordenado ao coração do poder dos cartéis. A cidade de Nueva Itália foi o último campo da batalha, enquanto as forças de autodefesa conquistavam a cidade debaixo das balas dos Templários e cercavam a vizinha cidade de Apatzingan, quartel geral dos mesmos Templários.
Vigilantes em Michoacán (fonte: AFP) |
Nos anos vinte, depois do governo "revolucionário" do presidente Plutarco Calles ter praticamente proibido o catolicismo, começando a matar padres e freiras e a apreender os bens da Igreja, nas província agrícola do sudoeste surgiu a rebelião do "Cristero", com bandas de guerrilheiros que lutavam contra as tropas do governo. É a região mais pobre do México, onde a reforma agrária do Estado (inspirada na Revolução Bolchevique de 1917) tinha retirado a maior parte dos terrenos aos camponeses indígenas, transformando-os em intrusos nas suas terras históricas.
Em resposta à tentativa de modernizar a agricultura com actividades colectivas, os pequenos proprietários rurais tinham começado a rebelar-se contra o governo e a actual insurgência dos vigilantes está imbuída da mesma hostilidade contra o centralismo de Cidade do México.
O governo reagiu como no passado: com hostilidade. Depois de décadas de indiferença, os senhores da capital estão a enviar milhares de tropas federais para obrigar os vigilantes a entregar as armas.
Conforme relata o Guardian, os habitantes consideram esta ideia com desprezo:
Entregar as armas? Se fizéssemos isso, os Caballeros matariam-nos todos.Pois, os vigilantes bem conhecem as estreitas relações entre as corruptas autoridades mexicanas e os cartéis de drogas. Como continua o artigo do diário britânico:
Embora durante as conferências de imprensa com os jornalistas estrangeiros o governo insiste na não- negociabilidade da entrega das armas, os soldados no terreno e os policiais federais ignoram os check-point com sacos de areia ocupados pelos vigilantes.
O que está a acontecer no México é o colapso em câmara lenta das autoridades governamentais.
Não é apenas o facto dos cartéis serem muitas vezes melhor armados: é a natureza intrusiva da influência corruptora, tornada possível pelos enormes lucros do tráfico das drogas. Os cartéis são um subproduto, grotesco e mortal, da guerra de fachada que os EUA e os seus aliados têm realizado internacionalmente contra as drogas "ilícitas".
Mas o perigo é real: o País está a desmoronar muito rapidamente. Enquanto a crise económica atingiu as pessoas já empobrecidas do México e um governo inepto continua a ganhar tempo enquanto o País queima, a crise de autoridade pode culminar numa explosão que, obviamente, a seguir deixará "surpreendidos e preocupados" as classes políticas do resto do mundo, começando pelas Nações Unidas. Mas uma crise desta no México significaria uma crise humanitária de enormes dimensões, com milhões de refugiados nas fronteiras com os EUA.
Mais uma vez: tudo isso mesmo ao lado da primeira potência económica e militar do planeta. Phoenix, da Arizona, fica a 150 quilómetros da fronteira; Tucson a 70 km; San Diego, na Califórnia, está mesmo encostada ao México. E enquanto os militares de Washington combatem a "terrível ameaça islâmica" do outro lado do planeta, cortadores de gargantas calcam as ruas e aterrorizam milhões de pessoas do outro lado do rio.
Ipse dixit.
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Fontes: Anti War, Drug Abuse, Latin Times, Daily News, The Guardian
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