Aqueles "fáceis" são os genocídios que despertam desaprovação e condenação de todos os lados: as pessoa comovem-se, na televisão aparecem personalidades indignadas que pedem para uma acção firme e imediata, os diários publicam fotografias chocantes.
Desta primeira categoria fazem parte o genocídio do povo hebraico (um must) ou o genocídio Cambojano dos anos '70.
Depois há os genocídios irritantes, aqueles acerca dos quais ninguém liga ou quer saber.
O dos Armenos pertence à esta segunda categoria: o genocídio deles simplesmente é ignorado. E a coisa engraçada (mas não do ponto de vista arménio) é que os genocídios foram mais do que um.
O primeiro genocídio (1894-1896)
Em 1890, o Império Otomano contava com cerca de 2 milhões de arménios, apoiados pela Rússia no desejo de independência, pois Moscovo tencionava enfraquecer o Império. Para reprimir o movimento autonomista, o governo incentivou entre os curdos (com os quais os arménios partilhavam parte do território) sentimentos de ódio anti-arménios.
A opressão que sofreram pelos curdos e o despropositado aumento de impostos por parte do governo exasperou os arménios ate´rebelar-se se revoltar: nesta altura, o exército otomano, apoiado por irregulares curdos, respondeu assassinando milhares de arménios e queimando as suas aldeias (1894).
Dois anos mais tarde, provavelmente para ganhar visibilidade internacional, alguns revolucionários arménios ocuparam tomaram o Banco Otomano em Istambul. Erro: a reacção foi uma nova perseguição.
Difícil quantificar os mortos.
Em 1894 as estimativas apontam para 80.000 - 300.000 mortos. Só na catedral de Urfa, 3.000 arménios foram queimados vivos. Na perseguição de 1896 os mortos foram entre 6.000 e 7.000.
Adana (1909)
Os arménios estavam fartos da política do Império Otomano: por isso bem acolheram a tomada de Genç Türkler o Yeni Türkler) em 1908. Estes, dos quais fazia parte Mustafa Kemal Atatürk, o herói nacional turco, prometiam a reconciliação religiosa e étnicas entre as várias regiões do Império.
posse do movimento dos Jovens Turcos (
Infelizmente, o modelo adoptado pelos Jovens Turcos era autoritário e centralista, pelo que as consequências foram as revoltas de vários povos do Império. E entre eles havia os Arménios.
Na noite entre os dias 25 e 26 de Abril de 1909, com a ajuda de ciganos e de Basci-buzuk (soldados irregulares), os otomanos massacraram os arménios, destruindo igrejas e escolas na província de Adana.
Os mortos foram entre 20.000 e 30.000, mais uns 1.500 assírios que aí encontravam-se.
O segundo genocídio
O governo do Império, preocupado com a ideia duma insurreição armada, decidiu actuar: na noite entre 23 e 24 de Abril de 1915 começaram as primeiras prisões entre a elite arménia em Istambul. A operação continuou nos dias seguintes e, em apenas um mês, mais de mil intelectuais arménios (incluindo jornalistas , escritores, poetas e até mesmo os delegados no Parlamento) foram deportados para o interior da Anatólia e massacrados ao longo do caminho.
As detenções e as deportações começaram a incluir simples cidadãos também até envolverem 1,2 milhões de pessoas, centenas de milhares das quais morreram de fome, doenças e exaustão durante a travessia do deserto sírio. Esta "marcha da morte" foi organizada sob a supervisão de oficiais do exército alemão, aliado do Império na altura, e incluíram execuções sumárias por parte da milícia curda e do exército turco.
Os que não foram obrigados a participar na marcha não tiveram um destino melhor. Inteiras aldeias foram queimadas com os seus habitantes, como em Muş; em outros casos (como em Trazbon), os civis eram obrigados a embarcar-se em navios que depois eram afundados no Mar Negro. E houve também o recurso à substâncias tóxicas: overdose de morfina, utilização de gás e inoculação de tifo (Erzican, 1916).
E nem faltaram os campos de concentração, na maior parte dos casos localizados perto das fronteiras com o Síria e o Iraque: alguns eram utilizados como campos "temporários", para aqueles com uma esperança de vida de poucos dias (Lale, Tefridje, Dipsi, Del-El, e Ra's al-'Ayn), outros foram depois utilizados como vala comum (Radjo, Katma, and Azaz).
As vítimas e as consequências
otomano não havia um regular censo demográfico, razão pela qual até é difícil estabelecer com precisão quantos arménios viviam nas regiões interessadas.
Em 1896, o governo otomano registava 1.440.000 arménios na Anatólia, enquanto segundo o Patriarcado Arménio de Constantinopla, em 1914, os arménios variavam entre um mínimo de 1.845 milhões e um máximo de 2.1 milhões.
O historiador Arnold Toynbee J., que era oficial da inteligência britânica na Anatólia durante a Primeira Guerra Mundial, estimava as vítimas em 1.200.000, enquanto hoje os pesquisadores aceitam um total de 1.200.000/1.300.000 mortos.
Um número assustador, que todavia não é suficiente para convencer todos. Hoje apenas 20 Estados no mundo reconhecem o genocídio arménios: Argentina, Arménia, Bélgica, Canada, Chile, Chipre, Franca, Grécia, Holanda, Italia, Lituânia, Líbano, Polónia, Rússia, Eslováquia, Suécia, Suíça, Uruguay, Vaticano, Venezuela.
Que israel não reconheça o genocídio é normal: até poucos meses atrás o governo turco era um dos poucos aliados na região e depois Jerusalém tem uma espécie de exclusiva em tema de holocaustos. Espanta, pelo contrário, a atitude de outros Países. Os Estados Unidos, por exemplo: Barack Obama antes ralhou com o embaixador em Ankara por este ter utilizado o termo "genocídio", depois prometeu reconhecer e comemorar o acontecimento. Mas nada mudou até hoje.
Pode parecer um pormenor, mas entre as dificuldades encontradas na adesão da Turquia à União Europeia existe também o facto de Ankara não reconhecer o genocídio arménio.
A posição oficial turca é que as mortes ocorridas durante uma "transferência" ou "deportação" não
podem ser consideradas "genocídio", uma posição apoiada por uma miríade de justificativas: os assassinatos não foram deliberados, não foram orquestrados pelo governo, as mortes foram justificadas pela ameaça constituída pelos arménios pró-russos, os arménios morreram apenas fome. etc.
As autoridades turcas afirmaram que a "tolerância do povo turco" torna impossível o genocídio arménio, enquanto um documento militar realça como foram os turcos a salvar da perseguição bizantina os arménios no ano...1071.
E hoje, após 99 anos do genocídio? Hoje milhares de arménios do Kessab, uma região da Síria na fronteira com a Turquia, são obrigados a fugir por causa da invasão das milícias fundamentalistas islâmicas, apoiadas pelo governo de Ankara, enquanto as suas casas e as suas igrejas são saqueadas e profanadas. A longa onda desencadeada pelo genocídio de 1915 parece não querer acabar. E, como disse Napoleão:
O mundo sofre não por causa da violência dos maus mas por causa do silêncio dos bons.E também isso é verdade.
Ipse dixit.
Fontes: não é preciso procurar muito para encontrar algo sobre o genocídio dos arménios. Na Wikipedia há tudo: até a versão portuguesa é discreta. Mais precisa, e com uma maior bibliografia também, é a versão inglesa.
Sempre em língua inglesa, há dois sites interessantes: Armenian Genocide e Genocide 1915: material não falta, mas ambos não podem ser definidos propriamente imparciais. Depois vale a pena a página do History Channel e um artigo de New York Times.
Em português há uma exposição online na página Genocídio Arménio e um blog dedicado ao assunto: Genocídio Arménio: a esperança duma nação.
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